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16.12.22

CONTOS DE NATAL - RAMALHO ORTIGÃO - NATAL MINHOTO - PARTE III







Tudo bailava em chulas populares, em velhas danças mouriscas, em bailados à la moda ou à meia volta, em ingénuas gaivotas, em finos minuetes de anquinhas e de bico de pé afiambrado.

Tudo ria, tudo cantava nesses deliciosos magotes de festivais romeiros de todas as idades, de todas as profissões, de todos os países, de todos os tempos! Os cegos tocando as suas sanfonas; os pretos pulando uma sarabanda; os galegos com com o peru, com o vitelo ou com o bacorinho às costas; o aguadeiro com o a sua gaite-de-fole dançando a munem; a saloia de carapuça de bico e de saiote encarnado, trazendo o cesto com ovos; o saloio eu barril novo; o ceifeiro com a sua fouce e o seu feixe de trigo; o lenheiro carregando o cepo sagrado para a fogueira da Missa do Galo; o pequeno saboiano com a sua marmota; o tocador de realejo dando à manivela do seu

instrumento; o pastor com um borrego ou um chibo debaixo do braço; o passarinheiro com as suas esparrelas e o seu alçapão com um melro dentro; a manola com o seu leque e a sua mantilha sevilhana traçada na cinta; o maioral tocando a guitarra sentado no garrido albardão da sua mula; os gitanos entoando a seguidilha; numerosos rebanhos, de perus, de patos, de anhos, de porcos e de cabritos; e muitas personagens, de variegados trajos exóticos, tangendo pandeiros, adufes e castanhetas, como nos autos pastoris, nos colóquios e nos vilancicos, antigamente representados diante das lapinhas nas catedrais da Idade Média.

Alguns — os mais ricos presépios — tinham corda interior fazendo piar passarinhos que voavam de um lado para o outro, mexiam as asas e davam bicadas nas fontes de vidros, em que caía uma água também de vidro, fingida com um cilindro que andava à roda por efeito de misterioso maquinismo. Todas essas figuras do antigo presépio da minha infância tinham uma ingénua alegria primitiva, patriarcal, como devia ser a de David dançando na presença de Saul. Dessas boas caras de páscoas, algumas modeladas por inspirados artistas obscuros, cuja tradição se perdeu, exalava -se um júbilo comunicativo como de uma grande aleluia.

Um outro menino — não o do tabernáculo, que esse estava seguro ao berço com um parafuso —, um menino maior, sobre uma toalha bordada, era trazido em roda e recebia sobre os seus diminutos pés polpudos, saudáveis, rubenescos, a enfiada de beijos de todas as pequenas bocas inocentes, vermelhas, afiladas em bico, gulosas dos refeguinhos daquele pequenino Deus tão louro, tão manso, tão lindo! Depois celebrava-se a ceia, o mais solene banquete da família minhota.

Tinham vindo os filhos, as noras, os genros, os netos. Acrescentava-se a mesa.

Punha-se a toalha grande, os talheres de cerimónia, os copos de pé, as velhas garrafas douradas. Acendiam mil luzes nos castiçais de prata. As criadas, de roupinhas novas, iam e vinham ativamente com as rimas de pratos, contando os talheres, partindo o pão, colocando a fruta, desrolhando as garrafas.

Os que tinham chegado de longe nessa mesma noite davam abraços, recebiam beijos, pediam novidades, contavam histórias, acidentes da viagem; os caminhos estavam uns barrocais medonhos; e falavam da saraivada, da neve, do frio da noite, esfregando as mãos de satisfação por se acharem enxutos, agasalhados, confortados, quentes, na expectativa de uma boa ceia, sentados no velho canapé da família.

E o nordeste assobiava pelas fisgas das janelas; ouvia-se ao longe bramir o mar ou zoar a carvalheira, enquanto da cozinha, onde ardia no lar a grande fogueira, chegava num respiro tépido o aroma do vinho quente fervido com mel, com passas de Alicante e com canela. Finalmente o bacalhau guisado, como a brandade da Provença, dava a última fervura, as frituras de abóbora-menina, as rabanadas, as orelhas-deabade tinham saído da frigideira e acabavam de ser empilhadas em pirâmide nas travessas grandes.

Uma voz dizia:

— Para a mesa! Para a mesa!

6 comentários:

Pedro Coimbra disse...

Não sendo minhotos os meus avós paternos era muito isso que tinham em casa nesta época do ano.
Bfds

Isa Sá disse...

Confesso que esta época de Natal já não me diz grande coisa...preferia avançar os dias...
Isabel Sá
Brilhos da Moda

Fatyly disse...

Gostei bastante!
Beijos e um bom dia

- R y k @ r d o - disse...

Contos, lendas, têm sempre algo de verdadeiro. Gostei de ler.
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FELIZ NATAL … BOAS FESTAS
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Cidália Ferreira disse...

Que bonito!! :))
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Quero, abraçar a vida com benevolência...
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Beijo, bom fim-de-semana

Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Dá gosto ler esta descrição do Natal de tempos idos.
Vivia-se mais a essência do Natal em comunhão com a família.
Um beijinho e saúde.
Ailime