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15.3.16

MANEL DA LENHA - PARTE XXXII



                 Foto da Câmara de Almada

Nesse ano em Novembro, o Manuel mata o seu primeiro porco. Já matara um no ano anterior, mas vira-se obrigado a vendê-lo aos vizinhos porque estava sem dinheiro para comprar roupas de agasalho para os filhos, e medicamentos para a mulher. Agora não. As carnes iriam para a salgadeira. As tripas depois de muito bem lavadas pela mulher seriam cheias, e iriam para o fumeiro. Ele iria tratar e curar um presunto, até já tinha um gancho na trave do barracão para o pendurar. O outro seria cortado em bocadinhos, temperado com uma mistura de sal, alho, vinho e especiarias. Depois de fritos os bocados,  seriam conservados em banha num pote de barro. A banha era feita em casa com as gorduras e toucinho derretido.  Finalmente as crianças iriam ter carne para comer o ano inteiro. Em dias de festa, matava-se uma galinha para desenjoar a carne de porco. Ou um coelho. Mas estes eram raros. Quase todos os anos lhes chegava a moléstia e iam todos para adubo. Os meses passaram, a safra, agora com mais um navio estende-se até quase ao final de Maio.
 Naquela noite quente de Junho, Manuel sentou-se nas escadas do barracão com os filhos e mostrou-lhes o Monumento que se via iluminado para lá das águas do rio. Ele gostaria de levar a família a ver de perto o recém inaugurado Cristo-Rei, mas onde arranjar dinheiro para as passagens? Até à nova safra em Outubro, só podia contar com o seu salário, e as bocas a comer eram sempre as mesmas, e cada vez comiam mais. Por essa altura outros problemas atormentavam o Manuel. A professora da segunda filha, agora na 4ª classe,   mandara-o chamar para lhe dizer que achava um crime que a sua filha não fosse estudar, dado que era uma criança muito inteligente. Dissera-lhe ainda que ela própria, ia prepará-la para o exame de admissão, e pedir uma ajuda uma bolsa ou lá o que era para ela poder continuar a estudar. Se por um lado ele ficava feliz pela inteligência da sua menina, por outro interrogava-se como a conseguiria pôr a estudar.
 É que ainda que a professora conseguisse a tal ajuda, isso não era tudo. A miúda não podia ir estudar para o Barreiro com as tamanquitas de madeira com que ia para a primária. E as roupas? As que tinha estavam demasiado velhas e ele não lhe agradava que a miúda se sentisse envergonhada junto das outras crianças. Ali na Telha, todos os miúdos eram filhos de pais iguais a ele. Todos irmãos na miséria. Mas na outra escola, só andavam filhos de outros pais. Que até podiam não ser ricos, mas que tinham outras posses, lá isso tinham. 

16 comentários:

Laura Santos disse...

Uma grande ajuda poder matar um porco para ter carne para comer o ano inteiro, mas mesmo assim as dificuldades continuam a ser muitas e nem tem dinheiro para ir ver o Cristo Rei com os filhos.
Imagino o orgulho ao saber que a segunda filha era uma criança muito inteligente e deveria continuar os estudos, mas também os dilemas que se colocam por falta de meios...
xx

Tintinaine disse...

Bom dia Elvira!
Posso apresentar uma reclamação?
Não diga que não, porque vou fazê-lo de qualquer maneira.
No fim das suas mensagens aparece sempre uma sugestão para lermos outras mensagens mais antigas. Só que ao abrir, a maior parte já não existe e ficamos só com a mensagem que diz: a página que procura não existe.
Não seria melhor evitar que apareça a tal sugestão que nos leva ao engano? Quem estiver interessado noutras leituras pode sempre recorrer às etiquetas para as localizar.
Pense nisso!

Tintinaine disse...

Depois do comentário anterior saí e fui à procura das etiquetas, para ver se dariam para eu localizar uma mensagem específica que quisesse ler, mas não encontrei nada!
A Elvira preenche sempre umas quantas etiquetas em cada mensagem, mas depois não nos deixa vê-las! Porquê?

Isa Sá disse...

Acompanhando a história!

Isabel Sá
http://brilhos-da-moda.blogspot.pt

Edum@nes disse...

Carne em vinha d'alhos,
lá na aldeia, assim, se chamava
era uma, grande, carga de trabalhos
para se poder chegar a uma migalha!

Tenha um bom dia, amiga Elvira, um abraço,
Eduardo.

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Não tenho seguido "religiosamente" a ordem de suas postagens, Elvira, mas quando venho tento recuperar as que ficaram pra trás. Sempre leio com grande interesse. Gosto muito de narrações de vidas vividas! Você tem o poder de prender o leitor, pela forma interessante da narrativa: a gente vive os fatos!
Meu abraço!

Anete disse...

Boa continuação hoje...
Será ótimo se a filha continuar estudando.
Uma vida bem sabrificada a do Manuel, mas como ele é esforçado!
Um bj

Emília Pinto disse...

Desta vez revi- muito na minha infância, na aldeia onde nasci; assim era morto o porco, a carne guardada na salgadeira, presunto e chouriços no fumeiro. A minha mãe criava de um tudo, galinhas, coelhos, ovelhas e até pombos; os borrachinhos eram assados no forno e, bem tostadinhos ficavam uma delicia. Das ovelhas ela retirava a lā para fazer meias e camisolas que também vendia a alguna lavradores para aguentarem o frio nos campos. Muito trabalhou a minha mãe para que juntos, ela e o meu pai conseguissem que os dois filhos estudadssem
Também era dura a vida deles e só não foi mais pq eram dois filhos apenas.
Elvira, num capitulo anterir falas em desobriga. Na minha aldeia esse temo era usado na quaresma; as pessoas tinham que se confessar para comungar na Páscoa da Ressurreição; essa obrigação era a desobriga.. Amiga, obrigada pelos belos relatos que aqui nos fazes de uma época muito dificil para a maioria do povo português. Beijinhos e muita saúde te desejo
Emilia

Unknown disse...

O sacrifício sempre acompanha Manel. Tomara que a filha possa estudar.
Beijo*

Unknown disse...

Ah, Elvira!
Tantas memórias, tanta vida.
O sacrifício de vidas duras na luta mas felizes no amor verdadeiro de um pai a fazer pelos seus.
Já melhorava a vida, a ter carne para o ano ;)
bj amg

Odete Ferreira disse...

Acompanhando...
Nesta partilha, relevo o problema da impossibilidade de tantas crianças prosseguirem os estudos por falta de condições económicas. Conheci muitos casos como este. Outras, que viviam em aldeias muito próximas, vinham a pé e traziam uma escassa merendinha (um naco de pão com alguma coisita a acompanhar); como vivia na vila (agora cidade), levava-as para minha casa, onde comiam uma sopa (também não éramos uma família abastada...); a minha mãe sempre acedeu a pedidos deste género...
Bjo, amiga

Pedro Coimbra disse...

Ainda que em circunstâncias muito diferentes não haverá ainda hoje muitos pais a confrontar-se com esse drama de verem os filhos menorizados perante os colegas??

Mariangela l. Vieira - "Vida", o meu maior presente. disse...

Com tantas dificuldades os pais nunca deixaram de se sacrificar pela família.
Era luta em cima de luta!
Abraços,
Mariangela

Rosemildo Sales Furtado disse...

Com certeza o Manel encontrará uma forma de manter a filha estudando.

Abraços,

Furtado.

Zilani Célia disse...

OI ELVIRA!
LENDO.
http://zilanicelia.blogspot.com.br/

Unknown disse...

Que a filha prossiga estudando.
Ótimo.
Beijo*