Isabel acordou muito cedo na manhã seguinte. Saiu da cama com cuidado, para não acordar o marido, tomou banho vestiu-se e saiu do quarto fechando a porta suavemente. Eram sete horas, Matilde costumava acordar mais ou menos por aquela hora. Foi ao quarto da menina, mas esta, talvez cansada das emoções da véspera ainda dormia. Foi para a cozinha. Enquanto cortava duas fatias de pão para por na torradeira, pensava em como a sua vida tinha mudado desde que decidira aceitar a proposta de casamento do agora marido. Ricardo estava a ser um marido e um pai maravilhoso. Atento, preocupado com o bem-estar delas, carinhoso. Como amante era tudo o que uma mulher podia sonhar. Então porque é que ela não se sentia a mulher mais feliz do mundo? Porque é que quando estava sozinha como agora, sentia vontade de chorar?
No fundo do seu coração ela sabia porquê. Porque se
apaixonara como uma tonta, por um homem que lhe disse várias vezes que não
acreditava no amor. A culpa não era dele, nunca a enganou. Dissera-lhe que faria
tudo o que estivesse ao seu alcance para que o seu casamento desse certo, e
para que a menina crescesse num ambiente de harmonia. Mas que não lhe pedisse
amor, o seu coração estava seco para esse sentimento.
E ela pensara que era o suficiente. Todavia agora, dava-se
conta de como fora ingénua. O seu coração carente e virgem de afetos,
entregara-se por completo ao marido e sangrava cada vez que ela calava o amor
que sentia, para não lhe ouvir a resposta de que não conseguia retribuir-lhe.
Sacudiu a cabeça, tentando afastar aqueles pensamentos e
dedicar a sua atenção à manteiga que espalhava na torrada, quando Matilde
apareceu à porta da cozinha com o urso Tobias num braço e a boneca no outro.
Isabel poisou a faca no pires e baixou-se para acolher nos
braços a menina.
-Bom dia, filha. Dormiste bem? – perguntou beijando-a.
- Sim. E o Bias e a boneca também. Mãe, ela não tem nome?
-Não. Mas nós vamos já tratar disso. Queres escolher o
nome para ela enquanto preparo a tua papa? – perguntou sentando-a na sua
cadeira, e prendendo-lhe o cinto.
Voltou-lhe as costas e pôs a aquecer a água para confecionar
a papa, maravilhada com o desenvolvimento da menina, nos últimos meses. No final do
verão, mal dava uns passinhos, agarrada às coisas, agora corria a casa toda. E a
cada dia o seu vocabulário aumentava. Certo que fizera há dias, dezoito meses.
E nestas idades o desenvolvimento é muito rápido, especialmente quando são
muito estimuladas e Matilde era-o.
- Mãe… posso chamá-la “Suana”?
Estremeceu e quase deixou cair o prato com a papa que
acabara de fazer e se preparava para por na mesa.
- Susana?
- Sim. Posso?
- Podes querida. A mãe só gostava de saber porque
escolheste esse nome.
- Quando vou ao paque com a vó Taia tá lá uma menina
Suana e nós bincamos juntas”. Eu gosto da Suana”
-Está bem querida, então a boneca passa a ser Susana.
Agora vamos comer a papa está bem?
- E o pai?
- Não acordou ainda.
- Eu não o afirmaria, - disse Ricardo sorrindo à entrada da cozinha.