Comprar um presente de
Natal pode ser o evento mais enervante do ano. E fazer compras para a minha
mulher revela-se sempre um desafio especial. Os aspiradores são demasiado
impessoais, os bilhetes de futebol são pouco funcionais, e os utensílios de
cozinha são absolutamente proibidos.
O Natal aproximava-se
a passos rápidos e eu estava em apuros. Em desespero de causa, pedi à minha
secretária Sally para me ajudar a escolher um presente. Fomos até uma
ourivesaria. Trabalhar na baixa tinha as suas vantagens; estar próximo de lojas
onde fazer compras era uma delas. No entanto, havia também desvantagens.
Pelo caminho,
cruzámo-nos com dois sem-abrigo, encolhidos numa saída de ar quente de um dos
edifícios mais próximos. Comecei a atravessar a rua para os evitar, mas o
trânsito estava muito congestionado. Mesmo antes de nos aproximarmos, troquei
de lado com Sally, para evitar que ela tivesse que se deparar com eles. Iriam
certamente pedir dinheiro, fingindo que era para comprar comida, mas qualquer
donativo iria por certo acabar por ser gasto em cerveja ou vinho.
À medida que nos
aproximávamos, conseguia ver que um deles teria provavelmente trinta e tal anos
e que o outro era um rapaz por volta dos treze ou catorze anos. Ambos estavam
miseravelmente vestidos. O mais velho tinha um blusão desportivo roto na manga,
enquanto o rapaz estava sem qualquer tipo de casaco, tendo apenas uma camisa
esfarrapada a separá-lo do vento cortante. “Mais uma ou duas moedas de vinte e
cinco cêntimos e eles deixam-nos em paz”, pensei.
— Eu resolvo o assunto
— disse eu a Sally, cheio de presunção masculina.
Mas Sally parecia
imperturbável à vista dos dois mendigos. Na verdade, parecia até confortável na
sua presença. Antes que eles pedissem alguma coisa, foi ela que ofereceu.
— Posso ajudar-vos? —
perguntou aos dois.
Fiquei em estado de
choque, à espera de ter que salvar Sally de uma situação perigosa, mas ela
manteve-se firme. Os dois homens olharam para ela com surpresa e o mais velho
disse:
— Sim, minha senhora.
Na verdade, precisamos de uma coisa.
“Pronto, aí está a
armadilha, a extorsão”, pensei. “Os dois pedintes estão à procura de uma
esmola, de um ganho fácil”. Enquanto os observava, podia ver que o mais novo
tremia com o vento invernoso, mas que podia eu fazer?
— Pode dizer-nos as horas?
— pediu o homem mais velho.
Sally deu uma olhadela
ao seu relógio e respondeu:
— Meio-dia e um
quarto.
Ele agradeceu e não
disse mais nada. Nós continuámos o nosso caminho até à ourivesaria, mas eu
tinha que fazer umas perguntas a Sally acerca daquele encontro.
— Porque perguntou se
aquele homem precisava de ajuda?
— Ele estava com frio
e tinha outras necessidades, foi por isso — respondeu ela, num tom pragmático.
— Mas ele é um
vagabundo. Podia ter tentado roubá-la ou algo assim.
— Eu sei tomar conta
de mim e, às vezes, temos que confiar nas pessoas.
Chegámos à ourivesaria
e Sally rapidamente encontrou o presente perfeito para a minha mulher: uns
brincos de diamantes. Enquanto ali estava, comprou um relógio de homem. Não era
um modelo caro, mas ela sempre fora poupada. “Provavelmente uma prenda para o
marido”, pensei.
Quando regressávamos
ao nosso edifício, os dois vagabundos andavam ainda a vaguear à beira da grade
do passeio. Uma vez mais, tentei meter-me entre Sally e os dois homens, mas ela
não deixou. Para minha surpresa, quando chegámos ao pé deles, retirou o relógio
da mala e estendeu-o ao homem mais velho.
— Aqui tem. Tenho a
certeza que lhe vai dar bom uso.
Ele ficou tão
estupefacto quanto eu.
— Muito obrigado,
minha senhora — disse, experimentando o relógio no pulso.
Enquanto ele se
afastava, vi que Sally tinha lágrimas de comoção nos olhos.
— Porque fez aquilo?
Sally encolheu os
ombros e disse:
— Deus tem sido tão
bom para mim que decidi fazer algo de bom por ele.
— Mas ele não merecia.
— Até mesmo os pobres
gostam de algo especial. Além disso, Deus fez coisas por mim que não mereço,
mas Ele fê-las na mesma.
— Provavelmente ele
vai comprar cerveja com aquele relógio.
Sally apenas sorriu
para mim e disse:
— E se for? Isso não
me diz respeito. O que ele vai fazer com o relógio é um desafio só dele.
Chegámos ao nosso
prédio e fomos cada um para o seu escritório. Pus-me a pensar naquele encontro
e nos dois homens. Certamente estavam na loja de penhores, preparando-se para
obter uma boa “linha de crédito” às custas de Sally.
No dia seguinte, fui
almoçar sozinho a uma barraca de hambúrgueres no exterior do nosso prédio.
Enquanto caminhava pela rua abaixo, reparei nos mesmos dois homens que Sally e
eu tínhamos encontrado. Andavam ainda a vaguear em volta do calor daquela saída
de ar quente. O homem mais velho reconheceu-me e disse:
— Desculpe, senhor.
Podia dizer-me as horas?
Pronto! Tinha-o
apanhado. O relógio da Sally já tinha desaparecido. Exatamente como eu pensara.
