Reedição
Em Lisboa, arranjou trabalho numa casa grande, onde já havia uma cozinheira e uma outra rapariga que tomava conta dos bebés. Aí trabalhou dois anos. Gostava da casa, dos meninos e das colegas. Aos patrões demasiado altivos nunca se afeiçoou, mas sentia-se feliz. Até ao dia em que conheceu Jorge e se enamorou perdidamente.
Em Lisboa, arranjou trabalho numa casa grande, onde já havia uma cozinheira e uma outra rapariga que tomava conta dos bebés. Aí trabalhou dois anos. Gostava da casa, dos meninos e das colegas. Aos patrões demasiado altivos nunca se afeiçoou, mas sentia-se feliz. Até ao dia em que conheceu Jorge e se enamorou perdidamente.
Conheceu-o numa das suas folgas enquanto passeava no Jardim da Estrela. Ele não era de Lisboa, estava na capital a cumprir tropa. Virgem de todas as emoções foi presa fácil do rapaz malandro que era Jorge. Assim quando se deu conta ele tinha desaparecido e ela estava grávida. Os patrões puseram-na na rua, mal souberam da gravidez, e Carolina perdida, sem saber o que fazer foi bater à porta do irmão mais velho.
Influenciado pela mulher, o irmão acabou por a recolher em casa, embora inicialmente a quisesse mandar de novo para a terra. Porém, por volta do terceiro mês, Carolina sofreu um aborto espontâneo e daquele episódio apenas restou a amargura e a descrença nos homens. Poucos meses depois estava de novo a trabalhar como “criada de servir”(1) numa casa em Belém.
Passaram os anos, vieram outros namoros, mas quando ela contava que já não era "honrada",(2) a atitude dos rapazes mudava, deixavam de falar em casamento e passavam a querer levá-la para a cama. Carolina, foi ficando cada dia mais amarga e perdendo a esperança noutra vida que não aquela de cuidar de casas alheias e de filhos dos outros. E assim, os anos foram passando, e de repente, já tinha vinte e sete anos. Na época, depois dos vinte e cinco, as mulheres já não sonhavam com o casamento, contentavam-se em serem tias. Foi nessa altura que conheceu o marido. Era Domingo de Páscoa, e à saída da igreja, as suas mãos tocaram-se na pia da água benta. Olharam-se por segundos e ela sentiu-se corar.
Virou-se e saiu da igreja quase a correr. Ele seguiu-a e quando ela se preparava para entrar no jardim da casa onde trabalhava, segurou-a pelo braço e perguntou-lhe se era casada. Perante a negativa ele perguntou-lhe se queria casar com ele. Ela achou a pergunta descabida e sem sentido mas ele insistiu.
Sem saber o que pensar, ela respondeu-lhe que embora não sendo casada, já estava "desonrada".
Ele disse que não fora isso que perguntara, apenas queria saber se ela queria casar com ele. Era pobre, mas tinha trabalho certo, vivia com uma irmã, estava farto da vida de solteiro, tinha acabado de pedir ao Senhor uma mulher capaz de o respeitar e ser uma boa companheira, para a sua vida. Achava que o encontro na pia de água benta era um sinal divino e não lhe importava o passado, já que esse era individual e só pertencia a ela. O que lhe importava era o futuro, e queria saber se ela faria parte dele.
Não falava de amor, acreditava que ele viria com o tempo, entregara o futuro a Deus, e confiava n’ELE de olhos fechados.
Carolina ficou encantada, e três meses depois estavam casados.
Apesar da pobreza não se arrependera nem por um segundo.
- Lina, "tás" pronta mulher? Já aqui estão os padrinhos do menino.
Sacudiu a cabeça, e o seu rosto iluminou-se num sorriso enquanto respondia.
- Ó homem, manda-os entrar enquanto eu acordo o menino e o visto.
fim
Elvira Carvalho
1 Era assim que se chamavam antigamente as empregadas domésticas.
2 Era assim que se dizia antigamente de uma mulher que já não era virgem. Pessoalmente eu nunca entendi essa história de considerar que a honra de uma mulher estivesse entre as suas pernas.
1 Era assim que se chamavam antigamente as empregadas domésticas.
2 Era assim que se dizia antigamente de uma mulher que já não era virgem. Pessoalmente eu nunca entendi essa história de considerar que a honra de uma mulher estivesse entre as suas pernas.