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2.9.19

A HISTÓRIA DE UM PAR DE BOTAS...DA TROPA VII


                                              foto da Internet

 Ao mesmo tempo que mandava um vigia avisar a mulher do Manuel, o Capitão telefonou para o posto no Barreiro, para saber do que era acusado, um homem que levava a vida a trabalhar, e não se metia em escaramuças nem políticas. Foi então informado, de que a ordem viera de Lisboa, com a acusação de que Manuel era um desertor.
 Parece que à época, os mancebos aptos para a tropa, não ficavam livres depois de ela acabar, mas passavam a uma situação de reserva que só terminava aos 45 anos. Manuel fizera 44 anos  em Abril. Ora todos os anos, eram vistos os processos, de todos os homens que cumpriram tropa e estavam nessa idade. E encontraram a caderneta militar do Manuel, que lhe devia ter sido entregue quando da passagem à reserva. Daí a investigarem o tempo de tropa dele foi um passo. E logo descobriram a deserção. E em consequência disso, Manuel estava agora preso e ia ser mandado para Lisboa. Precisamente para o quartel de Caçadores 5 em Campolide, de onde tinha desertado no inicio de 1942
Uma vez no quartel, foi-lhe dito que teria de cumprir os quase dois anos de tropa que lhe faltavam quando desertou. Como porém em Abril de 1963, faria 45 anos, e passava à reserva, ficaria na tropa até essa data.
Dá para imaginar o sofrimento do Manuel? Os jovens militares, gozavam com ele, mal acabava a formatura. Não estava em prisão no quartel. Estava na tropa, embora sem licença de saída.
Recebia a visita da mulher no quartel, e mortificava-se com a situação da família, agora sem o seu ordenado, que era o único na casa até à próxima safra, e ainda obrigada a gastar dinheiro em viagens para as visitas. Chorava todos os dias. E tudo por causa de umas malfadadas botas da tropa, que não pudera pagar ao estado.
Trabalhador humilde, sempre pronto a qualquer trabalho, mesmo que nada tivesse a ver com o armazém da lenha, alegre e bem-disposto, apesar de todas as dificuldades, o Manuel granjeara a simpatia, não só de todos na Seca, como do próprio patrão, que já por algumas vezes tinha requisitado o Manuel para tratar do jardim de sua residência em Lisboa.
Boa pessoa, sabendo reconhecer os méritos do Manuel, o patrão deu ordem ao gerente da Seca, o Capitão Aníbal, para manter o ordenado do Manuel enquanto ele estivesse ausente. Não satisfeito com isso, o patrão, usou de toda a sua influência, (e se era influente a família Bensaúde) para retirar o Manuel daquela agonia. E foi por isso que ele, voltou à liberdade no início de Setembro, bem a tempo de dar um beijo à filha no dia dos seus 15 anos.

FIM


Nota: 

Como disse no primeiro episódio, esta história é real.
O Manel da Lenha, foi o meu pai, e a menina que nasceu depois duma noite de trovoada, sou eu. Tudo o que escrevi sobre a Seca é  (era) real. A Seca foi desactivada em 30 de Dezembro de 1999. Hoje mantém-se aberta apenas para visitas de estudo. Parte do complexo, foi declarado património histórico. Para o restante foi projectado um condomínio de luxo, com campos de ténis, cavalariças e outras "coisitas" que fariam dele único na zona. Prestes a ser aprovado, eis que o projecto da nova ponte Barreiro - Seixal, caiu precisamente neste local. O condomínio ficou pois sem efeito, e por causa da crise, a ponte Barreiro - Seixal, ficou em "águas de bacalhau".  A antiga Seca, mantém-se aberta como disse, apenas a visitas de estudo. 



19 comentários:

Emília Pinto disse...

Sim, Elvira, tenho ainda bem presente toda a história de vida dos teus pais, inclusive este triste caso que acabaste de nos contar.Como previsto, o começar de novo já voltou das férias e não podia deixar de vir cá ver as novidades e, principalmente , saber da saúde do teu marido e da tua também. Espero sinceramente que tudo se esteja a resolver bem e que o teu marido já esteja em casa completamente restabelecido. Um abraço, querida Elvira e boa noite
Emilia

noname disse...

Para lá de tudo o que não foi bom, Ficou o muito de bom. É uma história lindíssima, cheia de vida e vivência. A Elvira, terá, por certo, um orgulho sem tamanho do Senhor Manuel da Lenha. Olhe, ele não me é nada e eu tenho :-)

Beijo enorme daqui até aí
Grata pela partilha

Pedro Coimbra disse...

Parece um romance.
E é uma memória deliciosa.
Boa semana

Joaquim Rosario disse...

