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25.5.20

ISABEL - PARTE IX


                                          Rua da Barroca - Foto minha


Encolheu os ombros, levantou-se e iniciou o regresso a casa, desta vez subindo a rua da Barroca. 
Apesar de se ter deitado cedo nessa noite, Isabel custou a adormecer.  O que mais lhe desagradava naquela cidade eram as noites demasiado barulhentas para o seu gosto. Contudo ela não costumava sofrer de insónias, e quase sempre depois de dez minutos de leitura estava pronta a entregar-se nos braços de Morfeu. Todavia naquele dia, a noite há muito entrara pela madrugada, e ela continuava a dar voltas e voltas na cama sem adormecer. As lembranças surgiam como fantasmas, avançando traiçoeiras a coberto da escuridão nocturna.
Nunca em vinte anos, elas a tinham atormentado, durante tanto tempo seguido, como nesse dia. Talvez porque estava de férias, ou quem sabe o seu cérebro estava a fazer uma catarse para se livrar de todas as mágoas que ela acumulou e guardou durante metade da sua vida. Talvez quem sabe para abrir lugar a novas emoções.
Recordou o dia em que terminou o Curso, a alegria dos seus velhos pais, apesar do ar cansado da mãe. Há dias que ela andava assim, mas quando Isabel perguntava se tinha alguma coisa, sempre respondia sorrindo. “Nada filha, não é nada. Ou melhor, é o peso dos anos”.
Bem cedo no dia seguinte, o pai bateu-lhe à porta do quarto, pedindo para ela ir ver a mãe que não acordava.
 Isabel saltou da cama, e ao chegar ao quarto dos pais,  logo se apercebeu de que algo grave tinha acontecido com a mãe. Chamou uma ambulância e preparou-se para a acompanhar  ao hospital.
Antes de sair, bateu à porta da vizinha e pediu se podia acompanhar o pai até que ela voltasse. Tinha medo de o deixar sozinho, mas só uma pessoa podia seguir na ambulância.
No hospital, depois de vários exames, foi-lhe dito que a mãe tivera um AVC, fruto talvez de uma diabetes descontrolada. Tinha sido feito tudo o que era possível, mas a mãe estava em coma. Informaram-na, das horas a que eram dadas as informações sobre os doentes na UCI e da hora a que podia vê-la durante escassos minutos. Agradeceu, agarrou no saco que uma enfermeira lhe trouxe com as roupas da mãe e chamou um táxi para regressar a casa.
Não sabia como dar a notícia ao pai. Ele estava quase a fazer oitenta anos, e estava casado há mais de cinquenta. Desde que se lembrava de ser gente, Isabel sempre notara o imenso amor que os unia. Na troca de olhares, no roçar das mãos, nos sorrisos cúmplices, no adivinhar de certas frases apenas afloradas por um e respondidas pelo outro, estava patente esse amor. E ela? Estava preparada para a possível perda da mãe? Nunca ninguém está preparado para semelhante facto, mas ela era nova e forte. O pai sim preocupava-a. E tinha razão para isso.
Durante os quarenta dias que a mãe esteve no hospital, foi muito difícil conseguir que o pai comesse alguma coisa. Felizmente a mãe saiu do coma, e embora ficasse com o lado esquerdo paralisado, mentalmente estava lá, e isso foi muito importante para todos.
Nada pior do que ter fisicamente presente um familiar, cuja memória se perdeu por estranhos labirintos, dos quais não há esperança de retorno.
Isabel tinha muitos projectos para a sua vida, após ter terminado o curso. Ia montar um escritório com duas amigas e começar uma vida totalmente diferente daquela que tivera até ali. Mas... e agora? O que fazer? A mãe precisava dela.
Foi a própria mãe que a encorajou a realizar os seus sonhos. Ela precisava de cuidados sim. Mas contratariam uma pessoa para cuidar dela e ajudar a tratar da lida da casa. O pai como sempre estava de acordo.
Foi assim que passados uns dias, contrataram Ermelinda, uma senhora de meia-idade, forte e trabalhadora, que não só cuidava da sua mãe, como cuidava da casa e refeições.
Foi uma grande ajuda para Isabel atarefada com a montagem do escritório, no andar em que inicialmente ela e mais duas amigas iam ter os seus escritórios  e que acabou sendo só para ela e Irene que se tinha formado em advocacia, já que Patrícia, acabara resolvendo voltar para a Guarda, cidade de onde era natural, para ficar mais perto dos pais. Depois da montagem era necessário contactar possíveis clientes, dar-se a conhecer.
E foi bem difícil abrir caminho num mundo que se fechava a tudo o que era inovação.


