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23.12.20

CONTOS DE NATAL




UMA CADELINHA CHAMADA "NATAL" 



O ano do meu décimo aniversário foi também o primeiro ano em que toda a nossa família tinha emprego.

 

O meu pai fora dispensado do seu emprego de sempre, mas encontrara trabalho de pintura e carpintaria um pouco por toda a cidade. A minha mãe costurava vestidos elegantes e fazia tartes para fora, e eu trabalhava depois das aulas e aos fins de semana para a Srª. Brenner, uma vizinha que fazia criação de cães da raça cocker spaniel. Eu adorava o meu trabalho, principalmente o ter de cuidar e de alimentar ninhadas de travessos cachorrinhos. E, com um certo orgulho, dava tudo o que ganhava à minha mãe para ajudar nas despesas. Mas o trabalho era tão divertido que tê-lo-ia mesmo feito sem receber qualquer pagamento.

 

Durante esses “tempos difíceis”, sentia-me perfeitamente à vontade ao usar vestidos de lojas baratuchas e calças de ganga já muito coçadas. E dizia adeus aos cachorrinhos que partiam para as famílias abastadas sem qualquer pena.

 

Mas tudo isso mudou quando uma ninhada chegou ao canil.

 

Eram seis e seriam os últimos cachorros disponíveis para venda até ao Natal.

 

Quando os ia alimentar pela primeira vez…, o meu coração balançou. Uma cachorrinha de pelo brilhante e avermelhado, com tristes olhos castanhos, abanou a cauda e inclinou-se para a frente para me saudar.

 

— Parece que já tens aqui uma amiga! — sorriu a Srª. Brenner. — Vais ficar encarregada da alimentação dela.

 

“Natal,” murmurei, segurando a cadelinha bem junto a mim. Senti imediatamente que ela era especial. E cada dia reforçava mais ainda um inexplicável laço entre nós. O Natal aproximava-se e, uma noite ao jantar, dei por mim toda entusiasmada a enaltecer, pela centésima vez, as qualidades especiais da Natal.

 

— Ouve, filha.— O meu pai pousou o garfo. — Talvez um dia possas ter um cachorrinho só teu, mas os tempos agora são difíceis. Sabes que fui dispensado na fábrica. Se não fosse o trabalho que tive este mês com a remodelação da cozinha da Srª. Brenner, não sei o que faríamos.

 

— Eu sei, Pai, eu sei — murmurei.

 

Não conseguia suportar a expressão de dor na cara dele.

 

— Vamos ter de enfrentar com coragem este novo ano — suspirou.

 

Na véspera de Natal, só a Natal e um macho grande sobravam.

 

— Vêm buscá-los mais tarde — explicou a Srª. Brenner. — Conheço a família que vai levar a Natal — continuou ela. — Vai ser criada com imenso amor.

 

“Ninguém poderá amá-la tanto como eu”, pensei. “Ninguém.”

 

— Poderias vir amanhã de manhã? Vou desmamar alguns cachorrinhos novos no dia a seguir ao Natal. Limpas o chão com óleo de pinheiro e montas uma caminha fresca para a nova ninhada. Poderias fazer-me o enorme favor de alimentar também os cães do canil? Vou ter a casa cheia de visitas. Oh, e pede ao teu pai que passe aqui contigo. Uma das portas de um armário da cozinha precisa de um ligeiro ajuste. Que belo trabalho ele tem feito!

 

Acenei com a cabeça, mal conseguindo concentrar-me nas palavras. Os novos cachorrinhos seriam lindos, mas nunca haveria outra Natal. Nunca! A ideia de outra pessoa a criar a minha cachorrinha era demasiado difícil de aguentar.

 

Na manhã de Natal, depois da missa, abrimos os nossos escassos presentes.

 

A minha mãe reinventou o avental que eu lhe tinha feito com as minhas economias, dando-lhe um estilo de vestido parisiense. O meu pai delirou com a pulseira de relógio que lhe ofereci (nem sequer era de couro verdadeiro, mas ele substituiu logo a sua pulseira já puída e ficou a admirar a nova como se fosse de ouro). Deram-me um lindo livro e eu abracei os dois.

 

Nem sequer tinham presentes para dar um ao outro. Que Natal tão triste! Mas os três fingíamos que assim não era. Depois do pequeno-almoço, o meu pai e eu mudámos de roupa para ir a casa da Srª. Brenner. No curto passeio, cumprimentámos e conversámos com os vizinhos que passavam, mas evitávamos deliberadamente os assuntos “Natal” e “cachorrinhos”.

