Seguidores

Mostrar mensagens com a etiqueta emoções. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta emoções. Mostrar todas as mensagens

11.7.24

CAROLINA

                              

Reedição
Em Lisboa, arranjou trabalho numa casa grande, onde já havia uma cozinheira e uma outra rapariga que tomava conta dos bebés. Aí trabalhou dois anos. Gostava da casa, dos meninos e das colegas. Aos patrões demasiado altivos nunca se afeiçoou, mas sentia-se feliz. Até ao dia em que conheceu Jorge e se enamorou perdidamente.
Conheceu-o numa das suas folgas enquanto passeava no Jardim da Estrela. Ele não era de Lisboa, estava na capital a cumprir tropa. Virgem de todas as emoções foi presa fácil do rapaz malandro que era Jorge. Assim quando se deu conta ele tinha desaparecido e ela estava grávida. Os patrões puseram-na na rua, mal souberam da gravidez, e Carolina perdida, sem saber o que fazer foi bater à porta do irmão mais velho.
Influenciado pela mulher, o irmão acabou por a recolher em casa, embora inicialmente a quisesse mandar de novo para a terra. Porém, por volta do terceiro mês, Carolina sofreu um aborto espontâneo e daquele episódio apenas restou a amargura e a descrença nos homens. Poucos meses depois estava de novo a trabalhar como “criada de servir”(1) numa casa em Belém.
Passaram os anos, vieram outros namoros, mas quando ela contava que já não era "honrada",(2) a atitude dos rapazes mudava, deixavam de falar em casamento e passavam a querer levá-la para a cama. Carolina, foi ficando cada dia mais amarga e perdendo a esperança noutra vida que não aquela de cuidar de casas alheias e de filhos  dos outros.  E assim, os anos foram passando, e de repente, já tinha vinte e sete anos. Na época, depois dos vinte e cinco, as mulheres já não sonhavam com o casamento, contentavam-se em serem tias. Foi nessa altura que conheceu o marido. Era Domingo de Páscoa,  e à saída da igreja, as suas mãos tocaram-se na pia da água benta. Olharam-se por segundos e ela sentiu-se corar.
Virou-se e saiu da igreja quase a correr. Ele seguiu-a e quando ela se preparava para entrar no jardim da casa onde trabalhava,  segurou-a pelo braço e perguntou-lhe se era casada. Perante a negativa ele perguntou-lhe se queria casar com ele. Ela achou a pergunta descabida e sem sentido mas ele insistiu.
Sem saber o que pensar, ela respondeu-lhe que embora não sendo casada, já estava "desonrada".
Ele disse que não fora isso que perguntara, apenas queria saber se ela queria casar com ele. Era pobre, mas tinha trabalho certo, vivia com uma irmã, estava farto da vida de solteiro, tinha acabado de pedir ao Senhor uma mulher capaz de o respeitar e ser uma boa companheira, para a sua vida. Achava que o encontro na pia de água benta era um sinal divino e não lhe importava o passado, já que esse era individual e só pertencia a ela. O que lhe importava era o futuro, e queria saber se ela faria parte dele.
Não falava de amor, acreditava que ele viria com o tempo, entregara o futuro a Deus, e confiava n’ELE de olhos fechados.
Carolina ficou encantada, e três meses depois estavam casados.
Apesar da pobreza não se arrependera nem por um segundo.
- Lina, "tás" pronta mulher? Já aqui estão os padrinhos do menino.
Sacudiu a cabeça, e o seu rosto iluminou-se num sorriso enquanto respondia.
- Ó homem, manda-os entrar enquanto eu acordo o menino e o visto. 



fim

Elvira Carvalho



1 Era assim que se chamavam antigamente as empregadas domésticas.
2 Era assim que se dizia antigamente de uma mulher que já não era virgem. Pessoalmente eu nunca entendi essa história de considerar que a honra de uma mulher estivesse entre as suas pernas.

