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22.10.19

A IMPORTÂNCIA DE TER UM NOME, OU O TRAUMA DE O NÃO O TER.


                                Foto de José da Silva


Quando era menina, a maior parte do povo português era de grande pobreza, de extrema miséria até em muitos casos. 
E a minha infância, como a dos meus irmãos não fugiu à regra. Vivíamos nas margens do rio Coina, num velho barracão de madeira, por onde entrava um calor abrasador no Verão e um frio que nos enregelava no Inverno. No entanto éramos felizes. Não desejávamos mais, porque não conhecíamos outra vida. Penso que o que nos torna a vida amarga, é o conhecimento daquilo que não pudemos ter. Se não sabemos que existe uma vida melhor, não pudemos desejá-la.
Ora uma coisa que eu sabia, era que tudo tinha um nome. As pessoas, os animais, as coisas. E o que mais  me aborrecia, quando comecei a entender-me era não ouvir ninguém dizer o meu nome, não lhe conhecer o som.  Pode? Pois é, meus pais chamavam-me umas vezes, Rapariga outras vezes filha. Meus irmãos, chamavam-me Mana. Só tive nome nos poucos anos que frequentei a escola, e acreditem que apesar de ser uma das coisas que mais desejava, na altura isso acabou por não me fazer muito feliz. Porquê? Porque como sabem aos carros antigos, chamam-lhes D. Elvira. E então nos recreios, as outras crianças olhavam para mim e diziam: "Dona Elvira, pó pó" E quanto mais irritada me mostrava, mais elas me chamavam. Fiquei com raiva da minha madrinha, pois sabia que fora ela quem me escolhera o nome.
Só frequentei a primária e logo fui trabalhar para a Seca do Bacalhau, onde meu pai era o Lenhador, e passei a ser a filha do "Manel da Lenha". Aos dezoito anos fui trabalhar para um laboratório em Lisboa e fiquei a viver em casa dum  tio, que era guarda florestal em Monsanto. No laboratório era tratada pelo número. Era a 35,  e na rua onde vivia o meu tio, toda a gente me conhecia pela sobrinha do guarda-florestal.
Mais tarde, namorei, casei e como meu marido era militar e nós estávamos muito apaixonados, eu acompanhei-o nas comissões que fez, em África, e aí passei a ser conhecida pela mulher do Carvalho.
Anos mais tarde, fui mãe e deixei de ser a mulher do Carvalho,  para ser a mãe do Pedro. Era assim na minha rua, na padaria, na escola, na paróquia, na sede dos escuteiros, para os amigos dele. Muitos anos mais tarde, deixei de ser a mãe do Pedro para ser a avó da Mariana. E se amanhã for atropelada ao atravessar a estrada, a notícia no jornal, será mais ou menos assim:
"Uma idosa ficou gravemente ferida, ao ser atropelada numa passadeira perto da sua residência. A idosa foi transportada para o Hospital do Barreiro onde ficou internada."
Felizmente hoje, graças à Internet, aos blogs, aos dois livros publicados e à Universidade Sénior, sou finalmente eu, Elvira Carvalho.
É claro que eu sei, que se pertencesse a outra classe social, tivesse um curso e um emprego de acordo com ele, a coisa teria sido diferente, mas sou uma mulher do povo quase sem instrução, que fora de casa, quase só trabalhou em fábricas, onde muitas vezes não passava de um número.


24 comentários:

noname disse...

Mas, Elvira, a coisa não mudou muito. Repare, vai a uma repartição, alguém lhe pergunta o nome? Não, pedem-lhe o número do BI. Se vai à seg social mais uma vez o que lhe pedem? O número da SS. Se vai a uma consulta, lá pedem o número de utente e por aí fora. ahahahahah
E assim vai o mundo :-)
Beijinho e boa noite

Pedro Coimbra disse...

E eu tenho o grande prazer de a conhecer.
Elvira Carvalho, uma Senhora.
Bjs

Joaquim Rosario disse...

Bom dia
E todos nós temos o prazer de conhecer pessoalmente ou não uma grande senhora que se chama Elvira , e tomara-mos nós hoje ter um Dª Elvira .

JAFR

Maria disse...

Que lindo este post seu! E até acabei por sorrir durante a sua narrativa! Todos temos as nossas histórias de vida! E a sua que linda e rica é!!! Exemplo para muitos, inclusive para mim!

Fatyly disse...

Tive de sorrir porque também passei por esse processo. Em muitas ocasiões era tratada pelo meu apelido acrescentado com o "inha" que ainda hoje me faz cócegas no cérebro.

Beijos Elvira e um bom dia

Isa Sá disse...

Para mim é a a Elvira, uma senhora que escreve muito bem e que merece todo o nosso respeito.Mas antigamente, e infelizmente, esta distinção entre pobres e ricos era muito notada. Os mais pobres eram tratados como escravos nas mãos dos riscos...ainda bem que as coisas mudaram.

Isabel Sá  
Brilhos da Moda

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Situação infelizmente muito comum, gostei desta história verídica Elvira e aproveito para desejar uma boa semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros

chica disse...

Gostei de acompanhar teu pensamento dobre o nome... Realmente é importante e interessante parar pra pensar. Pra mim,Elvira é uma grande escritora desde que aqui cheguei! beijos, tudo de bom,chica

João Santana Pinto disse...

Para mim é Elvira Carvalho, uma grande Senhora. Obrigado pela partilha, teve uma vida de luta, de crescimento pessoal e familiar e escreve como poucos…
Felizmente, a Mulher de hoje, as novas gerações em especial, têm condições de igualdade ou muito perto disso (numa luta continua) graças aos exemplos e à capacidade de superação das mulheres que as precederam

Abraço

Os olhares da Gracinha! disse...

