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30.3.16
MANEL DA LENHA - PARTE XXXIX
Foto do google
Pouco antes do seu aniversário, Manuel acabou de pagar a motorizada e resolveu comprar um rádio a pilhas. Era um rádio grande, com gravação e leitura de cassetes. Era um bocado caro, mas o dono da loja facilitava o pagamento em prestações, e depois os filhos mereciam ter música em casa. Não era por ele que continuava com a sua velha galena a ouvir o que gostava, quando tinha tempo para isso. Mas as crianças não terem um rádio, numa altura em que já tanta gente tinha TV era uma tristeza.
Nesse Verão, um dos cunhados casa-se e vai viver para Palhais. Entretanto a filha mais velha vai passar um mês ao norte, a casa de familiares pois há quase três meses anda com uma tosse que não passa apesar de todos os xaropes tomados. Dizem-lhe que quando assim é, só mudança de ares. Também nesse mês, morre no hospital em Lisboa a sogra do Manuel de cancro na garganta, e a mulher traz para casa o pai, que no ano anterior sofrera um AVC e ficara afectado mentalmente. Combina com os irmãos e fica decidido que cada filho, cuidará do pai durante um mês.
Ainda nesse ano, pouco depois dos anos da filha mais velha, enquanto Manuel pisava a uva com alguns amigos, no lagar do Bernardino, começa a germinar-lhe na cabeça um desejo. Poder no ano seguinte fazer vinho.
O Bernardino, caseiro de uma das quintas da seca, e amigo de longa data do Manuel, tinha um grande lagar onde todos os anos fazia vinho. Não que na Seca houvessem vinhas. Mas ele comprava a uva na zona de Palmela, que depois vinha numa camioneta até à Seca. Fazia sempre muito mais do que precisava para consumo próprio, pois o pessoal do norte gosta da pinga caseira e mais ninguém na Seca tinha lagar. Assim sempre lhe pediam para fazer com ele o vinho. Uns compravam um barril de 100 litros, outros de 150 ou uma pipa de 200 litros. No ano anterior, também Manuel comprara uma pipa de 100 litros. E este ano ia pelo mesmo. Mas começa a pensar que talvez quem saiba um ano possa fazer o seu próprio vinho.
Em breve recomeça a safra do bacalhau. O pessoal anda cada vez mais apreensivo. As poucas notícias que lhe chegam sobre as colónias, são cada dia mais preocupantes, mas a PIDE está cada dia mais activa e ninguém se atreve a pensar em voz alta o que lhes vai na alma, pois nunca se sabe quem os está a ouvir, e às vezes, até as paredes têm ouvidos. O clima de desconfiança que reinava entre o pessoal, acabara com a alegria de anos antes, e tornava a tarefa mais pesada.
A 22 de Novembro o presidente Kennedy é assassinado.
A América é lá tão longe, mas por estranho que pareça, Manuel e alguns dos seus camaradas na Seca, têm uma admiração especial pelo homem, e ficam quase tão chocados como se lhes matassem um amigo pessoal.
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19 comentários:
Tantas coisas acontecem e até a morte de Keneddy que a todos chocou...Lindo te ler! bjs, chica
Naquela altura ter um rádio era um verdadeiro luxo e fazia os encantos dos ouvintes!
Abraço elvira
A morte do Kennedy mudou o rumo de muitas histórias :)
Um texto que me faz lembrar que na época metiam-se com o meu pai por causa do cabelo! Chamavam-no "Kennedy", o que assassinaram!
Beijinhos.
Depois dos bacoritos chega a motorizada e já aponta para o rádio gravador, o que indica alguma melhoria na vida do pobre Manuel, que bem merece.
Abraço do Zé
Era uma sorte ter um rádio naquele tempo e tv, então nem se fala; já era adolescente quando tive tv em casa; o meu irmão ia ao café assistir, mas rapariguinha nao podia ir. Enfim....na aldeia houve durante muitos anos esse preconceito; frequentar o café nem pensar. Elvira, ca vou companhando a vida do Manuel que não era muito diferente da dos meus pais. Beijinhos, amiga e muita saúde.
Emilia
Nesse tempo, Kennedy era praticamente o único amigo que podíamos confessar ter...
só muito mais tarde apareceram as tee shirts
com a cara de Guevara
gravada
Sempre a atiçar a curiosidade. Grande homem, este Manuel!
Bjo, amiga :)
E esse sentimento de perda com a morte de John F. Kennedy permanece.
Quase uma lenda.
Novamente por aqui, Elvira, lendo mais dois capítulos
da emocionante história...
Um dia de cada vez e prosseguindo... Manuel é um homen valente... Certamente, o seu futuro
será próspero!
Um abraço e bom retorno.
Olá amiga Elvira, a morte do Kennedy foi muito sentida, pois dizem que era um grande homem. Gostei da continuação da história e ver que a vida está a melhorar. Lembro-me quando menina o meu avô tinha um rádio pequenino, que andava sempre escondido. Beijos com carinho
Nesse tempo do que bom. Havia muito mais menos bom, para quem trabalhava, para outrem. Os dias iam passando, as notícias chegando através de novas tecnologias aos ouvidos de quem tinha esperança de um futuro melhor. Quanto ao assassinato do presidente Kennedy, uns choraram enquanto outros terão aplaudido? Segundo diziam era contra a presença da administração portuguesa em África. Assassinaram-se mas ficaram muitos outros mais, que continuaram a não nos ver com bons olhos, até correm de lá para fora a pontapé todos os portugueses!
Tenha amiga Elvira, uma boa tarde fria de primavera, um abraço.
Eduardo.
Corrijo: Assassinaram-se, para assassinaram-no!
interessante, até o assassinato de Kennedy é por si referido! Admiro essa capacidade de introduzir os factos históricos da época.
xx
OI ELVIRA!
LENDO E GOSTANDO.
http://zilanicelia.blogspot.com.br/
Vir aqui acompanhar esta belíssima história faz com que me consiga abstrair de tudo o resto. Obrigada por estes momentos Elvira!
Um grande beijinho
elisaumarapariganormal.blogspot.pt
Embora não tivesse nem nascido, sei que a morte do Kennedy gerou uma comoção mundial, muito bem descrita por vc.
Beijo*
Oi Elvira,
Linda postagem.
E quem é que não se entristeceu pela morte do presidente.
Beijos
Lua Singular
Um dos ditados mais certos é aquele que diz que boca fechada não entra mosca. E se pensar, é pensar baixo, pois parede tem ouvido.
Abraços,
Furtado.
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