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9.9.20

CILADAS DA VIDA - PARTE XXX

 



Abriu a porta da rua, e João já se encontrava de pé junto do seu automóvel. Vestia umas calças pretas e uma camisa branca de mangas arregaçadas. Ao vê-la puxou os óculos escuros para a testa, e aproximou-se. Indecisa sobre como cumprimentá-lo, numa sociedade onde quase toda a gente usava o beijo social, mas não se sentindo à vontade para o fazer, aguardou que ele tomasse a iniciativa, e João estendeu as mãos e segurou as dela.

- Bom dia, como estás?

- Bem e tu? – retorquiu sentindo que a voz lhe tremia, nervosa com o calor que as mãos dele estavam a provocar no seu corpo. Que era aquilo? Nunca tinha sentido nada igual, só podiam ser as suas hormonas descontroladas com a gravidez.

-Eu estou bem, mas vamos para o carro, está muito calor – disse largando-lhe as mãos e pegando-lhe no braço.

Acompanhou-a ao carro, abriu-lhe a porta e esperou que se sentasse para  a fechar, puxar os óculos escuros para os olhos, dar a volta ao carro e sentar-se ao volante. Ligou o motor e arrancou, ao mesmo tempo que lançava um olhar rápido sobre a sua companheira. Reparou que também ela tinha colocado os óculos escuros, tinha as mãos no colo, uma apertando a outra, e uma postura rígida, como se não estivesse à vontade ou temesse algo. Sorriu.

- Pensei que, dado que estamos no verão, seria agradável almoçar à beira-mar. Reservei mesa no Albatroz em Cascais. Conheces?

-Não.

- O serviço é bom, o ambiente estupendo e a vista espetacular. Acredito que vais gostar.

- Tenho a certeza que sim.

O silêncio que se seguiu foi quebrado quando ele disse:

-Não te conheço bem, mas em relação à última vez que te vi, acho-te abatida. Tens passado mal?

- Até agora não. Apenas tinha muito sono. Mas esta manhã começaram os enjoos, e levei mais de duas horas com vómitos.

- E quando vais ao médico?

-Mês que vem, dia seis. Faço oito semanas, e vou fazer a primeira ecografia.  Parabéns pela tua festa. Vi a reportagem nas notícias, ontem, parece que foi um sucesso - disse para mudar o rumo da conversa, pois não se sentia à vontade para falar da sua gravidez com ele. Era certo que era o pai do seu bebé e que ela lhe tinha prometido que ele faria parte da vida da criança, mas isso não impedia que falar do seu estado, fizesse com que o seu rosto parecesse um tomate e sentisse vontade de se esconder, onde ele não a visse, pelo menos até ao nascimento do bebé. Percebendo ou não o que se passava com ela, João disse:

- Olha Teresa, acredito que esta situação seja difícil para ti; e de certa forma também o é para mim. Afinal somos dois desconhecidos que por um erro médico se vêem obrigados a conviver. Todavia somos os dois adultos, ambos queremos essa criança, e por ela estamos dispostos a lutar.  E como sabes neste caso há duas formas de luta. Ou lutamos um contra o outro, com todos os inconvenientes que isso acarreta, especialmente para a criança, ou lutamos lado a lado para que cresça num ambiente de amor e respeito.  

Tinham chegado ao parque do restaurante, ele estacionou o carro e levantou os óculos escuros, voltando-se para ela, que desapertava o cinto. Esticou o braço e tirou-lhe os óculos. Uma lágrima desprendeu-se dos olhos femininos e deslizou-lhe pelo rosto. Num movimento suave com o dedo grande ele limpou-a.

-Confia em mim, Teresa. Juro-te que não te farei mal, se fores leal comigo. E agora põe um sorriso nesse rosto bonito e vamos entrar que está na hora.

16 comentários:

Janita disse...

Ia tudo tão bem e no final estragou tudo com uma única frase:

"Juro que não te farei mal se fores leal comigo"

Raios e coriscos!! O que entenderá ele por lealdade ou falta dela?
E que necessidade ele tinha de mostrar a sua superioridade em relação à jovem futura mãe? Foi como se lhe colocasse uma espada sobre a cabeça...mas isto sou a pensar!!!

Veremos o seguimento da conversa, que isto está para lavar e durar.

Boa noite. Elvira.

noname disse...

Uma situação ingrata a dela. Eu, acho que emigrava :-)


Boa noite, Elvira

Pedro Coimbra disse...

Um relacionamento que começa muito conturbado.
Lia e lembrei que a minha mulher NUNCA teve enjoos na gravidez.
Abraço

Isa Sá disse...

A passar por cá para acompanhar a história.

Isabel Sá  
Brilhos da Moda

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Está a ficar interessante.
Um abraço e continuação de uma boa semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros

chica disse...

Puxa, que situação agora instalada...Quase uma faca no pescoço, pela gravidade da "ameaça", cobrando e forçando lealdade...

beijos, tudo de bom,chica

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

Interessante....

:)

Manuel Veiga disse...

uma "estória" muito bem contada,
procurarei acompanhar, com todo o gosto

beijo

Cidália Ferreira disse...

Muito bom, este capitulo!:)
-
Sonhava ser ...
-
Beijos, e um excelente dia

teresa dias disse...

Concordo com a Janita, a frase do Miguel não foi simpática.
Espero que a Teresa não a tenha ouvido...
Beijo.

aluap disse...

Aquele "se fores leal comigo" acho que foi "da boca para fora".

Um abraço.

Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Apreciei a forma como João falou com Teresa.
A história está a tomar um rumo que me está agradar;))!!
Um beijinho,
Ailime

Lúcia Silva Poetisa do Sertão disse...

É, eles tem que manterem uma relação de companheirismo e confiança, pensando, sempre, no bem da criança.Gostei da firmeza dele.
Abraços fraternos!

Rosemildo Sales Furtado disse...

Com certeza, com o diálogo e a compreensão, tudo dará certo. Aguardemos!

Abraços,

Furtado

Maria João Brito de Sousa disse...

Prometi e cumpri!

Hoje fico-me pela leitura deste capítulo. Amanhã, tentarei ler mais dois ou três.

O meu INR está perigosamente baixo, mas já seria de esperar, com estes mexidelas todas e e com o facto de, no dia da cirurgia dentária, não ter podido fazer nem a picadela de Enoxaparina...


Grão a grão, esta galinha acabará por acompanhar as novas publicações em tempo real :)

Forte abraço, Elvira.

João Santana Pinto disse...

A última frase dele é de alguém habituado a ter poder e a contar só consigo, mas terá dificuldades em conquistar o coração de uma mulher independente...

Acredito que ele não a disse com intenção, trata-se de dois personagens com muitas questões por resolver.

Uma boa escolha de restaurante, vamos ler o próximo