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28.12.19

CONTOS DE NATAL - O ESPÍRITO DE NATAL





Estava o Senhor Teotónio, que era rico, muito gordo e grande fumador de charutos, a carregar o carro com os presentes que passara a manhã a comprar para os filhos, para os sobrinhos e para as muitas pessoas com quem fazia negócios, quando se aproximou dele um homem pobre, idoso e magro, que prontamente obteve dele esta resposta:
— Comigo não perca tempo porque não tenho dinheiro trocado, nem alimento falsos mendigos.
— Mas eu não lhe pedi nada — respondeu o homem idoso serenamente, com um sorriso que desarmou o Senhor Teotónio e a sua bazófia de novo-rico.
— Então se não me quer pedir nada, por que motivo está tão perto de mim enquanto eu carrego o meu carro? — perguntou o Senhor Teotónio entre duas baforadas de charuto que fizeram o homem idoso e magro tossir convulsivamente.
— Estou aqui, meu caro senhor — respondeu ele, já refeito da tosse — para tentar perceber o que as pessoas dão umas às outras no Natal.
— Com que então — concluiu ironicamente o Senhor Teotónio, grande construtor civil com interesses de norte a sul do País — temos aqui um observador! Deve ser, certamente, de uma dessas organizações internacionais que nós pagamos com o nosso dinheiro e que não sabemos bem para que servem.
— Está muito enganado. Mas já agora responda à minha pergunta: o que é que as pessoas dão umas às outras no Natal? — insistiu o homem pobre, idoso e magro.
— Bem, se quer mesmo saber, eu digo-lhe. Quem tem posses como eu pode comprar uma loja inteira, deixando toda a gente feliz, a começar nos comerciantes e a acabar nas pessoas que vão receber os presentes. Quem é pobre como você fica a assistir. Percebeu a diferença?
O homem magro e idoso reflectiu uns instantes sobre a resposta seca e sarcástica do Senhor Teotónio e depois respondeu-lhe com uma nova pergunta:
— Então e o espírito do Natal?
— O que vem a ser isso do espírito do Natal? — quis saber, cheio de curiosidade, o Senhor Teotónio.
— O espírito do Natal — respondeu o homem idoso e magro — é aquilo que nos vai na alma nesta altura do ano e que está muito para além dos presentes que damos. Para muitas pessoas, o melhor presente pode ser um telefonema, uma carícia ou um telefonema quando se está só.
— Era só o que me faltava agora — desabafou, enfastiado, o Senhor Teotónio, enquanto arrumava os últimos presentes na mala do automóvel — ter agora um filósofo, ainda por cima vagabundo, para aqui a debitar sentenças.
O homem magro e idoso afastou-se do carro, mostrando que não queria esmolas nem qualquer outra coisa que lhe pudesse ser dada pelo Senhor Teotónio, e encaminhou-se para um grupo de crianças que o esperavam.
Quando o Senhor Teotónio passou por eles no carro, ouviu uma voz de criança a dizer:
— Vamos, Espírito do Natal, porque hoje ainda temos muito que fazer.
Dizendo isto, o grupo ergueu-se no ar a esvoaçar com destino incerto, largando um pó luminoso enquanto ganhava altura no céu cinzento de Dezembro.



José Jorge Letria
A Árvore das Histórias de Natal
Porto, Ambar, 2006





10 comentários:

chica disse...

Mais um maravilhoso conto,Elvira! beijos, chica

Os olhares da Gracinha! disse...

Gostei de reler!!!
Boas entradas em 2020 🥂

Edum@nes disse...

O senhor Teotónio, porque era rico, queria lá agora ele saber se o Espirito de Natal lhe ia ou não na alma. Se calhar ele não tinha Alma?

Continuação de boas festas amiga Elvira. Um abraço.

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Continuação de Boas Festas minha amiga. 🎄

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados

Maria João Brito de Sousa disse...

Belo conto!

Boas entradas, Elvira!

Cidália Ferreira disse...

Mais um bonito conto!

-
Uma visitinha rápida desejando continuação de festas felizes, extensivo a todos, sem excepção...
-
Tempo nefasto...
Beijos e um excelente fimde semana.

tulipa disse...


É precisamente o meu problema na época de Natal
eu penso como o senhor pobre e
ODEIO pessoas que pensam e agem como o sr Teotónio

Para mim só queria mesmo o verdadeiro Espirito de Natal
mas, como ando ao contrário dos outros
não pertenço a este mundo hipócrita e falso.

Não sei por onde passei a desejar BOM NATAL
mas sei que foi em poucos blogues
se não foi no seu, desculpe-me.

...há posts novos aqui:

http://momentos-perfeitos.blogspot.com/ 

http://meusmomentosimples.blogspot.com/ 

Que a sua vida seja repleta de paz, alegria e prosperidade neste Novo Ano que se anuncia. Um Ano repleto de vitórias, que os desafios do próximo ano se transformem em oportunidades de crescimento e realizações. Boas Festas!

Beijinho da Tulipa 

Roselia Bezerra disse...

Boa noite de Oitava de Natal, querida amiga Elvira!
Muito verdadeiro. Muitas vezes o espírito de Natal passa longe de nós...
Tomara que o homem um dia perceba que teve a chance e a jogou fora!
Muito obrigada pela companhia em 2019.
Adentraremos em 2020 com o mesmo gosto bom de uma sincera amizade.
Bjm carinhoso, festivo e natalino ainda

Ana Freire disse...

E é mesmo este espírito, que se perde, no meio das correrias e dos brilhos da época... quando o essencial... é tão simples... e tão pouco dispendioso, por vezes...
Mais um conto que adorei! Beijinho
Ana

Isa Sá disse...

A passar por cá para conhecer mais um conto de Natal!

Isabel Sá  
Brilhos da Moda