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23.11.23
PEQUENA PAUSA
Amigos, como sabem, o pé do meu marido que tinha sofrido no dia 27 de junho, a amputação de um dedo necrosado por entupimento arterial, que o obrigaria a uma cirurgia para um bypass da cintura ao gémeo no dia 3 de Julho. Bom finalmente a ferida fechou, a enfermeira deu-lhe alta ontem pelo que estamos de partida para o Algarve, e lá não tenho internet. Vamos matar saudades da família e descansar uns dias já que em dezembro eu tenho vários exames e consultas. Então até à volta...
22.11.23
CICATRIZES DA ALMA - PARTE LVIII
E chegou o dia 31 de Dezembro, e aproximava-se a noite de fim de ano. Os dois dias anteriores, tinham passado a
correr, entre os exercícios, cada dia mais fáceis de Tiago e alegres refeições
em que a simpatia e cordialidade de Peter era notória. E a alegria de Tiago com
a presença do amigo, não lhe ficava atrás, de tal modo que por vezes Anabela se
sentia a mais e então se afastava. Mas logo, Tiago ou Peter lhe pegavam no
braço e a traziam de novo ao convívio.
O ambiente era tal, que pela primeira vez na vida, Anabela esqueceu Óscar e
conviveu como qualquer outra jovem da sua idade em harmonia, com os dois homens,
abertamente. Aquela, seria a última noite que Peter estaria com eles, no dia
seguinte partiria, e Anabela não tardaria a fazer o mesmo, pois embora Tiago quisesse
prolongar a sua estadia, por mais um mês, a verdade é que ele já não precisava
dela. O que faltava na sua recuperação podia fazer em qualquer clínica.
Enquanto ajudava Isilda na cozinha, com as iguarias que os deliciariam na
ceia daquela noite, Anabela pensava em como a vida era estranha. Três meses
antes chegara àquela casa, com a alma ferida, cujo único consolo era o carinho
dos seus compadres e da pequena Patrícia. A luta que teve de enfrentar para
tirar o doente do marasmo não foi fácil, mas teve o valor de não lhe dar tempo
a remoer a sua dor. E a paz e o carinho que encontrou naquela casa, foram o
melhor dos lenitivos. Apenas a animosidade do doente lhe amargava os dias.
Depois quase sem se dar conta, o mau humor foi desaparecendo, e o irascível
doutor, foi ficando cada dia mais cordial. Isso tornou os dias da sua estadia mais
prazerosos. Era como se a paz que disfrutava na quinta se tornasse ainda mais
pacífica e luminosa.
Agora, que chegava a hora da partida, sentia um aperto no peito, uma grande
tristeza no coração. Tinha-se afeiçoado ao caseiro, sentia Isilda como uma
verdadeira amiga, e Tiago…
Que sentimentos tão contraditórios sentiu naqueles três meses. Primeiro
admirou o homem, pelos seus ideais, pela sua luta por um mundo mais igualitário.
Encheu-se de compaixão, quando o viu no primeiro dia, naquele quarto escuro, a
barba crescida, o rosto macilento, os olhos sem brilho.
Mais tarde a raiva substituiu a compaixão ao perceber que o doente tinha
escolhido o caminho para a morte, em vez de lutar pela sua recuperação.
Manteve durante os primeiros tempos uma luta constante para trazê-lo de
volta e embora por vezes se sentisse desanimada, nunca desistiu. Orgulhou-se
mais dele que de si mesma, quando percebeu que ele tinha voltado a querer
viver, a querer voltar a ser a mesma pessoa de antigamente. E nos últimos
tempos, depois que a atitude de Tiago, mudara por completo, Anabela sentiu um
orgulho imenso pelo seu trabalho, mas também uma grande amizade pelo doente.
Sim, ela estava convencida que era uma simples e bela amizade. De modo
nenhum queria pensar que podia ser algo mais…
21.11.23
POESIA ÀS TERÇAS - ADRIANO ALCÂNTARA - A UTOPIA DOS OLHOS ESCANCARADOS
A Utopia dos Olhos Escancarados
Se num momento de loucura
acaso arriscares acima do tédioe afoito sozinho dobrares
a agreste solidão da esquina dos dias,
poderás então entrever
por entre as brumas do tempo
a imensa multidão e o verde prazer
das tuas mais urgentes utopias.
