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20.12.19

CONTOS DE NATAL - MÚSICA PARA OS MEUS OUVIDOS



Sentei-me em silêncio no banco de trás enquanto regressávamos a casa de uma cerimónia vespertina da igreja, onde tinha ouvido, uma vez mais, a maravilhosa história do nascimento de Jesus. E o meu coração transbordava de alegria enquanto nós os três entoávamos conhecidas canções de Natal vindas do rádio do carro.
Com o nariz achatado contra o vidro do carro, não conseguia tirar os olhos das decorações dos grandes armazéns. À medida que passávamos pelas casas com árvores de Natal iluminadas nas janelas, imaginava as prendas debaixo delas. A alegria própria da quadra estava por todo o lado.
A minha felicidade durou apenas até chegarmos à estrada empedrada que levava à nossa casa. O meu pai virou para o escuro caminho rural onde a casa se erguia há duzentos anos. Não havia luzes de boas-vindas a saudar-nos; não havia árvore de Natal a brilhar na janela. E a tristeza tomou conta do meu coração de menina de nove anos.
Tal como as outras crianças, eu não podia deixar de desejar árvores e prendas. Mas estávamos no ano de 1939, e eu tinha sido ensinada a ser grata pelas roupas que me cobriam e os sapatos que me calçavam, a ser grata por ter alimento e casa — mesmo que muito humilde. Já tinha ouvido, mais que uma vez, os meus familiares dizerem “as árvores de Natal são um desperdício de dinheiro.” E eu supunha que os presentes também deviam ser.

Embora os meus pais tivessem já deixado o carro e entrado em casa, eu mantive-me lá por fora e deixei-me cair sobre os degraus do alpendre — receando perder toda a alegria própria da quadra festiva que tinha sentido na cidade, e desejando que o Natal estivesse também em minha casa. Quando, por fim, o frio da noite trespassou o meu vestido e o casaco de malha, estremeci e coloquei os braços à volta de mim própria, como num abraço. Nem mesmo as lágrimas quentes que me caíam pela face abaixo conseguiam aquecer-me.

E foi então que ouvi. Música. E cânticos.

Ouvi, e olhei para as estrelas que se amontoavam no céu, brilhando mais intensamente que nunca. Os cânticos rodearam-me, animando-me. Algum tempo depois, dirigi-me para dentro de casa para continuar a ouvir o rádio, pois aí estaria mais quente. Mas a sala de estar estava envolta em escuridão e silêncio. Que estranho! Regressei lá fora e ouvi de novo os cânticos. De onde é que aquilo vinha? Talvez do rádio do vizinho? Percorri a pé a estrada comprida, com aquela música maravilhosa a acompanhar-me durante todo o percurso. Mas o carro do vizinho nem se encontrava ali, e a casa deles estava tranquila. Até mesmo a árvore de Natal deles estava às escuras.
A música, contudo, ouvia-se mais alta do que nunca, seguindo-me e ecoando à minha volta. Poderia vir da casa do outro vizinho? Mesmo à distância, eu conseguia ver que também não estava lá ninguém. Ainda assim, percorri os quase trezentos metros que separavam a casa deles da nossa. Mas não havia nada, nem ninguém. No entanto, os cânticos continuavam, cristalinos e puros. Ouvia-os distintamente. E as estrelas, naquela noite, brilhavam com tanto esplendor que eu nem sentia medo de voltar para casa sozinha.
Uma vez chegada a casa, sentei-me de novo nos degraus do alpendre e refleti sobre este milagre. Pois, para mim, era um milagre. Porque eu sentia, no meu coração, que estava a ouvir uma serenata dos anjos.
Já não sentia frio ou tristeza. Agora estava quente e feliz, por dentro e por fora. Enquanto olhava lá para cima, para aquela infinitude, rodeada pelos louvores dos anfitriões celestes, soube que tinha recebido uma linda prenda de Natal – uma prenda vinda diretamente do Alto.

A prenda do amor. A estrela brilhante.

E um Natal eterno.

6 comentários:

chica disse...

Uma prensa maravilhosa! Lindo mais esse conto,aliás, todos foram muito bem escolhidos! beijos, chica

Emília Pinto disse...

E é assim o Natal de muita gente, Elvira. Tentemos que o nosso seja melhor, apesar das ausências que, nesta data são ainda mais lembradas. Pensemos nos que estão presentes, principalmente as crianças e, com a nossa alegria, permitamos que elas vivam toda esta magia. Um feliz Natal, querida Amiga, com saúde e os teus problemas recentes, pelo menos prestes a serem resolvidos. Um abraço e o meu agradecimento pelo carinho recebido há já tantos anos.
Emilia

Meu Velho Baú disse...

Mais um lindo conto de Natal com uma linda mensagem
Beijinhos e Bom Fim de Semana

AC disse...

Cada um configura o seu Natal em conformidade com a sua alma.

Feliz Natal, Elvira!

paideleo disse...

Que ninguén nos tire a ledicia do Nadal.
Boas festas !.

Ana Tapadas disse...

Gostei muito de ler!

Beijinho