
- Bom
como já deves ter percebido, meu nome é David Braizinha Varanda. Tenho vinte e nove anos e sou
advogado. Nasci e vivi em Braga até que me formei. Meu pai, morreu muito jovem
com um cancro no pâncreas, e minha mãe lutou muito para fazer de mim o homem
que hoje sou. Desde sempre, soube que ela era uma mulher sofrida, muitas vezes
me abraçava a chorar, mas sempre pensei que era porque eu lhe fazia lembrar o meu pai, de quem tinha muitas saudades. Quando me mudei para Lisboa quis que viesse viver comigo, mas ela não
quis deixar a casa onde vivera grande parte da sua vida e tinha tantas recordações. Há dois meses, sofreu
um AVC, entrou em coma e morreu uma semana depois.
Interrompeu-se
quando Olga entrou no Gabinete com os cafés. Serviu-os e apressou-se a sair pois
o ambiente no escritório, continuava bastante carregado.
-O mês passado, comecei
a despejar a casa, a fim de a entregar ao senhorio, - continuou o advogado,
quando a secretária saiu. - No guarda-fatos, dentro de uma caixa de sapatos, entrei duas cartas, alguns documentos e
fotos, algumas antigas, outras mais recentes. Entre os documentos havia uma certidão de nascimento de alguém, cujo nome eu nunca lhe ouvira; e as cartas, uma era-me dirigida, e a outra para
o desconhecido cujo nome estava na certidão de nascimento.
Na
minha carta, a minha mãe falava-me com muita mágoa, de um outro filho que tivera
antes de mim, pedia-me perdão por nunca me ter falado dele, e suplicava-me que quando ela partisse, eu o procurasse e lhe entregasse o conteúdo daquela caixa.
David
abriu a sua pasta e tirou um subscrito fechado, uma certidão de nascimento, e
várias fotos que colocou em cima da mesa na frente de João.
Relutante,
ele pôs de parte o subscrito sem o abrir, e leu o documento. Era o seu registo
de nascimento, com a diferença que ali o se nome constava como João Braizinha Teixeira, nome diferente do que constava nos seus documentos atuais, onde o apelido materno não existia. Também a sua data de nascimento era dez dias antes daquela que constava no seu cartão de cidadão. De algum modo, o pai conseguira alterar os documentos, destruindo a hipótese de um dia ele querer saber quem tinha sido a sua mãe, talvez efetuando um segundo registo do filho. Depois pegou nas fotos.
A primeira, era de uma mulher jovem olhando amorosamente o bebé que tinha no
colo. As outras eram todas de um menino, que reconheceu como sendo ele. Fotos desde os três,
quatro anos até à idade adulta. Havia ainda alguns recortes de jornais que
falavam dele e da sua empresa.
-Muito
bem, David a entrega foi feita – disse enquanto abria uma gaveta da secretária,
retirava um envelope grande castanho e metia tudo lá dentro. - Obrigado.
-Não
vais ler a carta? – perguntou David
-Agora
não, - respondeu. -Toda a vida acreditei que a mulher que me deu à luz, me
tinha abandonado como se eu fora uma coisa imprestável. Essas fotos, porém,
falam de um acompanhamento à distância, que revelam que afinal, ela se
importava comigo. Então, porque nunca se aproximou de mim?
- Não tenho resposta para isso, Todavia é mais
uma razão para leres a carta. Decerto ela terá a respostas às tuas
interrogações.
-
Preciso digerir todas as emoções negativas que acumulei ao longo dos anos,
antes de o fazer. Todavia posso dizer-te, que estou muito feliz, por saber
que ganhei um irmão. Queres dar-me um abraço? – disse pondo-se de pé.
-Estava
a ver que não pedias, - respondeu David levantando-se.
Os
dois homens trocaram um longo e emocionado abraço.
- Tens
os olhos da nossa mãe, - disse David minutos depois, tentando disfarçar a
emoção.
- Como
os teus. Chamaram-me a atenção logo que te olhei, quando entraste. Mas conta-me mais coisas de ti. És casado?
- Não,
mas estou de casamento marcado para Dezembro. Um dia destes podemos jantar
juntos. Tenho a certeza que vais gostar da Júlia, a minha noiva.
-Marca
quando quiseres. Eu, não sendo por negócios nunca saio para jantar.
-Bom, já passa das quatro e tenho um cliente marcado para as cinco, - disse David olhando o relógio.
Tirou
um cartão e estendeu-o ao empresário dizendo:
-Liga-me
quando e se quiseres. E não deixes de
ler a carta da mãe. Depois se quiseres eu falo-te, da grande mulher que ela foi.
João, tirou
do bolso do casaco uma carteira e ao mesmo tempo que guardava o cartão, tirou
outro e deu-o a David, dizendo:
Não
calculas como estou feliz por te conhecer. Sempre me senti como uma ave
solitária. Também me podes ligar quando quiseres.
Ambos
se levantaram. João acompanhou o irmão à porta do seu gabinete, e aí se
despediram com um caloroso aperto de mão, enquanto Olga trocava um olhar incrédulo com o segurança, que se encontrava junto da sua secretária.