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14.3.22

ARMADILHAS DO DESTINO- PARTE XXIV

 



- Deixa-me pelo menos levar-te a casa. Precisas de um chá ou talvez uma bebida mais forte. Toma, enxuga o rosto, - disse estendendo-lhe um lenço. De seguida pôs o carro a trabalhar e conduziu direto à casa dela. Estacionou junto à porta, e apressou-se a dar a volta ao carro para a ajudar a sair.
- Dá-me a chave. Eu abro a porta.
Procurou a chave na mala e deu-lha. Ele abriu a porta e deu-lhe passagem. Ela acendeu a luz enquanto ele fechava a porta.
- Diz-me onde é a cozinha e vai para a sala. Tenta acalmar-te e lembra-te que não tens que dizer mais nada, a não ser que o queiras fazer.
- Eu sei. Mas preciso de o fazer. A cozinha é por trás dessa porta.
Entrou na sala e sentou-se no sofá. Recostou a cabeça e cerrou os olhos. Pouco depois Nuno entrou na sala com um tabuleiro com duas chávenas de chá, que colocou em cima da mesa. Estendeu-lhe uma chávena e pegando na outra sentou-se no cadeirão em frente.
- O homem com quem meu pai me casou, já era viúvo. A primeira mulher de Álvaro suicidou-se. Dizia-se que sofria de uma depressão grave. O que não era de admirar, se, como acredito, passou pelo mesmo que eu.

Luísa falava devagar em voz baixa, quase como se estivesse esquecida do homem que estava na sua frente, e falasse consigo mesma.

- Foram quatrocentas e vinte e sete noites de terror, contadas uma a uma, como o condenado, que espera o dia da execução. Estava desesperada, só pensava em morrer. Sabes que me tentei matar? Não aguentava mais e atirei-me do carro em movimento. Penso que foi a minha atitude,  que fez com que Álvaro se descontrolasse, e perdesse o controlo do carro. 
Ele saiu da faixa em que seguia e foi embater num camião que vinha em direção contrária. Todos os dias agradeço a Deus a sua morte. Tive acompanhamento psicológico durante anos, mas continuei com medo dos homens. Isolei-me e dediquei-me unicamente aos meus alunos. Hoje foi a primeira vez que saí, e não sei porquê, não senti medo de ti, nem sequer quando me abraçaste no carro.
- Meu Deus, Luísa! Quanto sofrimento. Comparado com isso, aquilo  por que  passei não foi nada. Penso que não tens medo de mim, porque o amor que nos uniu, ainda está latente dentro de nós. Meu Deus, como eu gostava de te tomar nos meus braços, e apagar todo esse sofrimento. Mas não posso. Porque ainda há algo que precisas saber. Há dois anos, no Zimbabwe, chamaram-me para ir ver uma criança num musseque nos arredores de Harare, que estava muito mal.

 Depois de a examinar, verifiquei que ela tinha que ser operada de urgência pois corria o risco de uma peritonite. Tinha que a levar para o hospital. No Zimbabwe como em Angola existem milhares de minas terrestres espalhadas pelos campos. Nunca cheguei ao hospital com aquela criança. Fui vítima de uma mina. Perdi a perna esquerda até à parte de cima do joelho. Estive mal. Não apenas no físico, mas também psicologicamente. Não conseguia aceitar. A minha perna esquerda não existe. É uma prótese. Só os meus pais o sabem, mas nem eles nunca me viram sem roupa. É por isso que não te posso oferecer um futuro. Não sei viver com a compaixão, não suportaria ver pena nos teus olhos, quando me visses nu.




16 comentários:

Emília Pinto disse...

Tudo esclarecido entre os dois. Agora falta só deixarem que as feridas cicatrizem. E tu, Elvira, como estás? Espero que estejas bem e aqueles problemas de saúde tenham sido resolvidos, Um beijinho e uma boa semana, com a tua Margarida. Amanhã vou ter aqui a minha Beatriz. Teve uma febrita ( n sabemos o motivo ) e não vai à escola
Boa noite
Emilia

noname disse...

Espero que seja o amor e não o infortunio que os vá unir. Porque o amor deses dois, continua lá.

Boa noite, Elvira

Pedro Coimbra disse...

Duas almas doridas e sofridas que se reencontram.
Boa semana

Tintinaine disse...

Que grande problema que o Sr. Dr. arranjou! E eu a pensar que foi a outra "perninha" que deixou de funcionar!
Continua o mau tempo, dizem as notícias, com chuva e frio. Mau tempo? Então não é a chuva que todos queremos? Esta gente dos jornais não sabe o que diz!
Boa semana!

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Estou a gostar.
Um abraço e boa semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros

chica disse...

Tudo esclarecido entre eles, tantas coisas a falar.Agora podem pensar em mais momentos bons viver. beijos, chica

Maria João Brito de Sousa disse...

Ambos feridos e mutilados... saberão compreender e aceitar as mútuas cicatrizes.

Forte abraço, Elvira!

Jaime Portela disse...

A falar é que a gente se entende...
Continuo a gostar da história e da maneira como a conta.
Boa semana, amiga Elvira.
Beijo.

Cidália Ferreira disse...

Um episodio tenso mas gostei bastante!
~~
As gotículas parecem pedras preciosas

Beijos. Votos de uma execlente semana.

Isabel disse...

Olá minhAa querida Elvira
Que história triste mas muito actual.... infelizmente nem sempre deixa marcas fisicas mas deixa marcas psicologicamente profundas.
Que benção não conhecer essa realidade, por isso todos os dias agradeço o que tenho.
Grata por fazer-me lembrar, ainda mais, de tudo o que tenho.
Até sempre

Teresa Isabel Silva disse...

Passando para acompanhar! Os meus parabéns!

Bjxxx
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Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Ambos desabafaram e nada impedirá de que o amor que os une se intensifique e sejam felizes.
Beijinhos e boa semana.
Ailime

teresadias disse...

De desabafo em desabafo chegarão a uma reconciliação. Será?!
Elvira, é uma magnífica contadora de histórias. E esta, muito bem urdida e escrita, é lindo demais. Parabéns!
Bjs.

Rosemildo Sales Furtado disse...

A felicidade de dois seres que se amam não pode ser impedida pela falta de uma perna dele, nem por algumas cicatrizes dela.

Abraços,

Furtado

João Santana Pinto disse...

Dois seres de dor e duas pessoas que merecem o mundo e que felizmente voltaram a encontrar-se e estão a solidificar o presente, a preparar o futuro e a espantar fantasmas do passado.
Abraço, vou continuar

Lúcia Silva Poetisa do Sertão disse...

Tudo esclarecido, basta agora cada um afastar seus temores e se entregarem à força do amor que nunca morreu em seus corações. Beijos!