— Onde está o relógio
que a minha secretária lhe deu ontem? — perguntei, à espera de que ele sentisse
remorsos.
Ele baixou a cabeça e
admitiu a sua culpa:
— Lamento muito, mas
tinha de fazer alguma coisa.
Foi então que reparei
na capa para a chuva em torno dos ombros do seu jovem companheiro.
— O senhor não faria o
mesmo por um dos seus? — quis ele saber.
Sem palavras,
estendi-lhe vinte e cinco cêntimos e continuei o meu caminho.
À medida que
caminhava, comecei a pensar no incidente.
Ele tinha vendido o
relógio, mas tinha comprado um casaco com o dinheiro. O ato de generosidade de
Sally tinha realmente sentido. Assim como as suas palavras: o desafio tinha
sido superado.
Quando cheguei à
barraca de hambúrgueres, perdi o apetite. Dei meia volta e regressei ao
escritório. Os dois homens ainda estavam à beira da grelha. Bati no ombro do
homem mais velho e ele levantou os olhos para mim, obviamente enregelado.
Despi o meu sobretudo cinzento e comprido
e coloquei-o sobre os seus ombros sem dizer palavra. Enquanto me afastava,
dei-me conta de que tinha descoberto o meu próprio desafio. Os poucos passos
até ao escritório fizeram-me tiritar de frio, mas aquele foi um dos passeios
mais quentes que alguma vez dei na vida.
Harrison Kell
Mas Sally parecia imperturbável à vista dos dois mendigos. Na verdade, parecia até confortável na sua presença. Antes que eles pedissem alguma coisa, foi ela que ofereceu.
— Posso ajudar-vos? — perguntou aos dois.
— Sim, minha senhora. Na verdade, precisamos de uma coisa.
— Pode dizer-nos as horas? — pediu o homem mais velho.
Sally deu uma olhadela ao seu relógio e respondeu:
— Meio-dia e um quarto.
— Porque perguntou se aquele homem precisava de ajuda?
— Ele estava com frio e tinha outras necessidades, foi por isso — respondeu ela, num tom pragmático.
— Mas ele é um vagabundo. Podia ter tentado roubá-la ou algo assim.
— Eu sei tomar conta de mim e, às vezes, temos que confiar nas pessoas.
Ele ficou tão estupefacto quanto eu.
— Muito obrigado, minha senhora — disse, experimentando o relógio no pulso.
Enquanto ele se afastava, vi que Sally tinha lágrimas de comoção nos olhos.
— Porque fez aquilo?
Sally encolheu os ombros e disse:
— Deus tem sido tão bom para mim que decidi fazer algo de bom por ele.
— Mas ele não merecia.
— Até mesmo os pobres gostam de algo especial. Além disso, Deus fez coisas por mim que não mereço, mas Ele fê-las na mesma.
— Provavelmente ele vai comprar cerveja com aquele relógio.
Sally apenas sorriu para mim e disse:
— E se for? Isso não me diz respeito. O que ele vai fazer com o relógio é um desafio só dele.
— Desculpe, senhor. Podia dizer-me as horas?
— Onde está o relógio que a minha secretária lhe deu ontem? — perguntei, à espera de que ele sentisse remorsos.
Ele baixou a cabeça e admitiu a sua culpa:
— Lamento muito, mas tinha de fazer alguma coisa.
— O senhor não faria o mesmo por um dos seus? — quis ele saber.
Sem palavras, estendi-lhe vinte e cinco cêntimos e continuei o meu caminho.
À medida que caminhava, comecei a pensar no incidente.
16 comentários:
E Também aquece a alma a quem lê.
Abraço
Bom dia
Acabei de ler e francamente estou sem palavras .
JAFR
Conto encantador! Lindo! bjs, ótimo dia! chica
Adorei e será sempre um exemplo a seguir porque Natal é todos os dias.
Beijos e um bom dia
Bom dia Elvira,
Um conto muito belo do qual podemos extrair muitas lições.
Só não aprenderemos se não for essa a nossa vontade.
Beijinhos.
Ailime
Bonito conto que nos faz pensar nos julgamento que por vezes fazemos
Beijinhos
Um belo conto minha amiga.
Um abraço e uma boa semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros
Increíble, Elvira, que ya estemos de nuevo cerca de Navidad. ¡Cómo corre el tiempo después que pasa nuestra infancia!
Abrazo.
Muito bonito, confesso que não conhecia!
Bjxxx
Ontem é só Memória | Facebook | Instagram | Youtube
Gostei muito da escolha!!! Bj
Elvira Carvalho
E assim me deixou completamente emocionado. Pena é que - onde me incluo - essa bondade não aconteça na vida real.
.
Abraço
Que beleza de conto! :)
-
Olho as montanhas, sem cor
Beijo e uma excelente noite!
Um conto bem escolhido, Elvira, e muito reflexivo. Há muitas maneiras para demonstrarmos AMOR...
Um abraço grande... Sempre lembrando de vc com carinho...
A vida sempre nos ensina. Belo e reflexivo conto. Ótima escolha.
Abraços,
Furtado
Gostei imensamente deste conto. O verdadeiro Natal! Lições de vida.
Beijinhos, amiga Elvira!
Boa noite de paz, querida amiga Elvira!
Tanto há que presentear aos que amamos...
Muitas vezes, nada de material.
Vou acompanhar seus contos bem escritos.
Tenha uma noite abençoada!
Bjm. Carinhoso e fraterno de paz e bem
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