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14.10.15

MEMÓRIAS DA MINHA INFÂNCIA


                      Esta é a única foto que tenho da época. Nela se vê, meus pais,e o quintal, cercado de canas para que as galinhas não comessem os legumes. 




Eles eram dois pobres trabalhadores, que viviam num velho barracão. Não tinham dinheiro, nem água, nem luz, mas eram jovens, e em três anos tiveram três filhos, o mais velho dos quais sou eu.
Lembro-me do pequeno quintal, roubado ao mato pelo braço do meu pai. E do poço escorado com tábuas velhas, que um dia ruiu, e obrigou o meu pai a abrir outro de cimento. É que a água do rio estava ali mesmo ao pé da porta, mas era salgada. E o chafariz ficava a mais de 500 metro. E dos móveis feitos pelo meu pai , com as tábuas salgadas, de velhos botes, que já não serviam para a pesca. Lembro-me disso porque no Inverno a roupa lá guardada, sempre ficava húmida.
E lembro-me daquele ano em que, o vento ciclónico arrancou todas as telhas do velho barracão. E de como nessa noite, a chuva ensopou as mantas de trapos que nos cobriam.
Lembro-me ainda da primeira e única boneca que tive.
Era de papelão. Negra. E eu que nunca tinha visto um negro, pensei que estava suja. E fui metê-la ma celha onde a minha mãe tinha a roupa na barrela. A boneca ficou em papas, e para aplacar o meu desgosto, ganhei dois bofetões da minha mãe, zangada com a roupa toda tingida.  Era essa mesma celha, que servia de banheira para nós, na hora do banho.
Ah! memórias da minha infância!...
Como eu ficava contente quando estreava um vestido, (feito quase sempre dos retalhos menos puídos, dos vestidos velhos da minha mãe.)
E o meu pai, que passava os seus tempos livres, sempre a cavar, sempre a semear. Para que nunca nos faltasse na mesa uma sopa.
E as brincadeiras com os meus irmãos.
E os meus 12 anos feitos a trabalhar na fábrica de cortiça, e o armazém da lenha, e a seca do bacalhau, e os livros devorados de noite, à luz do teimoso.
E eu a fazer-me mulher sem ter sido menina, e a revolta a crescer comigo, no desejo de agarrar entre as minhas mãos, a vida que me esperava, e lutar com ela até vencer ou ser vencida.
Ah! Memórias da minha infância!...

25 comentários:

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Memorias de uma infância bem difícil cheia de dificuldades como era normal naquela altura, felizmente hoje está muito "melhor" apesar de haver pessoas com saudades do triste passado.
Um abraço e continuação de uma boa semana.

chica disse...

Memórias, nem sempre boas... Mas sempre valem a pena, fazem parte da história! Linda foto da época! bjs, tudo de bom,chica

António Querido disse...

Memórias de infância, quem as não tem? Nesse tempo era assim que se educava, com um estabefe, ou uma costa-de-mão a estalar na cara! Obrigado meu pai, obrigado minha mãe! Apanhava quando merecia, sempre explicando porque as apanhava!

Luis Eme disse...

Memórias comuns a muita gente da geração da Elvira.

É por isso que não podemos esquecer nunca Abril.

abraço

LopesCaBlog disse...

Adoro fotos antigas.
Infância difícil deixo um abraço apertado :)

esteban lob disse...

Las memorias de nuestra infancia, se agrandan con el tiempo y se nos hacen carne.

Emília Pinto disse...

Vida difícil a dessa época. Também poucas fotos tenho desse tempo, amiga. Boneca de papelão? Uma vez um amigo do meu pai de Lisboa trouxe-me uma linda boneca de papelão; foi um encanto, pois nunca tinha tido uma; era branca, mas pouco durou; um dia esqueci-me dela nas escadas da casa; choveu e lá se foi a boneca. Nunca mais tive outra, pois o meu pai não se podia dar a esses luxos. Hoje as coisas estão tão diferentes que as crianças nem dão valor aos brinquedos que têm. Apesar de tudo, Elvira, é bom recordar. Um beijinho e até breve.
Emília

AC disse...

Elvira,
Não foi menina, mas fez-se uma grande mulher.

Um beijinho :)

Rosemildo Sales Furtado disse...

Também tive uma infância muito difícil e, com ela aprendi que as coisas têm mais valor, quando adquiridas com dificuldades, na base do sacrifício. Hoje levanto as mãos para os céus e agradeço as lapadas que levei da minha querida e inesquecível mãe, pois sem elas, talvez não fosse o pouco que sou. Atualmente, os pais não podem nem falar mais alto com os filhos, pois correm o risco de serem processados.

Fiquei feliz com a tua visita e gentil comentário deixado no nosso Literatura & Companhia Ilimitada. Volte sempre.

Abraços,

Furtado.

Dorli Ramos disse...