É uma mulher guerreira na vida!
Bj

Edum@nes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Edum@nes disse...

Gostei de ler. A minha infância ainda foi pior. Ainda há quem diga que naquela época é que era bom. Acredito que tinha sido para algumas pessoas. Para mim foi péssima!

Continuação de boa semana amiga Elvira. Um abraço.

Teresa Isabel Silva disse...

Estou a gostar de acompanhar!
também gostei muito das mudanças aqui no blog!

Bjxxx
Ontem é só Memória | Facebook | Instagram

Janita disse...

Ora, Elvira, isto que conta fez-me lembrar de um texto que li há muitos anos numa revista Selecções do Reader's Digest, em que o autor se lamentava por nunca ter sentido que tinha a sua própria identidade.

Provavelmente a Elvira também o leu!!

Dizia ele que, na infância, tinha sido conhecido, lá no bairro, pelo filho do Jonas Smith. Mais tarde casou e todos o conheciam pelo marido da Ingrid, quando lhe nasceu o primeiro filho, era apontado na rua como o pai do Steve, mas aquilo que mais lhe estava a custar a aceitar era, actualmente, quando saía com o cachorrinho à rua, ser conhecido pelo dono do Boby...:))
Claro que isto esta escrito numa página de humor!

No fundo, e para ser sincera, acho que a Elvira se inspirou em algo neste género. Afinal, e como diz a cantiga... Não, não é a única...:)

De qualquer maneira gostei muito de ler.

Um abraço, Elvira.

Marina Filgueira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marina Filgueira disse...

¡Ay, Elvira, ¡amiga mía! Cuanto me gustó esta lectura, he pasado un rato súper bueno, le pones a lo que escribes sobre tu nombre, una especial gracia y humor, me has hecho reír a carcajadas, gracias lo necesitaba. Que sepas que Elvira es un bonito nombre, mi mejor amiga se llamaba Elvira.
Lo que cuenta en cada persona, no es el nombre ni estudios ni la estatura ni tampoco la belleza. Lo que importa es la riqueza y la belleza del alma que no se ve, pero se nota.

Lo que cuentas sobre tu historia y nombre que es bien bonito, se parece algo a lo que yo viví, también en mi infancia y hasta que me casé, así era la vida de antaño, éramos felices con muy pocas cosas, entonces no había depresiones, sin embrago ahora con tanto... hasta los niños se deprimen y en mayores y no tanto, también.

La felicidad no se consigue con tener mucho, sino con tener lo suficiente y con gente a tu alrededor que te abrace con cariño con amor que te entienda y comprenda. Esta es mi opinión.
Un abrazo y mi inmensa gratitud.
Se muy, muy feliz. Buenas noches, reina.

Portuguesinha disse...

Elvira, este seu texto é FANTÁSTICO!!
Não se diminua, a Elvira é grande! Capaz de escrever algo assim, de uma forma tão cativante, direta e visual. Acha que o canudo e o status social iam fazer tanta diferença assim?

São poucas as vezes que reflectimos nisto. E na sua geração era comum. Pessoalmente, quando me chamam, é pelo nome. E nada me diz. O nome que alguém escolheu para mim, é só mais um, igual a tantas outras com nome igual. Acho ternurento quando alguém é "isto daquilo". Por exemplo, o seu marido, quiçá trata-a por "amorzinho". Tal como "rapariga" ou "filha" ou "mana" - acho termos ternurentos. Ser "a filha do... ou a mãe de..." - ternurento.
Mas o seu relato, a sua identidade, finalmente alcançada pelos livros, pelo blogue - a sua apresentação está fantástica.
Outro texto maravilhoso.
Parabéns.

Kique disse...

Situações que ainda hoje acontece, com menos tendência é verdade, mas muito usada nos meios mais pequenos
Bjs
Kique

Hoje em Caminhos Percorridos - Só depois do sexo...

Cidália Ferreira disse...

Gostei muito da sua narrativa! Quantas Elviras existem... Desse tempo!

Passando para desejar boa noite!

Beijos! :)

Roselia Bezerra disse...

Boa noite de paz, querida amiga Elvira!
Sempre a tive como uma grande mulher e uma escritora com talentos incríveis.
Não a vejo diferente e, na certa, que se a conhecesse pessoalmente, mais virtudes encontraria na amiga. Aqui no Brasil temos os Silvas que são tidos como um nada por serem muitos e temos tantos Silvas talentosos como você. Gente de verdade que nem imaginam como são honrados pelo que valem...
Estudo não é tudo, ajuda muito, mas não por termos o direto de pisar em quem não o tem.
Não é mesmo o que passa para nós sobre si o fato de saber pouco, pois tem trato fino com todos e isso é fundamental... muito acima do saber acadêmico.
Seja muito feliz e abençoada!
Sua amizade me honra muito.
Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem

Ailime disse...

Boa tarde Elvira,
Um grande texto.
A Elvira Carvalho é uma Grande Senhora, maior que muitas que pensam que o são e não chegam os seus calcanhares
Valeu a pena a travessia do deserto para hoje ser a Mulher espantosa que é.
Um beijinho, minha Amiga.
Ailime

Edi disse...

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aluap disse...

Na tropa é mesmo assim, o nome só tem uma palavra, por exemplo: "Carvalho".
O meu pai (passou a ser o "Albuquerque"). Até conta que no início ouvia "Albuquerque, mas não reagia logo. Só depois é que o seu cérebro traduzia:
– Eh, pá! Albuquerque é igual a Samuel.

Um belo texto de como me chamo e de como me chamam.
Um abraço.

Rosemildo Sales Furtado disse...

Belo texto amiga. Para mim, D. Elvira Carvalho, grande escritora e amiga, a quem eu tenho profundo respeito e admiração.

Abraços,

Furtado