Esta foto, de minha autoria retrata a antiga Caldeira do Alemão depois da intervenção da POLIS. Claro que a única coisa que a liga à antiga, a que se refere o conto, é ser no mesmo sítio. De resto na altura não existiam por ali prédios nenhuns. Existia sim uma fábrica de cortiça, um pouco mais acima onde hoje é o parque da cidade. Pertencia a um alemão que faliu pouco depois do termino da Segunda Guerra Mundial.Tudo o resto era uma quinta improdutiva.
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VIII
Antes de chegarem ao seu destino, passaram por uma espécie de pequena lagoa que, contrariamente ao rio, se apresentava cheia de água. Numa ponta entre a lagoa e o rio, uma pequena ponte de madeira e, sob ela, um grande portão de zinco, que servia de comporta. Apesar da escuridão noturna, ela parou:
- É a caldeira do Alemão, pertence
àquela casa grande ali em cima, que é uma fábrica de cortiça. É ali que eu
trabalho. Vem, já falta pouco.
Andaram mais um bocado e foram ter
a um sítio cercado por arame farpado e um portão grande no qual o homem bateu.
Pouco depois, uma mulher abriu o
portão. Era Amália, a irmã de João, a porteira daquele lugar, que ela soube
depois, era a Seca do Bacalhau da Azinheira, de que falavam na aldeia, algumas pessoas que
todos os anos eram engajadas para a safra.
Amália tratou-a com naturalidade e
até talvez um pouco de carinho. Rosa pensou que ela não devia saber onde o
irmão a tinha ido buscar. Estava enganada.
João era o mais novo de seis
irmãos. Não chegou a conhecer o pai, que morrera na batalha de La Lys na França, na
primeira grande guerra. Devia sentir-se orgulhoso, já que toda a gente lhe
dizia que o pai fora um herói, mas não era assim que ele sentia. O que sentia
era uma grande mágoa de não o ter conhecido e uma grande revolta contra as
guerras que deixam sozinhas mulheres cheias de filhos para criar. Pouco depois
do início da segunda grande guerra, João foi para a tropa. Portugal não entrou
diretamente na guerra mas, através dos Açores e da base Americana lá implantada,
pode dizer-se que de certa maneira lá esteve. João foi destacado para os
Açores, para prestar serviço nessa base aérea. Quando embarcou, o medo de que a
base fosse atacada pelas forças inimigas era real, tanto entre os portugueses
como entre os americanos. O grupo de soldados foi a Fátima, despedir-se da
Virgem e pedir a sua proteção.
Então, lá perante a Virgem, João
fez uma promessa que para muitos podia ser estranha, mas que foi o que lhe
ocorreu no momento. Prometeu, que se voltasse são e salvo, tiraria uma mulher “da vida” e
casaria com ela. Toda a família sabia da promessa e, naquele tempo, uma promessa à Virgem, era uma
coisa sagrada que se cumpria sem contestação.
Depois de sair da tropa, João procurou
trabalho e quando o teve começou a pensar que tinha que cumprir a promessa.
Naquele tempo, os bordéis eram proibidos por lei mas, em Lisboa, havia alguns
que por qualquer razão, que ele não entendia, as autoridades fingiam
desconhecer.
Aos fins-de-semana, João começou a
percorrê-los. Quando encontrou Rosa, já tinha visitado dois, mas ninguém lhe
agradou. Ou eram já demasiado velhas, para a mulher que ele queria para mãe dos
seus filhos, ou estavam por demais ligadas àquela vida e não se habituariam a
uma vida diferente. Por isso, quando viu Rosa, com o seu ar provinciano e
assustado, sentiu que tinha encontrado o que procurava.
Quando foi buscar o dinheiro
exigido pela dona do bordel, João falou com a irmã, que lhe disse que podia
levar a moça lá para casa até casarem.
E agora, ali estava ela, numa casa
estranha, pobre de móveis, mas rica de vida, a julgar pelos dois catraios que
andavam à roda dela como cão à volta do dono.
Amália destinou-lhe a cama de um
dos filhos, os rapazes dormiriam juntos, não havia problema. Depois, não seria
por muito tempo.
Na próxima Sexta