Gonçalo regressou ao gabinete e continuou a atender os
doentes, mas o rosto de Matilde não lhe saía da cabeça. Num breve intervalo sem
doentes, abriu a carteira e tirou uma fotografia observando-a de sobrolho
franzido. Era uma fotografia da sua irmã quando criança, mas qualquer um que a
visse diria que era daquela menina de nome Matilde Caldeira, que se encontrava
agora no bloco operatório. E aquela sensação esquisita que ele sentira dias
antes quando aquela mulher chocara com ele, junto à escola da sobrinha, e se
repetira horas antes ao vê-la junto da maca da filha?
Voltou a guardar a foto na carteira quando lhe trouxeram a
inscrição de um novo doente.
Algumas horas mais tarde, terminado o turno entrou no
automóvel, mas em vez de o pôr a trabalhar e se dirigir a casa, mais uma vez
retirou a foto da irmã da carteira e ficou observando-a pensativo. Não
conseguia tirar aquela menina do pensamento, aqueles olhos azuis tão brilhantes
e luminosos. Ele nunca vira outros assim a não ser na sua mãe e irmã. Aliás aquela
criança desconhecida, era mais parecida com a sua irmã, do que Sara, a filha
dela. Será que a sua mãe tinha algum familiar que ele desconhecia a viver em
Lisboa?
Saiu do carro e voltou ao hospital. Tinha de falar com
aquela mulher. Talvez ela pensasse que ele tinha enlouquecido, mas conhecia-se.
Sabia que não iria conseguir sossegar sem saber se a menina e a mãe tinham
alguma ligação à sua família. Subiu ao terceiro andar, onde esperava encontrar
as duas, pois tinha visto no computador que a laparoscopia tinha terminado duas
horas antes e a mãe deveria estar com ela até às vinte, hora limite das
visitas.
Ainda não sabia bem como iria abordar o assunto, talvez a
mulher pensasse que ele estava louco, mas algo dentro de si lhe dizia que fosse
em frente.
Entrou no quarto e com um rápido olhar, verificou que a
paciente dormia, enquanto a mãe se encontrava sentada num cadeirão junto à
janela.
Leu rapidamente as anotações na papeleta aos pés da cama,
vendo pelo canto do olho como a mulher se punha de pé, mas não se aproximava.
Teve a certeza que apesar de já não ter a bata nem o estetoscópio ela o
reconhecera como o médico que mandara a filha para a cirurgia. Ficara muito
nervosa.
-- Aconteceu alguma coisa com a minha filha, doutor? -
perguntou com voz rouca. - Ela está bem, não está?
- Está, não se preocupe. Aliás não estou aqui como médico,
o meu turno já terminou. Preciso de falar consigo de algo que é de vital
importância para mim, mas este não é o local nem a hora. Queria apenas que me
prometesse que podemos conversar, quando a sua filha tiver alta.
- Se não tem a ver com a saúde dela, não entendo o que
possa ter a falar comigo, se mal nos conhecemos.
- Eu sei que parece loucura, e que estou a por em perigo o
meu emprego e a minha carreira, caso a senhora decida participar de mim, ou me
acuse de assédio, todavia juro-lhe que não lhe vou causar qualquer dano, nem
quero molestá-la de forma alguma.
Helena estava aterrorizada. Inicialmente pensara que ele
tivesse descoberto que Matilde era sua filha, mas logo afastou esse pensamento.
Percebeu que ele não se lembrava dela, e sentiu raiva de si própria por todos
os anos em que guardou as memórias daquele amor.
Ele caminhou até à janela. Apoiou as costas no parapeito e
fitou-a. Ela aguentou-lhe o olhar e viu nele tristeza e dor. Surpreendeu-se.
- Desde que chocou comigo naquele dia em frente à escola,
sinto-me confuso. Não consigo deixar de
pensar que de algum modo a senhora está ligada a mim, ou à minha família, mas
não consigo recordar de que maneira. E hoje ao conhecer a sua filha, o meu
coração disparou e a confusão aumentou. Não sei explicar, mas foi como se o
coração soubesse algo, que a memória desconhece.
Sentindo que as pernas ameaçavam deixar de lhe sustentar o
corpo, Helena sentou-se enquanto ele abria a carteira e retirava a foto da
irmã. Estendeu-lha.
-Por favor, senhora. Veja, esta foto.
Com a mão a tremer Helena pegou na foto e olhou. A
parecença com Matilde era assombrosa. Não fora as roupas e ela diria que de
algum modo ele tinha fotografado a sua filha.
- É… sua filha? – perguntou quase sem voz.
- Não tenho filhos, sou solteiro. É uma foto antiga da
minha irmã, mais ou menos com a idade da sua filha. Percebe a minha confusão, e
porque preciso falar consigo? – perguntou Gonçalo quando ela lhe devolveu a
foto.
Nesse momento Matilde gemeu e a mãe apressou-se a
dirigir-se para a cabeceira de cama, dizendo.
- Por favor, vá-se embora!
Sem responder ele saiu do quarto. Ela debruçada sobre a
cama da filha, sentiu um aperto no peito ao vê-lo sair com os ombros inclinados
como se carregasse nas costas, o peso de uma grande dor.
14 comentários:
Está complicado abrir o coração.
E revelar segredos.
Bom dia Elvira,
Gostei imenso deste episódio em que a sua imaginação e poder criativo estão bem patentes.
Vamos aguardar o desenrolar dos acontecimentos.
Beijinhos e ótimo dia.
Ailime
Bom dia, Elvira. Realmente os encontros e desencontros acontecem tanto na ficção como fora dela.
Um beijinho e um dia bom.
Não tarda nada, ela vai descobrir que 2 + 2 são quatro. A amnésia não é um problema assim tão raro e explica tudo aquilo que se passou no passado.
Bom dia, alegria!
Pode ser por caminhos tortos mas, isto vai-se cimpor.
Bom dia, Elvira
Esta história vai de vento em popa e espero que os seus olhos também, Elvira!
Forte abraço!
Tão intenso esse relacionamento...Tanto a resolver! Lindo dia! bjs, chica
Elvira, esta leitura emocionou-me.
Parabéns, pela escrita, pela riqueza de pormenores.
Beijo, fique bem.
Olá,
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Admiro, confesso, a capacidade da Elvira para escrever estes folhetins. E fá-lo, aparentemente, com uma facilidade extraordinária.
Muito bem, Elvira.
Abraço e muita saúde :)
Fantástico é este episódio. A ver vamos quantas voltas e quanto tempo demorará, ainda, até chegar ao fim da investigação?
Tenha uma boa noite amiga Elvira. Um abraço.
Não tarda e as coisas vão-se resolver para os dois. Mas já sei que vais andar aí a complicar tudo, para nunca mais vermos o "fundo ao tacho" rsrsrsrs.
Bjs
Conhecendo o passado acabamos por compreender as parecenças, o porquê da vizinhança, comprendemos os nomes de baptismo e tanta coisa mais...
As suas melhoras Elvira.
Elvira , venho aqui aos fins de semana para ter mais tempo de por a leitura em dia.
Os caminhos de ambos começam finalmente a ter um rumo comum. Estou bastante curiosa com este desenrolar .
Um abraço como o desejo que esteja bem de saúde.
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