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30.8.18

FOLHA EM BRANCO - PARTE XXXVI




No regresso, o pai estava cansado e passou-me o volante, À saída de Sevilha, uma carrinha que acabara de fazer uma curva, despistou-se e veio em cima de mim. Vi que ia bater de frente, e tentando fugir, guinei para a esquerda, o que fez com que a carrinha abalroasse a lateral direita do carro. O meu pai, que se tinha deixado dormir a meu lado, teve morte imediata.
 - Não foi por mal, Miguel, juro que não foi. Eu só queria tirar o carro da trajectória da carrinha, disse redobrando o choro.
O homem estava impressionado com o sofrimento da jovem. Percebeu que o sentimento de culpa era tão grande que a jovem não aguentara, e o subconsciente se refugiara na amnésia.
- Não fiques assim. A culpa não foi tua. Foi um acidente. Pensa que podia ter sido o contrário. Podia ser o teu pai que estivesse ao volante, e ele teria reagido exactamente da mesma maneira. Qualquer condutor reage dessa maneira. É instintivo. Não te atormentes. Tenta descansar. Vou buscar-te um copo de leite morno. Dizem que acalma.
Foi à cozinha e voltou com o copo de leite. Ajudou-a a deitar, e puxou-lhe a roupa para cima, cobrindo-a como se ela fosse uma criança.
- Agora, sê uma menina bonita e dorme. Amanhã conversamos.
- Não quero ficar sozinha, Miguel – murmurou segurando-lhe a mão
Sobressaltou-se o homem.
Dominando-se sentou na beira da cama.
-Está bem, dorme. Eu estou aqui.
-Cansada de tanta emoção, depressa a jovem adormeceu.
Ele ficou durante um bom bocado velando-a. Assim abandonada no sono, parecia ainda mais bonita, mais indefesa.
Sentiu-se incomodado. Como se a sua admiração de algum modo maculasse a pureza da jovem.
Levantou-se, apagou a luz e saiu rumo ao seu quarto.
Finalmente a jovem recuperara a memória. Mas havia ainda muita coisa por esclarecer. Se o acidente fora em Abril, e em Sevilha, o que fazia ela no final de Setembro em Lagos? Que teria acontecido, e por onde andaria, nesse intervalo temporal?
De toda a história ele retivera uma coisa. Com a morte do pai, ela ficara sozinha no mundo. Isso explicava porque nunca ninguém a procurara. Mas ela dissera que o pai gastara todas as economias na compra da casa. Onde seria essa casa. E a jovem estava preparada para viver sozinha? Teria meios financeiros para isso?  
Em toda a sua vida, Miguel nunca se tinha visto numa situação tão complicada.
Que devia fazer? Nem sequer podia recorrer à ajuda médica, pois as sessões de psicoterapia tinham sido suspensas até depois do Ano Novo.  
Já o dia despontava, quando finalmente adormeceu.
Quando Luísa chegou, admirou-se com a porta do quarto fechada, sinal de que Miguel ainda dormia. Desde que trabalhava na casa, era a primeira vez que tal acontecia.





  

13 comentários:

Rosemildo Sales Furtado disse...

Realmente, de abril para setembro são mais de quatro meses e nesse período pode ter acontecido muita coisa. Vamos aguardar.

Abraços,

Furtado

Pedro Coimbra disse...

Lembro-me de ter comentado quando pela primeira vez aqui foi publicado o conto que quase fiz o mesmo com o meu pai e padrinho nas curvas de Rio Maior.
Tivemos sorte.
Abraço

Isa Sá disse...

A passar por cá para acompanhar a história.
Isabel Sá
Brilhos da Moda

Joaquim Rosario disse...

Bom dia
Acabou um sofrimento , mas não acabou o conto e ainda vai correr muita tinta.
JAFR

Gaja Maria disse...

Mistério desvendado. Coitada....

Meu Velho Baú disse...

O acidente que foi o causador da amnésia ontem fiquei quase com a certeza mas a escritora está sempre a nos pôr à prova ....agora é onde está a casa que o pai lhe deixou :((
Beijinhos

Teresa Isabel Silva disse...

Vou aguardar para ver o que vai acontecer!

Bjxxx
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Larissa Santos disse...

Este capitulo foi muito emocionante. Correram-me as lágrimas.

Bjos
Votos de uma óptima Quinta- Feira

chica disse...

Impactante a descoberta e vem muito mais ainda!!! Lindo! bjs, chica

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Continuo a acompanhar com interesse.
Um abraço e continuação de boa semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados

Diana Fonseca disse...

Já pensei tantas vezes que uma coisa assim me podia acontecer.

Ailime disse...

Boa tarde Elvira,
Factos na verdade perturbadores bem reveladores da amnésia da jovem.
Vamos aguardar que ela continue a lembrar-se do que se passou entre Abril e Setembro.
Beijinhos,
Ailime

Cidália Ferreira disse...

Ora muito bem. Foi um acidente. E onde esteve esse tempo todo? Internada? será que fugiu de algum lado?? Instigante...

Beijos e uma excelente tarde!