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15.7.22

OS CAMINHOS DO DESTINO - PARTE III

 

Saiu da sala e entrou na porta ao lado. Abriu a persiana, e encontrou-se no quarto, onde a cama de casal merecia destaque, a par do enorme roupeiro de portas de correr em espelho, que davam a ilusão dum tamanho muito maior ao já espaçoso quarto. Voltou à cozinha e abriu as cartas. Faturas da luz, gás, e das telecomunicações. Não se preocupou, eram pagas por débito direto, já teriam saído da conta.

Pensou que teria que ir ao banco, encerrar a conta conjunta, e abrir outra pessoal. Ir às finanças, ao registo, legalizar a sua situação como viúva. Tanta coisa para fazer e ela sem forças físicas nem morais, para isso. Teria de pedir a Clara, se ela poderia ir com ela resolver esses assuntos.

Colocou a publicidade no recetor para a reciclagem, e guardou as faturas na gaveta que guardava para elas. Sentia-se extremamente cansada, resultado das quase três semanas em coma. Deveria comer qualquer coisa, mas não tinha pão em casa para fazer uma torrada, e era impensável ir à rua comprá-lo.

 Pôs a chaleira ao lume com água. Abriu um armário e retirou um pote de vidro, meio de bolachas de água e sal, e um pacotinho de chá de cidreira. Tirou uma chávena, colocou-lhe dentro o pacotinho, despejou-lhe em cima a água que entretanto fervera, e levando a chávena para a mesa sentou-se.

Enquanto bebia o chá, a gaveta da memória abriu-se, e as lembranças voaram livres à sua roda, como borboletas em prado florido. E eram tantas e tão intensas, que o ar na cozinha se tornou rarefeito, e ela sentiu um aperto no peito. De forma inconsciente a sua mão direita desceu e acariciou o ventre liso, enquanto as lágrimas rolavam pela face pálida.

Três semanas antes ela estava grávida de seis meses. O seu casamento não estava muito bem, mas a criança que crescia no seu ventre era muito amada, e ansiosamente esperada. Porém naquele fatídico dia, Jorge tinha uma festa, da empresa. Ela bem que não queria ir. Mas ele insistiu tanto que acabou fazendo-lhe a vontade.

Jorge era um homem bonito e bem-sucedido. Ela conhecera-o num bar em Lagos, cidade onde vivia e onde ele fora passar férias. Foi uma paixão fulminante, que ela confundiu com amor. Os pais opuseram-se ao casamento, mas ela não lhes deu ouvidos. Era maior de idade, não precisava do consentimento deles.
Veio viver com ele, para Lisboa, mesmo antes de se terem casado.

7 comentários:

Pedro Coimbra disse...

Viver “em pecado” foi uma óptima experiência de vida.
Bfds

Tintinaine disse...

E continua!
Bom fim de semana!

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Gostei deste excelente texto.
Um abraço e bom fim-de-semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros

Janita disse...

Começo a aperceber-me de que já li este conto, embora ainda não tenha bem a certeza. Talvez a Elvira saiba, pelos comentários anteriores. De qualquer modo estou a gostar do caminho que vai tomando.

Um abraço.
Bom fim-de-semana.

Maria João Brito de Sousa disse...

Não é fácil sobreviver aquilo por que esta mulher passou...

Forte abraço, Elvira!

Duarte disse...

Como sempre, aquilo que escreves engancha.
Bom seria o esquecer, mas a memória arquiva.
Um grande abraço de vida, NOSSO.

Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Mais uma personagem viúva.
Vamos ver como será a sua vida, agora que perdeu o marido e o bebé.
Beijinhos e boas férias.
Ailime