E Manuel sorriu
A noite aproximava-se quando o comboio chegou à cidade alemã
de Colónia. Desceram muitos passageiros, entre eles um homem e uma mulher que
ficaram parados na plataforma como que perdidos. Fazia frio e eles eram uns
desconhecidos na grande cidade.
— Vamos procurar um quarto para passar a noite — disse o
homem.
— Está bem — respondeu a mulher — Já não vai demorar muito.
O homem fez com a cabeça um sinal afirmativo.
Procuraram incessantemente por um quarto, mas não
encontraram nenhum. O Natal estava próximo e já todos estavam ocupados. A dada
altura pareceu-lhes que talvez tivessem encontrado qualquer coisa, mas eram
pobres e as pessoas viam que a mulher estava grávida e não os aceitavam. A
criança não tardaria a nascer. Por fim, um indivíduo, com uma garrafa de
cerveja na mão, indicou-lhes um edifício, dizendo:
— Ali, ao virar a esquina, há um abrigo noturno. Quem não
tem casa, pode lá dormir.
Chegados, o gerente olhou pela janela.
— Esta é uma casa só para homens — disse. — Não posso
aceitar mulheres.
A jovem assustou-se e amparou o ventre com as duas mãos.
— O que foi? — quis saber o marido.
— As dores do parto começaram. Não posso continuar.
Então o gerente teve pena dela.
— Pronto, entre, então. Ali ao fundo da casa tenho mais um
quarto.
Conduziu-os através do dormitório dos homens até um
quartinho minúsculo. A criança nasceu ao fim de umas horas. Mais tarde, a
mulher mostrou o bebé aos homens do albergue.
— Como é que vai chamar-se? — perguntou um.
— Vai chamar-se Manuel — respondeu a mãe.
Os homens admiraram-se com o nome, mas lembraram-se que a
jovem viera de longe.
De repente, todos tinham qualquer coisa que queriam
oferecer. Um, depois de vasculhar na mochila, tirou quatro flores de papel que
ofereceu à mãe, outro foi buscar uma pele de ovelha quase nova e disse:
— Para o Manuel estar sempre quentinho.
— Espera aí — disse um outro. — Devo ter aqui algures uma
manta de lã.
Procurou no seu saco de plástico e encontrou a manta. Era
uma peça realmente bonita, felpuda e de um vermelho vivo.
— Para o Manuel — disse.
A esposa do gerente entrou para ver a criança.
— Do que vocês se lembram! — disse ela. — Manta, pele de
ovelha e flores de papel! Do que a criança precisa é de fraldas, uns casacos de
bebé e calcinhas.
— Clara, as coisas da nossa Elisabete não estão ainda na
gaveta? — questionou o marido.
— É verdade, Francisco! — exclamou a mulher. — Como é que eu
não me lembrei!
Correu a casa e regressou com fraldas, casaquinhos,
calcinhas e com um maravilhoso gorro de bebé.
— Toma, para o teu bebé — disse à mãe.
— Olha! — disse um homem muito velho. — Acho que o Manuel
sorriu.
Todos viram.
Um dos homens pegou então no realejo.
— Já não toco há muito tempo — disse. — Espero ainda
conseguir.
Ouviram-se uns sons muito delicados e os homens começaram a
cantar baixinho. E como o Natal estava próximo, cantaram “Noite Feliz!”.
— Agora chega — disse a mulher do gerente. — A mãe e a criança
precisam de sossego.
O gerente murmurou:
— Esquisito! Os fulanos nunca estiveram tão calmos aqui no
albergue como hoje!
E em seguida acrescentou:
— Não falta muito e ainda vão arranjar o boi e o burro!
Pouco depois, apagou a luz.
Mas alguns dos homens ainda ficaram acordados muito tempo e
voltou-lhes à lembrança o tempo em que tinham sido crianças.
Um disse, já meio a dormir:
— É estranho que tudo isto tenha acontecido aqui. Pouca
gente vai acreditar, quando contarmos.
Willi Fährmann
Folget dem Stern
München, OMNIBUS, 2004
(Tradução e adaptação)
Willi Fährmann
Folget dem Stern
München, OMNIBUS, 2004
(Tradução e adaptação)