Bom dia
Talvez seja por esta historia verdadeira e por outras que a Dª Elvira hoje é uma grande autora que dá aos seus contos uma forma muito própria que encanta quem os lê .
Um bem haja para si ,e que Deus lhe dê muitos anos de saúde .

JAFR

Majo Dutra disse...

Trapalhadas da 'antiga senhora'...
Manel tem estado presente, graças a si. Todos o conhecemos...
Boa semana.
Abraço
~~~

chica disse...

Gostei muito e tão bom saber e lembrar detalhes tão teus! beijos, ótima semana! chica

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Estou a gostar desta historia, aproveito para desejar uma boa semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros

Manu disse...

Uma história comovente.
Memórias que ficam para sempre.

Abraço Elvira

Meu Velho Baú disse...

Finalmente de regresso sobretudo com mais de disponibilidade de tempo irei seguir esta História que além de interessante com personagens reais
Beijinhos

Jaime Portela disse...

Há vinte e tal anos conheci duas ou três pessoas da família Bensaúde e, pelo que pude constatar, são mesmo boas pessoas.
Estar na Tropa era mesmo uma prisão...
Gostei da história, da maneira como foi contada, etc., etc. Os meus parabéns pela qualidade.
Elvira, uma semana boa.
Beijo.

As Mulheres 4estacoes disse...

Oi, Elvira!
Li desde o início, uma história que emociona.
Imagino que escrevê-la, proporcionou ao seu coração muitas lembranças e saudades.
Um abraço
Sônia

Teresa Isabel Silva disse...

Ando um bocadinho ausente, mas estou a colocar a leitura em dia!

Bjxxx
Ontem é só Memória | Facebook | Instagram

Anete disse...


O meu abraço neste início de semana, Elvira!
Mais um término que leio e parabenizo você. Uma história mesmo com “h”!
Muita paz no novo mês...

Larissa Santos disse...

História de vida dura que me agradou.
Existe sempre historias de vida em cada lar...

Hoje:-Numa saudade que supera as maiores ousadias. [ Poetizando e Encantando]

Bjos
Votos de uma óptima noite

Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Uma história de vida linda, apesar de tantos sacrifícios, problemas e dissabores passados.
A Elvira, como ninguém, soube implementar à história, com a sua habitual classe, a veracidade dos factos com a sensibilidade e emoção de quem sofreu na carne e na alma os problemas da família.
Um beijinho e boa semana.
Ailime

lis disse...

Gostei de ler mais a respeito dessa família batalhadora que apesar de tantos percalços conseguiu vencer.
Parabéns, Elvira e obrigada por falar mais um pouco da via do seu pai e da Seca do bacalhau.
um abraço grande

Maria João Brito de Sousa disse...

Só hoje pude ler o final desta interessante história verídica, mas antes tarde do que nunca.

Os meus pais, através dos meus avós paternos, eram íntimos dos Bensaúde. Ainda me recordo de termos recebido várias vezes a visita da Matilde Bensaúde que me levava sempre uma prendinha e adorava andar comigo ao colo.

Outro abraço, Elvira

Cantinho da Gaiata disse...

Ausente, mas cheguei a tempo para reler esta história real.
Parabéns Elvira pela partilha da vida dos pais em tempos que já lá vão.
Beijinho

FIO disse...

Olá Elvira, vivo no Brasil, mas sou cidadão português, minha mãe nasceu em Setual, mais precisamente no Barreiro, nós temos uma ligação muito grande com a seca da Azinheira, pois meu Avô ia a pesca do Bacalhau num dos Navios da Parceria Geral de Pescarias, o Hortense, e minha Avó trabalhava na seca. Minha mãe morava exatamente em frente ao portão da seca, as ruinas da casa dela ainda existem no local, sua tia era porteira do lugar, minha mãe, minha tia e minha avó vieram para o Brasil em 1954, meu Avô havia vindo dois anos antes, minha Avó o proibiu de voltar a pesca depois de um acidente no mar, ele caiu ao mar, e quase morreu, como só sabia pescar, arriscou vir para o Brasil. Na visita que fizemos conhecemos o Sr. Elder, Gerente da seca, segundo minha mãe o escritório está do mesmo jeiro de quando ela era criança. Pena que não nos recordamos o nome da Senhora que nos recebeu na portaria. Em Outubro estaremos de novo em Portugal, quero levar minhas irmã para conhecer este lugar tão especial para minha mãe, que estará junto de nós. PS. Você sabe o nome da "porteira" da Seca? Grande Abraço.
Sergio Fioravanti - Sorocaba/São Paulo/Brasil