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23.9.20

CILADAS DA VIDA - Parte XXXVI


Entrou em casa e foi direta à cozinha, onde abriu o frigorífico, encheu um copo com leite e bebeu-o em pequenos sorvos por medo de enjoar.

Passou o copo por água e meteu-o dentro da máquina de loiça já meio cheia, seguindo depois para o quarto. Tirou o telemóvel da mala e colocou-o em cima da mesa de cabeceira, guardou a mala e seguiu para a casa de banho, onde se despiu e entrou no duche.

Depois do banho, vestiu um curto robe sobre o corpo nu, lavou os dentes, secou o cabelo e estendeu-se na cama mesmo por cima da colcha. Sentia-se muito cansada. Pelo calor e pelas emoções experimentadas no almoço e depois em casa do empresário. Nunca esperou que a levasse para casa, pensava que queria apenas mostrar-lhe a empresa, nunca pensou que tivesse nela a sua casa. E que casa, santo Deus! O homem devia ser realmente muito rico para ter semelhante casa. O que estranhava, é que um homem jovem, bonito e rico, continuasse solteiro. E mais, parecia que nem sequer tinha um compromisso, pois ela não acreditava que mulher alguma deixasse o homem que amava livre para ir almoçar e passar a tarde com outra mulher.

E com este pensamento adormeceu. A sua intenção era descansar um pouco antes da hora do jantar, mas quando uma urgente e imperiosa vontade de ir à casa de banho a acordou já passavam vinte minutos das onze horas da noite.

Já na cozinha aqueceu uma taça de sopa de legumes e comeu-a acompanhada com um copo de leite frio. Não era uma refeição decente para uma grávida, sabia-o, mas a vontade que tinha era de voltar para a cama, não de se por a cozinhar àquela hora. Depois de comer, voltou à casa de banho, despiu o robe que pendurou atrás da porta, vestiu uma curta camisa de dormir, lavou os dentes e foi para a cama. Antes de se deitar, olhou o telemóvel e verificou que tinha duas chamadas e três mensagens da Inês, preocupada com o seu silêncio e pedindo para lhe ligar, logo que visse as mensagens. Como é que ela não tinha ouvido o toque das chamadas. De súbito lembrou-se que tinha tirado o som do aparelho antes do almoço e esquecera de voltar a ativá-lo quando o tirou da mala e o pôs em cima da mesa.

Olhou o relógio.  Meia noite e cinco. Não eram horas de ligar a ninguém. Telefonaria de manhã.

Voltou a pousar o aparelho sobre a mesa de cabeceira, e deitou-se.

Mas talvez por causa das quase seis horas que dormira antes o sono não veio logo. E quase sem dar por isso estava a pensar no pai do seu filho.

Pensar no empresário, dessa maneira, sugeria uma intimidade que não existia, e era muito estranho. Como o era, o olhar de desejo que duas ou três vezes lhe surpreendera. Ela não era como as mulheres com que decerto ele estaria habituado a sair. Era alta, tinha um corpo bem proporcionado, vistoso, como diziam na sua aldeia, e um bonito cabelo. Mas o seu rosto não era feio nem bonito. Era um rosto vulgar, embora Inês levasse a vida a dizer que com um pouco de maquilhagem ela ficaria linda.  Tinha que aprender a fazê-lo. E não era pelo empresário, claro que não. É porque a gravidez a trazia mal-encarada. E com esta convicção  adormeceu.

 

10 comentários:

noname disse...

Ui, ui que a coisa está a mudar de rumo :-)

Boa noite, elvira

Pedro Coimbra disse...

Não era pelo empresário.
Com a verdade me enganas.

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Concordo com o Pedro.
Um abraço e continuação de uma boa semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros

chica disse...

Após um dia intenso de emoções e descobertas, o sono falhou...Está ótimo o conto! beijos, lindo dia!chica

Edum@nes disse...

Se não era pelo empresário,
pois, então seria por quem
este meu curto comentário
é que não incomoda ninguém!

Tenha uma boa tarde amiga Elvira. Um abraço.

Cidália Ferreira disse...

Humm que interessante está!:))
-
São os filhos, o nosso bem maior
-
Beijos, e um excelente dia

Maria João Brito de Sousa disse...

Lidos quatro capítulos de que muito gostei, eis-me a acompanhar o Ciladas da Vida em tempo real :)

Forte abraço, Elvira!

teresa dias disse...

Dúvidas, e mais dúvidas...
Beijo

Lúcia Silva Poetisa do Sertão disse...

Retomando as leituras desta história linda!
Abraços fraternos!

João Santana Pinto disse...

Há uma caraterística nos seus contos e que gosto muito. As pessoas têm um patamar de evolução, não são sempre as mesmas, não permanecem igual e uma vez mais aqui temos uma personagem que está a crescer, até pela idade, mas também em função das bases que teve no seu caminho, pela avó pelo historial da mãe, pela tia e mesmo a faculdade não teve força suficiente para a facer "crescer" até pela má experiencia.