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15.12.22

CONTOS DE NATAL - RAMALHO ORTIGÃO - NATAL MINHOTO - PARTE II

 

Sabia em que casais se bebia o melhor leite nas manhãs de Verão, e em que rios se pescavam à linha os salmões mais saborosos e as mais volumosas trutas. Constava-lhe cada manhã em que outeiros cobertos de urze, de cardos, de ásperas moitas de tojo e de espessos fetos tinha ficado de véspera a revoada das perdizes. Conhecia os diferentes vinhos selvagens, que se vendiam na sombria frescura interior das tabernas recolhidas nos cotovelos das brancas estradas cobertas de sol, nos recostas das empinadas ladeiras tortuosas, e nas desembocaduras das longas pontes de madeira de pinho.

Sabia os nomes dos abades. E ainda agora, depois de uma ausência de bastantes anos, pensando nisso e fechando os olhos, torna em espírito a ver as viçosas várzeas, as frescas matas das terras fundas, sonoras dos murmúrios da água corrente na rega ou caindo nas levadas e nas azenhas; a forte vegetação dos milhos e dos castanheiros; e, acompanhados de um pequeno pastor imundo, a cavalo numa velha égua lãzuda, alguns poucos bois magros de trabalho e de fadiga atravessando lentamente o ribeiro, mugindo com saudosa melancolia, ou abeberando-se inclinados e humildes na frescura da corrente.

Depois, nos terrenos altos, os pinhais, as encruzilhadas das estradas com os seus cruzeiros de granito, as caixas das esmolas para as almas, o tosco nicho na forma de um armário de cozinha, talhado em arco, tendo em frente a sua lanterna enfumada, encanastrada num a rede de ferro e chumbada ao alto do nicho por um gancho; e, disseminados pelos caminhos recurvos e acidentados, os pequenos eirados seguros em esteios de pedra com os parapeitos pintados de vermelhão; os alpendres dos ferradores, onde os pardais debicam nos beirais do telhado; as choças cobertas de colmo, eternamente envoltas em fumo, ao pé das eiras em que se erguem as medas O objeto do culto, da admiração, do entusiasmo, do enlevo dos pequenos do meu tempo era o velho presépio, tão ingénuo, tão profundamente infantil, tão cheio de coisas risonhas, pitorescas, festivas, inesperadas.

Era uma grande montanha de musgo, salpicada de fontes, de cascatas, de pequenos lagos, serpenteada de estradas em ziguezagues e de ribeiros atravessados de pontes rústicas.

Em baixo, num pequeno tabernáculo, cercado de luzes, estava o divino bambino, louro, papudinho, rosado como um morango, sorrindo nas palhas do seu rústico berço, ao bafo quente da benigna natureza representada pela vaca trabalhadora e pacífica e pela mulinha de olhar suave e terno. A Santa Família contemplava em êxtase de amor o delicioso recém-nascido, enquanto os pastores, de joelhos, lhe ofereciam os seus presentes, as frutas, os frângões, o mel, os queijos frescos.

A grande estrela de papel dourado, suspensa do teto por um retrós invisível, guiava os três magos, que vinham a cavalo descendo a encosta com as suas púrpuras nos ombros e as suas coroas na cabeça. Melchior trazia o ouro, Baltasar a mirra, e Gaspar vinha muito bem com o seu incenso dentro de um grande perfumador de família, dos de queimar pelas casas a alfazema com açúcar ou as cascas secas das maçãs camoesas.

Atrás deles seguia a cristandade em peso, que se afigurava descendo do mais alto do monte em direção ao tabernáculo. Nessa imensa romagem do mais encantador anacronismo, que variedade de efeitos e de contrastes! Que contentamento! Que alegria! Que paz de alma! Que inocência! Que bondade!

6 comentários:

Pedro Coimbra disse...

Conheço aqui porque antes não conhecia.

chica disse...

Muito lindo,Elvira! beijos, ótimo dia, esperando que estejas bem! chica

Tintinaine disse...

Essa descrição fez-me recordar o presépio da igreja onde fui baptizado. Para mim foi o presépio mais lindo que alguma vez vi.

Emília Pinto disse...

Sou do Minho, Elvira e revi-me neste conto, principamente no presépio Musgo catado nas bouças e um galho de pinheiro faziam a nossa delicia, minha e do meu irmão que juntos preparavamos o presépio, dias antes do Natal E o da igreja? Uma maravilha ! Hoje, começa-se tão cedo que, quando chega o dia, já nem reparamos na árvore. Obrigada, Elvira, por me lembrares o Natal da minha infância. Espero que estejas bem dos olhos. Beijinhos
Emilia

Fatyly disse...

Não conhecia e fiquei encntada.
Beijos e um bom dia com o desejo que estejas melhor!

Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Estou a ler os dois capítulos que me faltavam desta narrativa muito bela.
Beijinhos e boas melhoras.
Ailime