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5.12.22

CONTOS DE NATAL - O SUAVE MILAGRE - PARTE I





Nesse tempo Jesus ainda se não afastara da Galileia e das doces, luminosas margens do Lago de Tiberíade: - mas a nova dos seus milagres penetrara já até Enganim, cidade rica, de muralhas fortes, entre olivais e vinhedos, no país de Issacar.

Uma tarde um homem de olhos ardentes e deslumbrados passou no fresco vale, e anunciou que um novo profeta, um rabi formoso, percorria os campos e as aldeias da Galileia, predizendo a chegada do reino de Deus, curando todos os males humanos. 

E enquanto descansava sentado à beira da Fonte dos Vergéis, contou ainda que esse rabi, na estrada de Magdala, sarara da lepra o servo dum decurião romano só com estender sobre ele a sombra das suas mãos; e que noutra manhã, atravessando numa barca para a terra dos Gerassênios, onde começava a colheita do bálsamo, ressuscitara a filha de Jaira, homem considerável e douto que comentava os Livros na Sinagoga. 

E como em redor, assombrados, seareios, pastores, e as mulheres trigueiras com a bilha no ombro, lhe perguntassem se esse era, em verdade, o Messias da Judeia e se diante dele refulgia a espada de fogo, e se o ladeavam, caminhando como as sombras de duas torres, as sombras de Gog e de Magog - o homem, sem mesmo beber daquela água tão fria de que bebera Josué, apanhou o cajado, sacudiu os cabelos, e meteu pensativamente por sob o aqueduto, logo sumido na espessura das amendoeiras em flor. 

Mas uma esperança, deliciosa como o orvalho nos meses em que canta a cigarra, refrescou as almas simples: logo, por toda a campina que verdeja até Ascalon, o arado pareceu mais brando de enterrar, mais leve de mover a pedra do lagar; as crianças, colhendo ramos de anémonas, espreitavam pelos caminhos se além, da esquina do muro, ou de sob o cicómoro, não surgiria uma claridade; e nos bancos de pedra, às portas da cidade, os velhos, correndo os dedos pelos fios das barbas, já não desenrolavam, com tão sapiente certeza, os ditames antigos.

Ora então vivia em Enganim um velho, por nome Obed, duma família pontifical de Samaria, que sacrificara nas aras do Monte Ebal, senhor de fartos rebanhos e de fartas vinhas - e com o coração tão cheio de orgulho como o seu celeiro de trigo. 

Mas um vento árido e abrasador, esse vento de desolação que ao mando do Senhor sopra das torvas terras de Assur, matara as reses mais gordas das suas manadas, e pelas encostas onde as suas vinhas se enroscavam no olmo, e se estiravam na latada airosa, só deixara, em torno dos olmos e pilares despidos, sarmentos, cepas mirradas, e a parra roída de crespa ferrugem. E Obed, agachado à soleira da sua porta, com a ponta do manto sobre a face, palpava a poeira, lamentava a velhice, ruminava queixumes contra Deus cruel.

5 comentários:

Jaime Portela disse...

Este conto é magnífico.
Ou não fosse o Eça a escrevê-lo...
Boa semana, amiga Elvira.
Beijo.

teresadias disse...

Magnífica partilha, amiga Elvira.
Fico à espera de mais.
Beijo, uma semana abençoada.

Maria João Brito de Sousa disse...

Obrigada por esta primeira parte do belíssimo conto do Eça, Elvira!

PAZ, SAÚDE e um forte abraço!

Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Lindíssimo conto.
Já o li há muitos anos e estou a gostar imenso, dado que já não o recordava.
Beijinhos e boa semana com saúde.
Ailime

Ana Freire disse...

Um conto que estou a adorar começar a acompanhar!
O título é-me muito familiar... pelo que tal como a Ailime, creio já o ter lido há uns tempos atrás!
Excelente partilha, Elvira!
Um beijinho! Noite feliz!
Ana