NOTA: Para aqueles amigos que gostam de um bom blogue, informo que O SINO DA ALDEIA  está de volta, depois de uma ausência de vários anos

16 comentários:

noname disse...

Esta história vai semeando curiosidade :-)

Elvira, fui lá ao "Sino da Aldeia" gostei, vamos lá ver se, não tendo eu nome, me dão permissão para voltar :-)

Beijinho e boa noite

Emília Pinto disse...

Querida Elvira, cheguei, pus em ordem a leitura da 'Isabel" , vi as anedotas e agora resta-me saber da tua saúde e dos teus olhos. Quando tiveres noticias, por favor conta aos amigos. Quanto a esta pandemia, espero que estejam todos bem e assim ontinuem. Um beijo, Amiga! Cuidem-se! Nós continuamos em casa. Até...
Emilia

Lúcia Silva Poetisa do Sertão disse...

Acompanhando mais um capítulo sensacional!
Beijos e feliz semana!

Maria João Brito de Sousa disse...

A vida de Isabel segue em frente e a nossa também :)

Passei pelo Sino da Aldeia, mas já não tenho olhos para ler mais blogs do que os que agora vou tentando não deixar de ler, Elvira.

Forte abraço

Fatyly disse...

Este conto promete:)

Ainda bem que o sino voltou em grande e já comentei:)

Beijocas e um bom dia

Ailime disse...

Bom dia Elvira,
Isabel é uma lutadora e decerto terá a felicidade que merece.
Vou agora ao Sino da Aldeia, que ainda não conheço.
Beijinhos e boa segunda.
Ailime

chica disse...

Mais problemas pra Isabel. Lindo capítulo! beijos, ótima semana! chica

Isa Sá disse...

A passar por cá para acompanhar a história!

Isabel Sá  
Brilhos da Moda

Cidália Ferreira disse...

Gostei do episódio a Isabel é "forte"!

(vou dar um saltinho ao blogue sugerido?.
-
Vagueio na abstinência ...

Beijos e uma excelente semana :)

Alexandra disse...

Do presente para o passado e vice versa a Elvira vai deixando a semente com mestria.

Fico a aguardar... :))

Vou dar uma espreitadela ao blogue que sugeriu. Obrigada.

Um abraço e saúde. :)

Janita disse...

Um emocionante capítulo feito de tristes recordações. Gostei de ler e ficar sabendo um pouco mais da vida da personagem.

Também fui dar uma vista de olhos no blog que a Elvira refere.
Quem regressa à blogosfera após 5 anos de ausência merece ser incentivado, sim.
Hei-de lá voltar com mais tempo e ver aquilo com olhos de ver.

Um abraço e boa semana.

Jaime Portela disse...

Ter em casa uma mãe inválida e sem memória não é pêra doce...
Continuo a gostar da história.
Elvira, tenha uma boa semana.
Beijo.

" R y k @ r d o " disse...

Acompanhando com gosto
.
Uma semana feliz
Cuide-se

aluap disse...

Acompanhando a história da Isabel e já espreitando O SINO DA ALDEIA vou tentar ser uma leitora mais ou menos atenta.
Um abraço e boa semana.

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

Acompanhando a saga de Isabel, que está a ficar cada vez mais interessante.
Logo visitarei o nosso amigo do O Sino da Aldeia.
Boa semana.
Beijinhos
:)

Edum@nes disse...

Isabel continua às voltas com as menos boas recordações do passado. Precisa de encontrar alguém que faça noutras coisas pensar.

Tenha uma boa noite amiga Elvira- Um abraço.