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9.12.22

CONTOS DE NATAL - O SUAVE MILAGRE - PARTE IV


 As suas armas, de noite, brilhavam no topo das colinas, por entre a chama ondeante dos archotes erguidos. De dia invadiam os casais, rebuscavam a espessura dos pomares, esfuracavam com a ponta das lanças a palha das medas; e as mulheres, assustadas, para amansar logo acudiam com bolos de mel, figos novos, e malgas cheias de vinho, que eles bebiam dum trago, sentados à sombra dos sicómoros. Assim correram a Baixa Galiléia - e, do Rabi, só encontravam o sulco luminoso nos corações. 


Enfastiados com as inuteis marchas, desconfiando que os judeus sonegassem o seu feiticeiro para que Romanos não aproveitassem do superior feitiço, derramavam com tumulto a sua cólera, através da piedosa terra submissa. A entrada das pontes detinham os peregrinos, gritando o nome do Rabi, rasgando os véus às virgens: e, à hora em que os cantaros se enchem nas cisternas invadiam as ruas estreitas dos burgos, penetravam nas sinagogas e batiam, sacrilegamente com os punhos das espadas nas Thebahs, os Santos Armadios de cedro que continham os Livros Sagrados. 

Nas cercanias de Hebron arrastaram os solitarios pelas barbas para fora das grutas, para lhes arrancar o nome do deserto ou do palmar em que se ocultava o Rabi; - e dois mercadores fenícios que vinham de Jopé com uma carga de malobatro, e a quem nunca chegara o nome de Jesus, pagaram por esse delito cem dramas a cada centurião. 

Já as gentes dos campos, mesmo os bravios pastores de Idumea, que levam as reses brancas para o Templo, fugiam espavoridos para as serranias apenas luziam nalguma volta do caminho as armas do banco violento. E da beira dos eirados, as velhas sacudiam como taleigos a ponta dos cabelos desgrenhados, e arrojavam sobre eles as Más-Sortes, invocando a vingança de Elias. Assim tumultuosamente erraram até Ascalon; não encontraram Jesus: e retrocederam ao longo da costa enterrando as sandálias nas areias ardentes.

Numa madrugada, perto de Cesarea, marchando num vale, avistaram sobre um outeiro um verde-negro bosque de loureiros, onde alvejava, recolhidamente, o fino e claro pórtico dum templo. Um velho, de compridas barbas brancas, coroado de folhas de louro, vestido com uma túnica cor de açafrão, segurando uma curta lira de três cordas, esperava gravemente, sobre os degraus de mármore, a aparição do Sol. Debaixo, agitando um ramo de oliveira, os soldados bradaram pelo sacerdote. Conhecia ele um novo profeta que surgira na Galileia, e tão destro em milagres que ressuscitava os mortos e mudava a água em vinho? Serenamente, alargando os braços, o sereno velho exclamou por sobre a rociada verdura do vale:

- Oh romanos, pois acreditais que em Galileia ou Judeia apareçam profetas consumando milagres? Como pode um bárbaro alterar a ordem instituída por Zeus?... Mágicos e feiticeiros são vendilhões, que murmuram palavras ocas, para arrebatar a espórtula dos simples... Sem a permissão dos Imortais nem um galho seco pode tombar da árvore, nem seca folha pode ser sacudida na árvore. Não há profetas, não há milagres... Só Apolo Delfico conhece o segredo das coisas!

Então, devagar, com a cabeça derrubada, como uma tarde de derrota, os soldados recolheram à fortaleza de Cesarea. E grande foi o desespero de Septimus, porque sua filha morria, sem um queixume, olhando o mar de Tiro - e todavia a fama de Jesus, curador dos lânguidos males, crescia, sempre consoladora e fresca, como a margem da tarde que sopra do Hermon e, através dos hortos, reanima e levanta os açucenas pendidas.

11 comentários:

Pedro Coimbra disse...

Verdadeira prosa poética.
Bfds

Tintinaine disse...

O Rabi da Galileia deu muito que falar! E o falatório continua a ouvir-se ainda, um pouco por todo o lado!
E os olhos?

Isa Sá disse...

Obrigada por partilhar esse contos de Natal.
Isabel Sá
Brilhos da Moda

chica disse...

Muito lindo! Como estão teus olhos? beijos, lindo fds! chica

Fatyly disse...

Só o Eça escreveria tão bela prosa.
Beijos e um bom sábado

São disse...

A esplêndida prosa de Eça bum excelente escolha, amiga!

Beijinhos com votos de feliz quadra festiva, Natal com muita paz e amor e um óptimo 2023.

- R y k @ r d o - disse...

Conto lindíssimo que muito gostei de ler. Deixo o meu encanto e elogio.
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Feliz fim de semana ... Cumprimentos poéticos
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Emília Pinto disse...

Não só para te agradecer os belos contos de Natal, mas, especialmente para te desejar que a consulta de amanhã te dê esperanças de recuperação dos teus olhos. Que te corra bem e que venhas satisfeita com os resultados. Um beijinho, muito, muito especial
Emilia 🙏 ♥️

Cidália Ferreira disse...

O Conto vai agradando bastante! Obrigada, Elvira!!
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Coisas de uma vida...
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Beijo. Boa noite!

Ana Freire disse...

Maravilhosa partilha, Elvira! Fui atrás, para acompanhar este notável conto, desde o início!
Um beijinho! Estimando as suas rápidas melhoras, Elvira! Continuação de um bom fim de semana!
Ana

teresadias disse...

Capítulo emocionante.
Bjs.