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19.12.19

CONTOS DE NATAL - O NATAL DA MINHA INFÂNCIA



O NATAL DA MINHA INFÂNCIA

Quando eu era menina, meus pais e meus avós, diziam que na noite de Natal, o Menino Jesus, vinha recompensar os meninos bons e trazer presentes. 
Nós vivíamos num velho barracão de madeira, com um salão de onze metros de comprimento, ao fundo do qual havia um fogão a lenha, (uma grelha metálica sobre dois tijolos), e um forno onde minha mãe cozia o pão.
 Pelo Natal quase todos os anos, juntavam-se lá em casa, os meus avós, tios e primos.
Era uma ceia de muita gente com poucas iguarias e muita alegria. Meus avós sempre traziam um quarto de queijo, coisa que não víamos no resto do ano, meu pai apanhava na horta as couves, o tio Zé trazia as batatas, a tia Carolina a aletria. A tia Celeste fazia as filhoses, a minha mãe as rabanadas, e o Bacalhau, comprado pelo meu pai, na Seca, que naquela altura do ano, sempre era vendido aos trabalhadores por um preço mais barato, que nas mercearias.
 Não havia rádio, nem televisão, nem sequer luz elétrica. Mas havia em casa, três candeeiros a petróleo, que naquela noite, ficavam acesos até depois da meia-noite. 
Muito antes do Natal, meu pai apanhava no pinhal perto da nossa casa, muitas pinhas, que secava abria e debulhava. Partia alguns pinhões para comermos e os outros eram para jogarmos, nessa noite em que toda a gente ia para a cama muito tarde. Ele mesmo fazia uma piorra com o Rapa, Tira, Põe e Deixa. Pelas onze horas, tios e primos regressavam às suas casas, e meu pai dizia que tínhamos de ir para a cama. Antes porém, íamos por os tamancos de madeira, que ele mesmo fazia, e que eram o nosso calçado, junto ao fogão, para o Menino Jesus deixar os presentes.
Sapatos só tínhamos um par, e era para a ida à missa, ou ao médico. E nós lá deixávamos os tamanquitos e íamos para a cama na esperança, de que nesse ano, o Menino Jesus deixasse alguma coisa diferente dos figos secos, ou rebuçados dos anos anteriores.
Na minha infância, e no sítio onde vivia, o Pai Natal era desconhecido. Era o Menino Jesus, que em vez de receber prendas no seu aniversário, vinha distribuí-las pelos meninos, que se tinham portado bem durante o ano.
E era sempre a mesma coisa. Nós esperávamos um brinquedo, ou mesmo um vestido novo, mas parece que o Menino Jesus, só tinha mesmo rebuçados e figos secos.
 Quando somos crianças, temos tanto de inocentes como de atrevidos, de modo que quando tinha seis anos, decidi perguntar ao Menino Jesus, porque não nos dava um brinquedo, a nós que não tínhamos sequer uma boneca de trapos. Com algum esforço mantive-me acordada até que ao ouvir um barulho fui espreitar e vi a minha mãe a por os rebuçados nos tamancos.
Revoltada, a pensar que o Menino Jesus não queria saber de nós, chorei até adormecer.

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Elvira Carvalho in Chiado Editora "Natal em Palavras" coletânea de contos de Natal


11 comentários:

Rogério G.V. Pereira disse...

Natal dos Simples,
Tal como eu o lembro aqui o trazes à lembrança...

Pedro Coimbra disse...

Votos de um Santo Natal

chica disse...

Mais um lindo conto de Natal.Gostei muito! beijos, chica

João Santana Pinto disse...

Um Natal passado que permite dar valor às pequenas/grandes coisas que mudaram, com a consciência das muitas (mesmo muitas) pessoas que continuam a ter essas experiências ou nem sequer essas...

Um texto muito bonito que deveria ser partilhado nas escolas (não para estragar a magia do natal aos que têm idade para acreditar em algo, mas para tentar transmitir valores)

Abraço

Edum@nes disse...

Sem invenções. Gostei desse conto, por ser real. A minha infância também foi vivida assim.

Parabéns pelo conto amiga Elvira. Um abraço.

Jaime Portela disse...

Na minha infância também só havia o Menino Jesus.
E também punha os sapatos junto à lareira... E também nunca havia brinquedos...
Magnífico conto, gostei imenso, nomeadamente da nostalgia de outros tempos que ele passa ao leitor.
Elvira, tenha um bom fim de semana.
E um Feliz Natal.
Beijo.

Cidália Ferreira disse...

O meu Natal era um pouco idêntico. Rebuçados, bom bons, e aqueles chapéus de chocolates. Ficávamos até contentes! Amei este conto.
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Natal entre afectos reais e virtuais.| Interacção| O meu Natal.
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Parabéns à Bruna- 15 anos.
FESTAS FELIZ PARA TODOS. BEIJOS

CRIADO LORPA disse...

Como eu tambem lá estava, revi tambem de igual modo. Um bom Natal aí no Algarve

esteban lob disse...

Bella descripción, Elvira, de la fuerz<a de los sueños infantiles, que muestran situaciones sociales todavía vigentes para muchos.

Abrazo.

Gaja Maria disse...

Igual ao Natal que meus pais contam. Parece que nessa altura o Menino Jesus era tão pobre como as crianças. Tempos difíceis...

teresa dias disse...

Belíssimo conto, querida amiga Elvira!
Gostei da sua presença nesta colectânea de contos. Parabéns!
Beijo.