Seguidores

4.12.17

MARIA - PARTE IX

RE-EDIÇÃO
O Descalabro

A manhã seguinte decorreu lenta demais para a minha ansiedade. Sentia-me como uma criança em vésperas de ganhar um brinquedo novo. A Maria nunca mais chegava. Quando por fim chegou, eu suspirei de alívio. Na verdade, ocorrera-me mais que uma vez, que iria desistir e eu ficaria sem saber mais nada dela. O almoço decorreu com a animação habitual de amigos que se gostam, e se reveem depois de longa separação. Como combinado previamente, meu marido saiu logo após o almoço. Fingindo uma calma que não possuía, aguardei enquanto Maria acendia um cigarro. Reparei nas suas mãos trémulas e pensei que fosse o que fosse que ela me queria contar, era-lhe muito difícil falar nisso.
-Como sabe, quando a minha mãe morreu, eu estava muito magoada e não vim ao funeral.
-Mas você soube quando isso aconteceu? Disseram que não podiam avisá-la, não sabiam onde vivia.
- Claro que soube. "Nani" sabia onde eu morava e tinha o número do meu telemóvel. (Nani, era Fernanda a ama que a criou e que ela batizara assim, quando começou a falar).
-Ah!
-Pois a Nani telefonou-me, e eu não quis vir. Parva. Nunca mais tive sossego depois disso. Você conhece-me de miúda. Sabe que entre mim e a minha mãe sempre houve uma estranha relação de amor-ódio. E muita competição. Ela julgava-se uma mulher perfeita e queria-me igual a ela. Nunca percebi bem se ela queria que eu fosse uma cópia sua, ou se pensava que ia realizar os seus sonhos, através de mim. Era austera, exigia perfeição em tudo e eu sentia-me como uma formiga prestes a ser esmagada por um elefante. E nunca soube lidar com isso. Daí a frustração foi-se instalando, depois veio a revolta e mais tarde a depressão. Quando saí daqui fui morar para Santarém. Como vendedor da empresa, Artur passava muitos dias fora de casa. A solidão nunca foi boa conselheira. Nem sei explicar como aconteceu. Começou por um cálice de Porto ao jantar. Depois ao almoço e jantar. Mais tarde um aperitivo antes das refeições. E assim por aí fora. Quase sem me dar conta, saltava da cama e dirigia-me ao frigorífico para uma cerveja, a qualquer hora da noite. Mais tarde vieram os brandes, as aguardentes os licores. Tudo o que contivesse álcool. Artur começou a dar por isso e proibiu bebidas em casa. Valeu de alguma coisa? Não. Eu já perdera o controlo da situação. Acabei por perder o emprego. Um dia o Artur deu-me um ultimato. Ou eu me tratava ou o nosso casamento acabava ali. Deixei-o ir e envenenei-me. Azar, ou sorte minha, ele voltou duas horas depois, para buscar qualquer coisa e encontrou-me caída no quarto, inconsciente. Levou-me para o hospital, onde me fizeram uma lavagem ao estômago e me internaram na psiquiatria, para desintoxicação.
Calou-se. E durante largos minutos ficou ausente, como que viajando no tempo através das suas recordações.
-Não tenho uma ideia muito exacta do que se passou depois. Sei que estive internada dois meses, tenho uma vaga lembrança de estar atada com lençóis à cama  mas  a maior parte do tempo estive  a dormir. Deram-me alta num dia e no dia seguinte a Nani telefonou-me a dizer que a minha mãe tinha partido. Estava numa aflição não sabia que fazer. Disse-lhe para falar com o meu tio Carlos que ele trataria de tudo. Não chorei. Sentia-me seca, entende?


continua



15 comentários:

Isa Sá disse...

A passar por cá para acompanhar a história e desejar uma ótima semana!


Isabel Sá
Brilhos da Moda

chica disse...

O vício da bebida atrapalhou sua vida. Vamos acompanhando! bjs, chica

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Isto promete, estou a gostar.
Boa semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros

_ Gil António _ disse...

Bom dia. Custa-me sempre ler que alguém não vai ao funeral do seu pai ou mãe. Custa-me mesmo.
Acompanhando a história
.
Deixo cumprimentos poéticos.
.

Olinda Melo disse...


Olá, Elvira

Vemos como a bebida pode estragar a vida e as relações entre as pessoas.

Voltarei para ver a evolução desta bela história.

Bj

Olinda

António Querido disse...

Uma pessoa que bebe demasiado e pega no volante da vida, mais cedo ou mais tarde despista-se contra problemas difíceis de transpor e dormir em liberdade!

Tomo a liberdade de deixar o meu abraço.

noname disse...

A vida e os seus enredos.

Bom dia Elvira

Edum@nes disse...

Maria não aceitou os conselhos de sua mãe. Bebeu para esquecer, envenenou-se para morrer. Sem pensar de que a morte é certa, nem de que a vida no mundo é coisa mais bela!

Tenha uma boa tarde de segunda-feira, amiga Elvira, um abraço,
Eduardo.

Vanessa disse...

Olá, boa tarde! Passei para conhecer o seu blog e gostei muito! Gostei muito da postagem, gosto bastante da escrita.
Tenha uma ótima semana.

Tintinaine disse...

Vida difícil !!!

Rui disse...

Compreensível ! ... E provavelmente uma "recuperação" (de uma vida normal) extremamente difícil !
Sou defensor de que os pais devem deixar os filhos adquirir a sua própria personalidade (apenas com uma vigilância não apercebida por eles) . Os filhos não são um objecto pertença dos pais !

Abraço :)

Tais Luso de Carvalho disse...

Estou subindo a postagem para ver o desenrolar...

Cantinho da Gaiata disse...

Que vida complicada, nada dá certo à rapariga.
Beijinhos e na boa semana.

Os olhares da Gracinha! disse...

Há vidas assim!!!bj

Rosemildo Sales Furtado disse...

O fumo e a bebida não são boas companhias.

Abraços,

Furtado