 

O meu pai acenou-me um adeus enquanto se dirigia para a porta da cozinha dos Brenner.

 

Fui diretamente à casota dos cachorrinhos, no pátio de trás. Estava tudo estranhamente silencioso: nada de rosnados, de tímidos latidos e nem sequer o farfalhar do papel. Tudo parecia tão triste e sombrio como eu! O meu cérebro deu ordem para começar a limpeza, mas lá no fundo do meu coração só queria sentar-me no chão vazio e gritar.

 

É engraçado olhar para trás, para os dias da infância. Alguns acontecimentos são vagos, os detalhes são incompletos e as caras indefinidas. Mas lembro-me tão claramente de voltar para casa nessa tarde de Natal! De entrar na cozinha, com o aroma do assado a cozinhar lentamente no fogão… Lembro-me da minha mãe a clarear a garganta e a chamar pelo meu pai, que apareceu subitamente à entrada da sala de jantar.

 

Com a rouquidão na voz, ele sussurrou: “Feliz Natal, filha!” E, sorrindo, pousou suavemente a Natal, embrulhada num laço vermelho, nos meus braços. O amor dos meus pais por mim misturou-se com o meu amor arrebatador pela Natal e jorrou do meu coração, como uma radiante fonte de alegria. Nesse momento, aquele Natal tornou-se, sem sombra de dúvida, o Natal mais belo que jamais vivi!

 

Toni Fulco

 

Jack Canfield & Mark Victor Hansen

Chicken Soup for the Soul – Christmas Cheer

Chicken Soup for the Soul Publishing, LLC, 2008

(Tradução e adaptação),


12 comentários:

brancas nuvens negras disse...

Estou aqui para lhe desejar Festas Felizes e que tudo corra bem e com saúde.
Um abraço amigo.

chica disse...

Que amor!Temos um Natal diferente pela frente.
Mas temos de encará-lo assim como nos impõe os novos padrões.
Porém, podemos fazê-lo com muito carinho e esperança.
Que em 2021 novos desafios sejam realizados.
Que assim seja! beijos, tudo de bom,chica

Tintinaine disse...

Cães e cavalos são os bichos de que eu gosto mais! Pena não poder levar o cavalo para a Sala de Estar, como faço com o cão!

Fatyly disse...

Que maravilhoso conto. Obrigada pela partilha.

Beijocas

Ailime disse...

Boa tarde Elvira,
Um conto de Natal muito belo, repleto de ternura e amor.
Um beijinho,
Ailime

Mau-tempo disse...

a passar para lhe desejar Feliz Natal. abraços.

Edum@nes disse...

Esse conto gostei de ler,
até ao fim sem pestanejar
todavia, sem me aborrecer
com orgulho estou a contar!

Desejo para si amiga Elvira e para sua família, Feliz Natal. Com esperança de que o ano que aí vem, sem pandemia, seja vivido em liberdade como tem sido em anos anteriores. Com saúde, paz, amor e alegria. Um abraço.

Teresa Isabel Silva disse...

Passando por aqui para deixar os meus votos de um feliz natal!

Bjxxx
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Gracita disse...

Olá Elvira
Um belo conto pleno de ternura e amor incomensurável
Desejo que as boas energias do Natal e Ano Novo estejam presentes em sua vida todos os dias do novo ano!
Beijinhos

Toninho disse...

Maravilhoso e emocionante conto de Natal da Natal de uma familia simples de vida simples, mas de muito amor e cooperação.
Que Natal seja alegre para uma leveza no novo ano amiga.
Abraços com carinho.

teresadias disse...

Lindo conto ternurento de Natal.
Elvira, venho desejar-lhe uma Santa Consoada e um Novo Ano pleno de paz, felicidade, amor e saúde.
Beijo

Tais Luso de Carvalho disse...

Querida Elvira, que conto, amiga!!! Pegou-me, terminei com a garganta travada, com muita emoção, coloquei-me no lugar da menina, e como sempre tive cães, desde criança, senti todo o drama contado! Maravilhoso, muita emoção da família, da menina.
Deixo meus votos de um bom Natal junto à família e um novo ano com muita saúde, paz e esperança!
Meu carinho querida amiga, em 2021...juntas!
Beijinho.