- Por mim, -disse pousando o copo vazio, em cima da mesa. Pode ficar aqui o tempo que quiser. Certo que sou um homem, que desde sempre viveu sozinho, e não é fácil dividir o meu espaço com uma desconhecida. Mas quando faço uma promessa cumpro-a, e eu prometi cuidar de si e ajudá-la. E vou fazê-lo contra tudo, até mesmo contra a sua vontade. Claro que se cooperar, será muito mais fácil para os dois. Fechar-se em casa, horas e horas a chorar, não vai ajudá-la em nada.
Nesse momento a jovem saiu a correr para o quarto. Atirou-se em cima da cama chorando copiosamente.
Miguel deixou-a chorar durante largos minutos. Depois entrou no quarto, sentou na beira da cama e estendeu-lhe um lenço.
- Pronto. Já chega, - disse em voz baixa, num tom carinhoso, como se estivesse a falar com uma criança.
-Tem medo? Acredito que sim. Eu também teria no seu lugar. O futuro pode ser temeroso, mas o passado que se desconhece será bem mais assustador. Se não está preparada, podemos esperar mais uns dias, mas eu no seu lugar ia o mais rápido possível. Já pensou, no sofrimento que pode estar a causar a terceiros? Que os seus pais, irmãos, quiçá o namorado, podem andar por aí desesperados à sua procura?
Calou-se. Mentalmente Miguel interrogava-se. Foi impressão sua, ou sentiu uma estranha tensão no corpo da jovem, quando falou na família?
O silêncio adensou-se. Miguel não sabia que dizer mais para aquietar o coração da jovem. Fez-lhe uma leve carícia na cabeça e deixou que se acalmasse por esgotamento.
Algum tempo depois, ela levantou o rosto, e olhando-o disse:
- Pode marcar a consulta. Só não sei o que vou dizer ao médico.
-Não se preocupe com isso. Na hora saberá. Agora descanse.
Levantou-se e dirigiu-se ao quintal.
Ai, acendeu um cigarro. Raramente fumava. Mas em horas de grande tensão, era no cigarro que se refugiava. Não conseguia afastar do pensamento a jovem que chorava no quarto. Franziu o sobrolho. E se ela nunca recuperasse a memória? O que ia fazer com ela? Era evidente que não podia mandá-la embora, empurrando-a sabe-se lá para que destino, quiçá de novo para a falésia.
Mas ele também não podia ficar refém dela. Precisava fazer o que sempre fizera. Pintar, viajar, seguir com a sua vida.