Sabia em que casais se bebia o melhor leite nas manhãs de Verão, e em que rios se pescavam à linha os salmões mais saborosos e as mais volumosas trutas. Constava-lhe cada manhã em que outeiros cobertos de urze, de cardos, de ásperas moitas de tojo e de espessos fetos tinha ficado de véspera a revoada das perdizes. Conhecia os diferentes vinhos selvagens, que se vendiam na sombria frescura interior das tabernas recolhidas nos cotovelos das brancas estradas cobertas de sol, nos recostas das empinadas ladeiras tortuosas, e nas desembocaduras das longas pontes de madeira de pinho.
Sabia os nomes dos abades. E ainda agora, depois de uma
ausência de bastantes anos, pensando nisso e fechando os olhos, torna em
espírito a ver as viçosas várzeas, as frescas matas das terras fundas, sonoras
dos murmúrios da água corrente na rega ou caindo nas levadas e nas azenhas; a
forte vegetação dos milhos e dos castanheiros; e, acompanhados de um pequeno
pastor imundo, a cavalo numa velha égua lãzuda, alguns poucos bois magros de
trabalho e de fadiga atravessando lentamente o ribeiro, mugindo com saudosa
melancolia, ou abeberando-se inclinados e humildes na frescura da corrente.
Depois, nos terrenos altos, os pinhais, as encruzilhadas das
estradas com os seus cruzeiros de granito, as caixas das esmolas para as almas,
o tosco nicho na forma de um armário de cozinha, talhado em arco, tendo em
frente a sua lanterna enfumada, encanastrada num a rede de ferro e chumbada ao
alto do nicho por um gancho; e, disseminados pelos caminhos recurvos e
acidentados, os pequenos eirados seguros em esteios de pedra com os parapeitos
pintados de vermelhão; os alpendres dos ferradores, onde os pardais debicam nos
beirais do telhado; as choças cobertas de colmo, eternamente envoltas em fumo,
ao pé das eiras em que se erguem as medas O objeto do culto, da admiração, do
entusiasmo, do enlevo dos pequenos do meu tempo era o velho presépio, tão
ingénuo, tão profundamente infantil, tão cheio de coisas risonhas, pitorescas,
festivas, inesperadas.
Era uma grande montanha de musgo, salpicada de fontes, de
cascatas, de pequenos lagos, serpenteada de estradas em ziguezagues e de
ribeiros atravessados de pontes rústicas.
Em baixo, num pequeno tabernáculo, cercado de luzes, estava
o divino bambino, louro, papudinho, rosado como um morango, sorrindo nas palhas
do seu rústico berço, ao bafo quente da benigna natureza representada pela vaca
trabalhadora e pacífica e pela mulinha de olhar suave e terno. A Santa Família
contemplava em êxtase de amor o delicioso recém-nascido, enquanto os pastores,
de joelhos, lhe ofereciam os seus presentes, as frutas, os frângões, o mel, os
queijos frescos.
A grande estrela de papel dourado, suspensa do teto por um
retrós invisível, guiava os três magos, que vinham a cavalo descendo a encosta
com as suas púrpuras nos ombros e as suas coroas na cabeça. Melchior trazia o
ouro, Baltasar a mirra, e Gaspar vinha muito bem com o seu incenso dentro de um
grande perfumador de família, dos de queimar pelas casas a alfazema com açúcar
ou as cascas secas das maçãs camoesas.
Atrás deles seguia a cristandade em peso, que se afigurava descendo
do mais alto do monte em direção ao tabernáculo. Nessa imensa romagem do mais
encantador anacronismo, que variedade de efeitos e de contrastes! Que
contentamento! Que alegria! Que paz de alma! Que inocência! Que bondade!
6 comentários:
Conheço aqui porque antes não conhecia.
Muito lindo,Elvira! beijos, ótimo dia, esperando que estejas bem! chica
Essa descrição fez-me recordar o presépio da igreja onde fui baptizado. Para mim foi o presépio mais lindo que alguma vez vi.
Sou do Minho, Elvira e revi-me neste conto, principamente no presépio Musgo catado nas bouças e um galho de pinheiro faziam a nossa delicia, minha e do meu irmão que juntos preparavamos o presépio, dias antes do Natal E o da igreja? Uma maravilha ! Hoje, começa-se tão cedo que, quando chega o dia, já nem reparamos na árvore. Obrigada, Elvira, por me lembrares o Natal da minha infância. Espero que estejas bem dos olhos. Beijinhos
Emilia
Não conhecia e fiquei encntada.
Beijos e um bom dia com o desejo que estejas melhor!
Boa noite Elvira,
Estou a ler os dois capítulos que me faltavam desta narrativa muito bela.
Beijinhos e boas melhoras.
Ailime
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