Quando eu era menina, meus pais e
meus avós, diziam que na noite de Natal, o Menino Jesus, vinha recompensar os
meninos bons e trazer presentes.
Nós vivíamos num velho barracão
de madeira, com um salão de onze metros de comprimento, ao fundo do qual havia
um fogão a lenha, (uma grelha metálica sobre dois tijolos), e um forno onde
minha mãe cozia o pão.
Pelo Natal quase todos os
anos, juntavam-se lá em casa, os meus avós, tios e primos.
Era uma ceia de muita gente com
poucas iguarias e muita alegria. Meus avós sempre traziam um quarto de queijo,
coisa que não víamos no resto do ano, meu pai apanhava na horta as couves,
o tio Zé trazia as batatas, a tia Carolina a aletria. A tia Celeste fazia as
filhoses, a minha mãe as rabanadas, e o Bacalhau, comprado pelo meu pai, na
Seca, que naquela altura do ano, sempre era vendido aos trabalhadores por um
preço mais barato, que nas mercearias.
Não havia rádio, nem
televisão, nem sequer luz elétrica. Mas havia em casa, três candeeiros a
petróleo, que naquela noite, ficavam acesos até depois da meia-noite.
Muito antes do Natal, meu pai apanhava
no pinhal perto da nossa casa, muitas pinhas, que secava abria e debulhava.
Partia alguns pinhões para comermos e os outros eram para jogarmos, nessa noite
em que toda a gente ia para a cama muito tarde. Ele mesmo fazia uma piorra com
o Rapa, Tira, Põe e Deixa. Pelas onze horas, tios e primos regressavam às suas
casas, e meu pai dizia que tínhamos de ir para a cama. Antes porém, íamos por
os tamancos de madeira, que ele mesmo fazia, e que eram o nosso calçado, junto
ao fogão, para o Menino Jesus deixar os presentes.
Sapatos
só tínhamos um par, e era para a ida à missa, ou ao médico. E
nós lá deixávamos os tamanquitos e íamos para a cama na esperança, de que nesse
ano, o Menino Jesus deixasse alguma coisa diferente dos figos secos, ou
rebuçados dos anos anteriores.
Na minha infância, e no sítio
onde vivia, o Pai Natal era desconhecido. Era o Menino Jesus, que em vez de
receber prendas no seu aniversário, vinha distribuí-las pelos meninos, que se tinham
portado bem durante o ano.
E era sempre a mesma coisa. Nós esperávamos um brinquedo, ou mesmo um vestido novo, mas parece que o Menino
Jesus, só tinha mesmo rebuçados e figos secos.
Revoltada, a pensar que o Menino
Jesus não queria saber de nós, chorei até adormecer.
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Elvira Carvalho in Chiado Editora "Natal em Palavras" coletânea de contos de Natal
11 comentários:
Natal dos Simples,
Tal como eu o lembro aqui o trazes à lembrança...
Votos de um Santo Natal
Mais um lindo conto de Natal.Gostei muito! beijos, chica
Um Natal passado que permite dar valor às pequenas/grandes coisas que mudaram, com a consciência das muitas (mesmo muitas) pessoas que continuam a ter essas experiências ou nem sequer essas...
Um texto muito bonito que deveria ser partilhado nas escolas (não para estragar a magia do natal aos que têm idade para acreditar em algo, mas para tentar transmitir valores)
Abraço
Sem invenções. Gostei desse conto, por ser real. A minha infância também foi vivida assim.
Parabéns pelo conto amiga Elvira. Um abraço.
Na minha infância também só havia o Menino Jesus.
E também punha os sapatos junto à lareira... E também nunca havia brinquedos...
Magnífico conto, gostei imenso, nomeadamente da nostalgia de outros tempos que ele passa ao leitor.
Elvira, tenha um bom fim de semana.
E um Feliz Natal.
Beijo.
O meu Natal era um pouco idêntico. Rebuçados, bom bons, e aqueles chapéus de chocolates. Ficávamos até contentes! Amei este conto.
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Natal entre afectos reais e virtuais.| Interacção| O meu Natal.
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Parabéns à Bruna- 15 anos.
FESTAS FELIZ PARA TODOS. BEIJOS
Como eu tambem lá estava, revi tambem de igual modo. Um bom Natal aí no Algarve
Bella descripción, Elvira, de la fuerz<a de los sueños infantiles, que muestran situaciones sociales todavía vigentes para muchos.
Abrazo.
Igual ao Natal que meus pais contam. Parece que nessa altura o Menino Jesus era tão pobre como as crianças. Tempos difíceis...
Belíssimo conto, querida amiga Elvira!
Gostei da sua presença nesta colectânea de contos. Parabéns!
Beijo.
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