Oi Elvira.
Eu adotei e fui adotada, minha mãe era cozinheira e ficava com as crianças brincando na rua, mas na hora de ir para a escola, tinha uma banheira branquinha para banhar-me.
Eu sempre tive de tudo e é por isso que gosto de dividir o que sei, o que aprendi na escola da vida.
Fiquei viúva sim e meu garotinho tinha 2 anos, depois casei-me novamente com um homem maravilhoso. Apanhei muito quando criança, mas valeu.kkkk
Beijos no coração
minicontista

Bell disse...

As coisas nas nossas vidas marcam

bjokas =)

Graça Sampaio disse...

Minha querida: antes de mais, os meus parabéns pela sua coragem em revisitar e contar todas essa realidade pesada e difícil que foi a sua infância e adolescência (se assim se lhes puder chamar, já que foi mais uma adultez prematura). Depois, o constrangimento com que pensei como fui uma privilegiada apesar de os meus pais terem pertencido sempre à classe trabalhadora e tivessem tido muitas dificuldades na vida.

Como nos queremos comparar com países como a Suécia ou mesmo a Alemanha quando ainda há pouco mais de meio século tínhamos estas condições de vida, ou melhor, a ausência de essas condições. E ainda há quem suspire por Salazar - que vergonha de povo!!

Beijos amigos.

Majo disse...

~~~
~ Calculo

que tenha constituído uma família bonita

~~~~~~ e que seja o seu orgulho...

~~ Também os amigos a consideram muito.

~~~~~~ Grande abraço, Elvira.

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Laura Santos disse...

Fiquei verdadeiramente comovida a ler sobre estas suas memórias de infância. Uma infância tão dura, que a fez passar de repente de menina a mulher, de como a vida dos seus pais foi tão mais difícil ainda, de como tudo isso marcou toda a sua sensibilidade.
Um relato triste, e ao mesmo tempo, desconcertante de tão bem escrito!
Parabéns, Elvira. Adoro ler o que escreve.
xx

Donetzka Cercck L. Alvarez disse...

Que post lindo,querida amiga Elvira!

Fiquei emocionada com seu sincero e belo relato.Como é bom recordar! E conhecer você melhor,minha linda!

Amo seu espaço!


Aproveitei a conexão que melhorou um pouquinho hoje e vim me deliciar no seu espaço.

Beijos sabor carinho e semana de bênçãos e alegrias!

Donetzka

Pedro Coimbra disse...

Memórias da infância de muita gente, Elvira Carvalho.
Que hoje é difícil perceber.
Especialmente para os mais jovens.

Isa Sá disse...

Eram tempos difíceis...aos doze anos era tempo de ser criança...mas a vida não é fácil..

Isabel Sá
http://brilhos-da-moda.blogspot.pt

Fátima Pereira Stocker disse...

Elvira

Memórias de uma infância escassa de bens, mas sobeja de amor. Ele é o que mais conta.

Um beijo

aluap disse...

Eu embora tenha vivido numa época mais abundante já ouvi histórias de vida, de infância dura, mas o seu 'post' deixou-me os olhos cheios d´água.
A vida das pessoas alterou-se, quando fazemos uma viagem no tempo é que reparamos que tanta coisa mudou, para melhor dizem os mais velhos, para pior dizem os novos, se calhar porque não viveram o passado.


Um forte abraço.

Lilá(s) disse...

Memórias da infância de tempos dificeis, vivi numa época já bem melhor mas recordo os meus pais contarem as suas vivências...são coisas que os jovens de hoje já não gostam de ouvir porque não as entendem.
Bjs

Ana Pereira disse...

Boa tarde
Passei pelo teu cantinho para te dar a conhecer o meu modesto espaço de poesia.
Espero que gostes. Um abraço, Ana Pereira
http://almainspiradora.blogspot.pt/

paideleo disse...

Foi mesmo unha infancia dura.
Foron outros tempos que esperemos non volten.
Na foto estaban todos alegres.

Zé Povinho disse...

Infâncias de outros tempos, mas achei delicioso o detalhe do "teimoso" que não ouvia há bastante tempo...
Abraço do Zé

Marina Filgueira disse...

¡Ay Elvira!!!

Al leerte me traslado a mi infancia, no fue mejor que la tuya. Yo tampoco tuve niñez, con 11 años ya me puse a aprender el oficio de costurera.
Tiempos muy difíciles que ojalá nuestros hijos y nietos no tengan que pasar.
Lo has escrito muy bien con mucha gracia y hasta un pizco de ironía, que me ha hecho reír.

Siempre es un inmenso placer pasar por esta tu casa.
Te dejo mi cálido abrazo, mi gratitud y mi estima siempre.
Se muy muy feliz.
Besiños.

Odete Ferreira disse...

Gosto mesmo muito de ler sobre memórias e as da infância têm o sabor da candura.
Tempos difíceis mas que amadureceram o carácter!
Bjo, amiga :)