Seguidores

17.2.20

OS SONHOS DE GIL GASPAR - PARTE XXXIX




- Chegou a hora de me despedir!
Ela estremeceu e largou o pincel. 
Aquela frase, foi como uma faca rasgando-lhe o peito apesar de não ser de todo inesperada.
Desde a véspera, que Luísa sentia a luta que ele travava consigo mesmo, e intuía que a sua partida estava eminente. 
Uma semana se passara, desde aquela terrível noite de tempestade, em que ele chegara meio morto à sua porta. 
Sete dias de convívio diário que  mudaram  a sua vida para sempre. 
Inicialmente cuidara daquele homem, pois ele estava meio inconsciente e completamente vulnerável. Faria o mesmo com qualquer outro ser humano que necessitasse, fosse criança, ou idoso, ou até  mesmo por um animal, (afinal fora assim que ganhara a companhia de Tejo, quando o encontrara abandonado, maltratado e meio morto de fome).
Porém desde o primeiro momento em que ele recuperou a consciência, ela sentiu a forte atração que os uniu. Há muitos anos que se tinha imposto a si mesma uma vida de solidão e até então, nunca se tinha sentido infeliz com essa opção. Porém tudo mudou depois que ele chegou. Era  um homem muito atraente, mas era também educado, simpático, e adivinhava-se carinhoso, pela maneira com que a tratava. 
E embora sabendo que era uma loucura, o desejo de o ter mais tempo consigo, foi crescendo, hora a hora. Sabia que de um momento para o outro, ele podia recuperar a memória, e partir. E ela não era tão egoísta  que desejasse o contrário, mas sim, desejava que não partisse enquanto a atual situação se mantivesse.
  Por isso, para o reter, lhe tinha pedido para posar para ela, e tinha começado a pintar o seu retrato havia três dias. Era como se através do quadro, pudesse perpetuar a sua presença junto dela. Se acreditasse em amor à primeira vista, diria que se tinha apaixonado por ele desde o primeiro momento. Ou talvez fosse apenas atração sexual.  Afinal há mais de doze anos que não sentia o carinho de umas mãos de homem acariciando o seu corpo. Todavia  desde a véspera, ela sentia que a sua partida estava eminente.
- Mas para quê partir, se não sabes para onde? Ou já te lembraste de alguma coisa?
- Não, de vez em quando passam-me imagens rápidas pela cabeça, como se
 fossem flashes fotográficos. Há uma em especial que surge muitas vezes. É um bebé, e sinto que há uma relação forte comigo, mas não consigo lembrar de mais nada.
- Provavelmente, as tuas memórias a quererem voltar à superfície. Mas então porque não ficas mais um dia ou dois? Pode ser que, entretanto, te recordes de tudo.
-Não posso, Luísa. Somos ambos, adultos o suficiente, para nos darmos conta da atração que exercemos um sobre o outro. Por vezes a tensão sexual entre nós é tão grande que quase pega fogo ao espaço que nos rodeia. Ou pelo menos é o que eu sinto, e, creio não me enganar, ao pensar que tu sentes o mesmo. Agora mesmo leio no teu olhar, o mesmo desejo que me consome e não posso nem devo pagar dessa maneira a tua generosidade. Não esqueço que se estou vivo a ti to devo, e eu nem sequer sei se sou um homem livre.
-Compreendo, - disse ela voltando os olhos para a tela, o coração dividido entre a dor que a invadia, pela partida eminente e a alegria de saber que os seus sentimentos eram igualmente sentidos por ele. E sentiu uma enorme tristeza, ao  pensar que em qualquer parte do país, poderia haver outra mulher que estaria em sofrimento, sem saber o que lhe tinha acontecido. 
- E quando pensas partir? - perguntou com voz tremente. 
- Logo após o almoço. Quantos quilómetros são daqui à vila? – perguntou.
- Penacova, fica a pouco mais de três quilómetros. Mas o que vais fazer quando lá chegares?
- Ainda não sei. Mas suponho que se me dirigir ao posto policial, de algum modo a polícia me poderá ajudar.
- Bom, então será melhor que eu vá tratar do almoço. Deixa-me só lavar os pincéis.


11 comentários:

Joaquim Rosario disse...

Bom dia
Este episódio é qualquer coisa de extraordinário , no que diz respeito a vida de um ser humano nomeadamente ao destino de cada um de nós .

JAFR

Tintinaine disse...

A Luisa não deve ver muita televisão, senão já teria telefonado para a CMTV e eles apareceriam lá em 3 tempos resolvendo o caso sem qualquer dificuldade. Mas as histórias são assim mesmo e precisam destas coisas para poder existir.
Boa semana, Elvira e viva o Porto que esta semana vai à Alemanha defender a sua honra e mostrar a sua competência.

noname disse...

Chegou a hora do Gil ir procurar a sua realidade, vamos lá ver o que advém daí.

Bom dia, Elvira

Maria João Brito de Sousa disse...

Estou segura de que esta mútua atracção encontrará forma de transformar-se em realidade.

Forte abraço, Elvira.

Edum@nes disse...

Se ambos sentem que estão apaixonados um pelo outro. Gil vai embora, mas depois de recuperar, totalmente, a memória voltará para junto de Luisa. Penso eu!

Tenha uma boa tarde amiga Elvira. Um abraço.

Cidália Ferreira disse...

Coitada. Apaixonou-se e agora ele vai-se...e será que se vai??!!

-
Candura e entusiasmo de andar em liberdade
-
Beijo e uma excelente semana!

Janita disse...

Eis um capítulo que nos vai finalmente encaminhar - a nós e ao Gil - para um desenrolar de emoções e descobertas!

Um abraço e boa semana, Elvira.

Anete disse...

Certamente a memória voltará completamente e será muito bom “cair na real”...
Suspense total no romance com a Luísa...
Boa semana, Elvira... Abração...

Ailime disse...

Bom dia Elvira,
A história está ao rubro.
Vamos ver o que se seguirá.
Um beijinho e um ótimo dia.
Ailime

Lúcia Silva Poetisa do Sertão disse...

Atração mútua num contexto de completa insegurança, oriunda da falta de memória. Ótimo este capítulo!
Beijos carinhosos!

João Santana Pinto disse...

Um bom primeiro salto para duas pessoas que se merecem (sorrisos)

Vamos lá ver o que diz a polícia...