REEDIÇÃO
Aconteceu numa tarde de Julho. O calor apertava, e toda a gente procurava o parque na margem do Vouga, pejado de seculares e frondosas árvores, sob cuja sombra, o ar era muito mais ameno.
Os bancos de madeira, pintados de vermelho vivo, lembravam manchas sangrentas, no meio de tanto verde. Porém naquele dia, de feira de artesanato, não havia onde sentar para ler, ou simplesmente, me refrescar da canícula que me amolecia o corpo.
Procurando um banco livre, cheguei a um pequeno terraço que se erguia sobre as águas, e sob a ponte de aço que atravessa o rio. É um terraço que lembra uma pequena sala, com três bancos dispostos em forma de U.
O banco central de frente para o rio, mesmo por baixo da ponte, era ocupado por um homem e uma mulher. Os dois na lateral estavam vazios. Ocupei o da direita e quase em simultâneo um casal de meia-idade ocupou o da esquerda. Conhecia-os e por isso cumprimentei-os. E voltei a minha atenção para o casal desconhecido.
O meu lado detectivesco pôs-se a examiná-los e a fazer cogitações.
. Pareceu-me ver um ar de contrariedade no rosto masculino.
A mulher fazia renda, e parecia completamente absorvida pelo movimento da agulha.
Teria perto de quarenta anos, morena, de cabelo escuro, e vestia uma saia justa castanha, que só não lhe mostrava os joelhos, porque em cima destes repousava a renda que fazia. Uma tira larga, decerto para colcha ou toalha. Completava o traje, um camiseiro branco, que parecia saído do anúncio de um qualquer detergente.
O homem, parecia mais velho. Devia beirar os cinquenta, também moreno, cabelo castanho, tinha um ar simpático, vestia calça cinza, e camisa creme. Lançou-me um breve olhar, e voltou a interessar-se, pelos três filhotes de andorinha, que no ninho por baixo da ponte, piavam desalmadamente.
A mulher continuava a olhar o movimento das agulhas como se estivesse hipnotizada.
Estariam amuados?
Comecei a imaginar, uma briga, talvez por ciúmes, o homem além de bem-parecido, tinha um ar simpático e malandro. Imaginei o homem mirando alguma jovem bonita, quem sabe até a jovem da farmácia que tinha os mais lindos olhos azuis que algum dia presenciei, e a mulher sentindo-se humilhada, escondia na renda o seu desencanto.
Pouco depois, a andorinha mãe, passou veloz, num voo rasante junto à cabeça do homem, sentado no outro banco lateral. Assustado disse um palavrão, enquanto a mulher soltava uma sonora gargalhada. E logo disse:
-Está apressada. Os filhotes estão com fome...
-E já falta um. Ontem eram quatro, hoje são só três. Um deve ter caído ao rio - disse o homem do banco da frente.
A mulher nem levantou os olhos, continuando a sua luta com a agulha de renda.
Então o homem levantou-se e foi-se embora.
A mulher levantou os olhos da renda, suspirou e sorriu para nós.
Aí percebi. Afinal todas as minhas conjeturas, não passavam mesmo de imaginação. Provavelmente o homem, não passaria de um conquistador barato, que estaria a incomodar a mulher.
Pouco tempo depois, um outro homem aproximou-se, e dando as boas tardes, beijou a mulher, que sorriu feliz. Percebi a anterior aflição da mulher. Deduzi pela indumentária, do homem, demasiado quente para o calor que estava, que ele vinha do tratamento nas Termas, e que a mulher estava ali à espera que ele terminasse o tratamento, quando o outro homem a descobrira. A nossa presença, fez com que se sentisse frustrado e fosse embora, evitando assim um encontro desagradável.
Confesso que fiquei feliz. Afinal o meu passeio pela margem do rio, tinha sido providencial.