A casa
de Ciryl e Paola fica mesmo no alto da serra da Malveira. Quando se chega lá
acima, o ar é leve e, se levantarmos os braços, podemos tocar nas nuvens e
agarrar o sol.
É uma
casa antiga, de grossas paredes de pedra, com salas enormes onde se ouve música
antiga, canções e poemas porque os corações de Ciryl e Paola estão sempre
abertos à beleza e à amizade. Talvez por isso, porque Ciryl e Paola da serra da
Malveira são pessoas especiais e lindas, esta história aconteceu.
Da
varanda da casa que lembra um desses castelos com reis, princesas e fadas boas,
avista-se o mar. Até lá, muito longe, onde o olhar quase se perde, crescem as
árvores, flores, e o vento que nos despenteia carrega o perfume de coisas que
nos enchem de paz e alegria. Mas, o ano passado, alguém deitou fogo à serra.
Por
entre as sirenes dos carros de bombeiros, os gritos, o voo assustado das aves,
o gemido dos pequenos animais sem abrigo, ouviam-se as árvores a chorar.
Primeiro erguiam os seus grandes ramos para o céu, depois, as pequenas folhas
estalavam e, com um ruído ensurdecedor, víamo-las tombar como gigantes feridos.
Foi tão triste! Nos meses seguintes o que se avistava da varanda mais alta da
casa, eram apenas os caminhos queimados cobertos de tristeza e silêncio.
Certa
manhã de dezembro, já perto do Natal, Ciryl e Paola tiveram uma ideia: foram
pelas escolas e desafiaram as crianças: «Vamos semear pinheirinhos novos e
deixar a nossa serra toda verde como era dantes.»
«Vamos!»,
disseram os meninos. «Vamos!», disseram as meninas.
De
súbito, foi como se um sino tivesse tocado no coração do mundo.
Parecia
uma só voz o que se ouviu e ecoou por todo o lado, das casas ao mar.
E tinha
tanta força essa voz que os pais dos meninos, e as mães, e as avós, e os tios,
e as tias, e os primos, e as primas, e as madrinhas, e os padrinhos vieram
também. Traziam pás, ancinhos, enxadas, pequenos sachos, regadores. Era como um
filme.
Pela
serra inteira, gente que andava, parava, ria, abria buracos e plantava árvores.
Árvores, dezenas de árvores que o Ciryl e a Paola mandaram vir de todas as
partes do mundo: pinheiros, abetos, araucárias, cedros do Líbano.
As
pessoas, pela serra, pareciam borboletas voando: corriam aqui, escorregavam
ali, levantavam-se, trocavam pequenas palavras, muitas sugestões. Uns plantavam
a sua árvore na encosta; outros, nas faldas da serra.
Ao fim
da tarde, cansados, os pais e as mães, os primos e as primas, os tios e as
tias, os padrinhos e as madrinhas, as crianças, os velhos e os assim-assim
juntaram o pão e a salada, o queijo e a Coca-Cola, os pastéis de bacalhau e o
bolo-rei, a alegria e o coração contente e fizeram uma grande festa.
A serra
parecia pintada de verde fresco e nos olhos de todas as pessoas havia um brilho
diferente. Todos se falavam, mesmo os que de manhã não se conheciam e as
gargalhadas que davam eram como água fresca que apetecia beber e repartir.
Só
David, um dos mais pequeninos, o que tinha olhos azuis e reflexos de ouro nos
cabelos lisos, indiferente à festa, continuou a subir a serra. Queria que a sua
árvore fosse a mais alta, a que ficasse lá mais acima e se pudesse contemplar
da terra inteira.
Subiu,
subiu. Subiu muito. Rasgou a pele nas silvas, bebeu o sumo das amoras porque
tinha sede. Subiu mais ainda.
Com a
sua pequena enxada de plástico cavou um buraquinho. Quando acabou de plantar o
seu cedro do Líbano, deitou-se na terra fresca e adormeceu. Então,
inexplicavelmente, a árvore começou a crescer, a crescer, e cobriu-o de sombra.
Uma ave, veio dos lados do sol nascente e embalou-lhe o sono com seu cantar.
Quando a noite desceu, perfumada, uma estrela desceu de mansinho e pousou no
ramo mais alto, iluminando todos os caminhos. De repente, no meio da festa,
alguém deu pela falta de David. Chamaram, chamaram e nada. Ninguém respondia.
Então, como se fosse um formigueiro em movimento, as pessoas começaram a
espreitar na urze, no sumo dos frutos, no espelho de água do tanque, dentro da
chaminé, debaixo do piano. Chegaram à varanda. Olharam a serra.
Lá no
alto, iluminado, enorme, o cedro era um sinal.
Correram
todos para lá.
Um
grande silêncio desceu na serra. Todos se olhavam estupefactos. Ninguém sabia
explicar por que crescera assim, em tão poucas horas, aquela árvore que uma
estrela iluminava.
E
quando viram David a dormir, segurando ainda na mão o pequeno sacho, com a cara
toda lambuzada de amoras e terra, Ciryl disse sorrindo e simplesmente: «Oh!
Parece o Menino Jesus!»
Que doce menino, quase consegui ver as suas bochechas rosadas e lambuzadas de amoras. Se ao menos todos ouvissem esse sino no coração em Portugal, de cada vez que há um incêndio...
13 comentários:
Bonito conto! Deste gostei mais que dos anteriores!
Tão bonito e gostei muito!
Beijos e um bom domingo
Muito lindo! bjs, ótimo domingo!chica
Que conto encantador!
Obrigada,Elvira.
Beijo, bom domingo. Fique bem,amiga!
Gostei deste belo conto.
Um abraço, bom Domingo.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados
Que lindo e comovente conto.
Abraço Elvira
Deste recordava_me... Bj
David e a estrela,
está com ela na mão
será uma incerteza
para todos haver pão?
Gostei desse conto,
sendo o Natal para mim
sabendo que no entanto
tudo um dia terá fim!
Bom Domingo amiga Elvira. Um abraço.
O conto é bonito, mágico. Nas serras queimadas a natureza está a recuperar.
Um abraço e melhoras.
Um conto tão bonito :))
Bjos
Votos de uma óptima noite
Há cedros assim
quando plantados por meninos
(Maria Rosa Colaço é minha irmã...)
Que doce menino, quase consegui ver as suas bochechas rosadas e lambuzadas de amoras. Se ao menos todos ouvissem esse sino no coração em Portugal, de cada vez que há um incêndio...
Mais uma ótima escolha. Adorei o conto.
Abraços,
Furtado
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