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2.6.21

COMEÇAR DE NOVO - PARTE XIV

 


Gonçalo regressou ao gabinete e continuou a atender os doentes, mas o rosto de Matilde não lhe saía da cabeça. Num breve intervalo sem doentes, abriu a carteira e tirou uma fotografia observando-a de sobrolho franzido. Era uma fotografia da sua irmã quando criança, mas qualquer um que a visse diria que era daquela menina de nome Matilde Caldeira, que se encontrava agora no bloco operatório. E aquela sensação esquisita que ele sentira dias antes quando aquela mulher chocara com ele, junto à escola da sobrinha, e se repetira horas antes ao vê-la junto da maca da filha?

Voltou a guardar a foto na carteira quando lhe trouxeram a inscrição de um novo doente.

Algumas horas mais tarde, terminado o turno entrou no automóvel, mas em vez de o pôr a trabalhar e se dirigir a casa, mais uma vez retirou a foto da irmã da carteira e ficou observando-a pensativo. Não conseguia tirar aquela menina do pensamento, aqueles olhos azuis tão brilhantes e luminosos. Ele nunca vira outros assim a não ser na sua mãe e irmã. Aliás aquela criança desconhecida, era mais parecida com a sua irmã, do que Sara, a filha dela. Será que a sua mãe tinha algum familiar que ele desconhecia a viver em Lisboa?

Saiu do carro e voltou ao hospital. Tinha de falar com aquela mulher. Talvez ela pensasse que ele tinha enlouquecido, mas conhecia-se. Sabia que não iria conseguir sossegar sem saber se a menina e a mãe tinham alguma ligação à sua família. Subiu ao terceiro andar, onde esperava encontrar as duas, pois tinha visto no computador que a laparoscopia tinha terminado duas horas antes e a mãe deveria estar com ela até às vinte, hora limite das visitas.

Ainda não sabia bem como iria abordar o assunto, talvez a mulher pensasse que ele estava louco, mas algo dentro de si lhe dizia que fosse em frente.

Entrou no quarto e com um rápido olhar, verificou que a paciente dormia, enquanto a mãe se encontrava sentada num cadeirão junto à janela. 

Leu rapidamente as anotações na papeleta aos pés da cama, vendo pelo canto do olho como a mulher se punha de pé, mas não se aproximava. Teve a certeza que apesar de já não ter a bata nem o estetoscópio ela o reconhecera como o médico que mandara a filha para a cirurgia. Ficara muito nervosa.

-- Aconteceu alguma coisa com a minha filha, doutor? - perguntou com voz rouca. - Ela está bem, não está?

- Está, não se preocupe. Aliás não estou aqui como médico, o meu turno já terminou. Preciso de falar consigo de algo que é de vital importância para mim, mas este não é o local nem a hora. Queria apenas que me prometesse que podemos conversar, quando a sua filha tiver alta.

- Se não tem a ver com a saúde dela, não entendo o que possa ter a falar comigo, se mal nos conhecemos.

- Eu sei que parece loucura, e que estou a por em perigo o meu emprego e a minha carreira, caso a senhora decida participar de mim, ou me acuse de assédio, todavia juro-lhe que não lhe vou causar qualquer dano, nem quero molestá-la de forma alguma.

Helena estava aterrorizada. Inicialmente pensara que ele tivesse descoberto que Matilde era sua filha, mas logo afastou esse pensamento. Percebeu que ele não se lembrava dela, e sentiu raiva de si própria por todos os anos em que guardou as memórias daquele amor.

Ele caminhou até à janela. Apoiou as costas no parapeito e fitou-a. Ela aguentou-lhe o olhar e viu nele tristeza e dor. Surpreendeu-se.

- Desde que chocou comigo naquele dia em frente à escola, sinto-me confuso.  Não consigo deixar de pensar que de algum modo a senhora está ligada a mim, ou à minha família, mas não consigo recordar de que maneira. E hoje ao conhecer a sua filha, o meu coração disparou e a confusão aumentou. Não sei explicar, mas foi como se o coração soubesse algo, que a memória desconhece.

Sentindo que as pernas ameaçavam deixar de lhe sustentar o corpo, Helena sentou-se enquanto ele abria a carteira e retirava a foto da irmã. Estendeu-lha.

-Por favor, senhora. Veja, esta foto.

Com a mão a tremer Helena pegou na foto e olhou. A parecença com Matilde era assombrosa. Não fora as roupas e ela diria que de algum modo ele tinha fotografado a sua filha.

- É… sua filha? – perguntou quase sem voz.

- Não tenho filhos, sou solteiro. É uma foto antiga da minha irmã, mais ou menos com a idade da sua filha. Percebe a minha confusão, e porque preciso falar consigo? – perguntou Gonçalo quando ela lhe devolveu a foto.

Nesse momento Matilde gemeu e a mãe apressou-se a dirigir-se para a cabeceira de cama, dizendo.

- Por favor, vá-se embora!

Sem responder ele saiu do quarto. Ela debruçada sobre a cama da filha, sentiu um aperto no peito ao vê-lo sair com os ombros inclinados como se carregasse nas costas, o peso de uma grande dor.

 

14 comentários:

Pedro Coimbra disse...

Está complicado abrir o coração.
E revelar segredos.

Ailime disse...

Bom dia Elvira,
Gostei imenso deste episódio em que a sua imaginação e poder criativo estão bem patentes.
Vamos aguardar o desenrolar dos acontecimentos.
Beijinhos e ótimo dia.
Ailime

Maria Dolores Garrido disse...

Bom dia, Elvira. Realmente os encontros e desencontros acontecem tanto na ficção como fora dela.
Um beijinho e um dia bom.

Tintinaine disse...

Não tarda nada, ela vai descobrir que 2 + 2 são quatro. A amnésia não é um problema assim tão raro e explica tudo aquilo que se passou no passado.
Bom dia, alegria!

noname disse...


Pode ser por caminhos tortos mas, isto vai-se cimpor.

Bom dia, Elvira

Maria João Brito de Sousa disse...

Esta história vai de vento em popa e espero que os seus olhos também, Elvira!

Forte abraço!

chica disse...

Tão intenso esse relacionamento...Tanto a resolver! Lindo dia! bjs, chica

teresadias disse...

Elvira, esta leitura emocionou-me.
Parabéns, pela escrita, pela riqueza de pormenores.
Beijo, fique bem.

Simon Durochefort disse...

Olá,
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AC disse...

Admiro, confesso, a capacidade da Elvira para escrever estes folhetins. E fá-lo, aparentemente, com uma facilidade extraordinária.
Muito bem, Elvira.

Abraço e muita saúde :)

Edum@nes disse...

Fantástico é este episódio. A ver vamos quantas voltas e quanto tempo demorará, ainda, até chegar ao fim da investigação?

Tenha uma boa noite amiga Elvira. Um abraço.

lourdes disse...

Não tarda e as coisas vão-se resolver para os dois. Mas já sei que vais andar aí a complicar tudo, para nunca mais vermos o "fundo ao tacho" rsrsrsrs.
Bjs

aluap disse...

Conhecendo o passado acabamos por compreender as parecenças, o porquê da vizinhança, comprendemos os nomes de baptismo e tanta coisa mais...
As suas melhoras Elvira.

Fê blue bird disse...

Elvira , venho aqui aos fins de semana para ter mais tempo de por a leitura em dia.

Os caminhos de ambos começam finalmente a ter um rumo comum. Estou bastante curiosa com este desenrolar .

Um abraço como o desejo que esteja bem de saúde.