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18.3.22

ARMADILHAS DO DESTINO - PARTE XXVI

 


Acordou encharcado em suor, com uma tremenda dor na perna esquerda. Cerrou os punhos, grunhindo uma maldição. Sabia que estava a ser vítima da DMF, a dor do membro fantasma. Tinha-a sentido várias vezes ao longo daqueles quase dois anos, primeiro com frequência, depois mais espaçadamente. Como médico sabia que na maioria dos casos a DMF desaparece por volta dos dois anos e ele estava quase a fazer dois anos que tinha sido amputado, daí que pensava já ter passado essa fase.
As picadas eram horríveis, sentia como se lhe estivessem a coser a perna a sangue frio.
Abriu a gaveta da mesa-de-cabeceira e retirou um comprimido que engoliu mesmo sem água. Depois mergulhou a cabeça na almofada para abafar os gemidos. Maldita dor.

Meia hora depois, a dor cessou. Nuno sentou-se na cama. Dormira nu, as noites estavam quentes, e ele sempre gostara de dormir assim. Pegou nas canadianas e dirigiu-se à casa de banho. Tomou um duche enxugou o corpo, e colocou a prótese que todas as noites tirava, desinfetava e deixava na casa de banho, pronta para usar após o duche matinal 

Habitualmente fazia uma hora de ginásio antes do duche. Para isso tinha montado aparelhos especiais numa das divisões do apartamento, de modo a cumprir um plano de fortalecimento muscular adaptado ao seu caso.
Porém naquele dia, por causa da DMF, não foi ao ginásio. Vestiu-se e saiu. Era sexta-feira, dia de consultas externas, não tinha cirurgias marcadas, só precisaria ir ao bloco se aparecesse alguma urgência. 
Tomaria o pequeno-almoço, na pastelaria perto do hospital, pois também era à sexta-feira, que a sua mãe chegava logo de manhã para receber o pessoal da empresa de limpezas, que lhe tratava da casa e das roupas, e ele evitava sempre encontrar-se em casa a essa hora.
No dia seguinte fazia quinze dias que literalmente tinha fugido da casa de Luísa, e ainda não tinha tomado uma decisão embora estivesse cheio de saudades dela. 
Pensava que o ser humano é muito complexo. Durante anos ele vivera, amaldiçoando  a jovem e sem qualquer desejo de a reencontrar.

Mas bastou encontrá-la, saber que ela não terminara com ele por ser uma leviana como ele julgara, nem por vontade própria, que o que acontecera tinha sido uma armadilha do destino, na qual os dois acabaram presos, para esquecer todo o rancor acumulado, todo o sofrimento, que o fizera expor-se ao perigo com absoluto desprezo pela vida, e apenas desejar estar junto dela, amá-la e protegê-la.

Mas e ele? Quem o protegeria, da compaixão ou até quem sabe se de sentimento pior, da parte dela, quando visse o seu coto em vez da perna? Não aguentava aquela tensão. Até ao fim do dia, ia tomar uma decisão. A vida não espera, nem se pode adiar.

12 comentários:

Emília Pinto disse...

Vai dar certo!!! Eles têm de ser felizes! Já agora aproveito para te desejar boa sorte com o teu livro, querida Amiga. Vai se um sucesso. Tu mereces! Um beijinho e boa noite
Emilia

Pedro Coimbra disse...

O meu avô paterno tinha um coto.
Braço direito.
E isso não o impediu de viver um vidão.
Bfds

Tintinaine disse...

Quem pensa muito faz pouco, sempre ouvi dizer!
Bom fim de semana!

chica disse...

Ele há de superar tudo isso e vai em frente, buscando viver o amor! beijos, chica

Maria João Brito de Sousa disse...

As grandes marcas físicas raramente são esquecidas, infelizmente...

Mas, neste caso, ambos as têm.

Um grande abraço, Elvira!

noname disse...

É mesmo, a vida não pára, e se pararmos nós, só temos a perder.

Bom dia, Elvira

Isabel disse...

Todos nós temos cotos, uns fisicos outros não fisicos :) é preciso aprender a aceitar o que temos e acima de tudo agradecer o que temos.
Um bom fim de semana minha querida Elvira

Cidália Ferreira disse...

Gostei do episodio!:)
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Despida de incerteza...

Votos de um excelente fim de semana.
Beijos

Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Um excelente capítulo em que a fragilidade humana vem ao de cima, mas que o amor ajudará a vencer.
Bom fim de semana e saúde.
Beijinhos,
Ailime

Paula Saraiva disse...

Gostei bastante Beijinhos

Rosemildo Sales Furtado disse...

Para que esperou dezesseis anos, quinze dias é muito pouco.

Abraços

Furtado

João Santana Pinto disse...

Devo um pedido de desculpas ao personagem… (sorrisos)
Neste momento, consigo entender o facto de ele ter canalizado a frustração em ódio ou muito perto disso (a fronteira é ténue) em relação a ela.
Um texto importante no avançar da história. Estes dois podem ainda vir a ser muito felizes.
Vou avançar