1.7.19

UM PRESENTE INESPERADO - PARTE XXXVII





Isabel acordou muito cedo na manhã seguinte. Saiu da cama com cuidado, para não acordar o marido, tomou banho vestiu-se e saiu do quarto fechando a porta suavemente. Eram sete horas, Matilde costumava acordar mais ou menos por aquela hora. Foi ao quarto da menina, mas esta, talvez cansada das emoções da véspera ainda dormia. Foi para a cozinha. Enquanto cortava duas fatias de pão para por na torradeira, pensava em como a sua vida tinha mudado desde que decidira aceitar a proposta de casamento do agora marido. Ricardo estava a ser um marido e um pai maravilhoso. Atento, preocupado com o bem-estar delas, carinhoso. Como amante era tudo o que uma mulher podia sonhar. Então porque é que ela não se sentia a mulher mais feliz do mundo? Porque é que quando estava sozinha como agora, sentia vontade de chorar?
No fundo do seu coração ela sabia porquê. Porque se apaixonara como uma tonta, por um homem que lhe disse várias vezes que não acreditava no amor. A culpa não era dele, nunca a enganou. Dissera-lhe que faria tudo o que estivesse ao seu alcance para que o seu casamento desse certo, e para que a menina crescesse num ambiente de harmonia. Mas que não lhe pedisse amor, o seu coração estava seco para esse sentimento.   
E ela pensara que era o suficiente. Todavia agora, dava-se conta de como fora ingénua. O seu coração carente e virgem de afetos, entregara-se por completo ao marido e sangrava cada vez que ela calava o amor que sentia, para não lhe ouvir a resposta de que não conseguia retribuir-lhe.
Sacudiu a cabeça, tentando afastar aqueles pensamentos e dedicar a sua atenção à manteiga que espalhava na torrada, quando Matilde apareceu à porta da cozinha com o urso Tobias num braço e a boneca no outro.
Isabel poisou a faca no pires e baixou-se para acolher nos braços a menina.
-Bom dia, filha. Dormiste bem? – perguntou beijando-a.
- Sim. E o Bias e a boneca também. Mãe, ela não tem nome?
-Não. Mas nós vamos já tratar disso. Queres escolher o nome para ela enquanto preparo a tua papa? – perguntou sentando-a na sua cadeira, e prendendo-lhe o cinto.
Voltou-lhe as costas e pôs a aquecer a água para confecionar a papa, maravilhada com o desenvolvimento da menina, nos últimos meses. No final do verão, mal dava uns passinhos, agarrada às coisas, agora corria a casa toda. E a cada dia o seu vocabulário aumentava. Certo que fizera há dias, dezoito meses. E nestas idades o desenvolvimento é muito rápido, especialmente quando são muito estimuladas e Matilde era-o.
- Mãe… posso chamá-la “Suana”?
Estremeceu e quase deixou cair o prato com a papa que acabara de fazer e se preparava para por na mesa.
- Susana?
- Sim. Posso?
- Podes querida. A mãe só gostava de saber porque escolheste esse nome.
-  Quando vou ao paque com a vó Taia tá lá uma menina Suana e nós bincamos juntas”. Eu gosto da Suana”
-Está bem querida, então a boneca passa a ser Susana. Agora vamos comer a papa está bem?
- E o pai?
- Não acordou ainda.
- Eu não o afirmaria, - disse Ricardo sorrindo à entrada da cozinha.

10.7.18

O DIREITO À VERDADE - XXII




Helena chegou a Viseu, às onze e vinte minutos. Deu a entrada no hotel, mas como a sua reserva era a partir do meio- dia, teve que aguardar na sala.
Enquanto esperava interrogava-se sobre a reação de Cláudio quando fosse buscá-la e não a encontrasse. Oxalá fosse à receção perguntar por ela, para que lhe entregassem a sua carta.  Estava triste. Nunca tinha conhecido um homem tão interessante, nunca alguém a tinha feito sentir o que sentira no dia anterior, quando ele a beijara, nunca tinha sonhado com emoções tão intensas. Se ela fosse mais velha, mais experiente, se tivesse uma vida diferente, não teria fugido. Mas a vida era como uma estrada de montanha. Cheia de ses, e ela não se considerava apta a ultrapassá-los. Daí ter-se retirado, enquanto o estrago não era demasiado grande.
Agora o mais importante era encontrar o pai, conhecê-lo, saber que tipo de pessoa era. Depois regressaria a Lisboa procuraria um trabalho e seguiria com a sua vida. No dia seguinte começaria a busca. Não acreditava que fosse fácil. Afinal pelo que lhe fora dado investigar, a região demarcada do Dão era muito grande. Estendia-se pelos vales entre as serras da Estrela, Lousã, Caramulo, Bussaco, Nave e Açor, e era atravessada por quatro rios, o Mondego, o Vouga, o Paiva e Dão. Este último, dera origem ao nome da região, quando ela fora criada em mil novecentos e oito.
Encontrar uma quinta, da qual não sabia o nome, se era grande ou pequena, num vasto espaço que engloba, os distritos de Coimbra, Viseu e Guarda, era como procurar uma agulha num palheiro. Felizmente que o tio se lembrava que a quinta ficava nos arredores de Viseu. Isso sem dúvida reduzia bastante o seu trabalho. Enquanto esperava, resolveu pedir algumas informações à rececionista.
- Desculpe…
Sem a deixar terminar a jovem informou:
-São só mais cinco minutos, o pessoal está a terminar a limpeza do quarto.
- Obrigado. Mas o que eu queria era uma informação. Disseram-me que esta zona pertence à região demarcada do Dão. É verdade?
- Claro. Deve ter visto durante a viagem, algumas dessas quintas, embora grande parte delas não se vejam, pois há pinheiros junto às estradas de modo a escondê-las do olhar de quem passa.
-Gostava de ver alguns desses vinhedos. Devem ser muito bonitos.
- Sem dúvida. Sobretudo agora, que as uvas já estão quase maduras, pois está prestes a começar a época das vindimas. Mas Viseu tem muito que ver sem serem as vinhas, e sem sair da cidade.
- Acredito. E espero ver o máximo possível, embora ainda não saiba ao certo quanto tempo ficarei.
Entretanto passava do meio-dia e uma empregada acabava de trazer a chave do quarto.
Helena pegou nela e subiu ao aposento, situado no primeiro andar. O hotel era pequeno, possuía apenas vinte e nove quartos, mas era muito acolhedor, estava muito bem situado, perto da Sé e do Museu Grão Vasco, e o preço era excelente, o que também contava sempre nas suas contas.