Se depois com ardor escreveres
- ridícula como o poeta a dizia -
uma simples carta de amor
cuja verdade ofereça fogosa o seu pudor
sinceros significados tão prementes
que a ouro fiquem bordados
no seio nu das palavras inexistentes,
imune farás tombar do muro os pecados
com que este presente impune
procura sarcástico esconder-nos o futuro.
Se porém impossível te for
a sangria das palavras a sério
e ao cansaço sem outra saída
com fúria não conseguires opor
a beleza dum punho bem apertado,
arrepia caminho e não ouses.
Nunca ouses monstro malfadado
dobrar a esquina deste tempo
de cobardias prenhe e silêncios cheio.
Porque só o amor mata a hipocrisia
e reconhece os homens iguais
porque para além deste dia
só de olhos escancarados se sonha a utopia.
20.11.23
CICATRIZES DA ALMA - PARTE LVII
- E então meu tio enviou a Anabela. Ela não se assustou com os meus gritos
e contra a minha vontade, obrigou-me a estar com as cortinas abertas e a fazer
fisioterapia. Ela fechou a porta da morte e obrigou-me a voltar para o corredor
da vida.
- E hoje pareces estar a dois passos de uma recuperação total. Pelo que
contas, salvou-te a vida. Não admira que estejas tão apaixonado. Já lhe
confessaste os teus sentimentos?
-Até há poucos dias, eu continuava sem saber se ainda poderia ter alguma
coisa a oferecer a uma esposa. Na verdade só ao acordar na manhã de Natal,
soube que as coisas tinham voltado ao normal.
-Milagre de Natal?
-Mais de um sonho erótico.
-Com a enfermeira, suponho. Então já nada te impede de lhe dizeres o que
sentes.
- Continua a ser impossível. Anabela é acima de tudo uma excelente profissional e ainda que sentisse alguma espécie de sentimento por mim, ia negá-lo em virtude de eu ser seu paciente. Depois ainda não sei com o que posso contar a nível de reprodução. Tenciono submeter-me a uma série de exames no início do ano, pois nada me garante que não esteja estéril. E tu sabes que a maioria das mulheres tem o sonho de ser mãe. Especialmente se já sentiu as alegrias de uma gravidez, e nunca pode sentir a alegria de ter um filho nos braços.
Queres dizer que sofreu um aborto?
Pelo que sei, Anabela é uma mulher que sofreu muito com o seu casamento. Não sei se sabes, que ela é viúva, o marido morreu há três meses assassinado, mas havia meses que viviam separados. Segundo o meu tio, era um traste que a maltratava. Ele contou-me ainda que Anabela perdeu um bebé não há muitos meses e que estava a pensar abandonar o país, porque os sogros a culpavam da morte do filho e lhe faziam a vida negra. Por tudo isto, não estará pronta a abrir-se para uma nova relação.
-Compreendo. Vais ter de ganhar a sua confiança antes do mais.
É isso. Mas falemos de ti. Que novidades me contas? E os teus pais?
-Os meus pais estão bem, levam a vida a dizer que está na hora de me deixar
de missões e casar. Que a principal missão de um homem é ser pai e não querem morrer sem ter a alegria de abraçar um neto.
- Os pais são assim. Antes de ficar noivo, os meus atormentavam-me com a
mesma conversa. Mas compreende-se, por vontade própria ou não, só nos têm a nós.
Se tivessem tido mais filhos a esta hora já estavam encantados com os netos e
não nos incomodavam.
-Menino Tiago, interrompeu Isilda entrando na salinha. - O jantar está na
mesa.
19.11.23
DOMINGO COM HUMOR...OU NÃO.
A cor do horto gráfico...
Última atualização do dicionário de língua portuguesa - novas
entradas:
Testículo: Texto pequeno
Abismado: Sujeito que caiu de um abismo
Pressupor: Colocar preço em alguma coisa
Biscoito: Fazer sexo duas vezes
Coitado: Pessoa vítima de coito
Padrão: Padre muito alto
Estouro: Boi que sofreu operação de mudança de sexo
Democracia: Sistema de governo do inferno
Barracão: Proíbe a entrada de caninos
Homossexual: Sabão em pó para lavar as partes íntimas
Ministério: Aparelho de som de dimensões muito reduzidas
Detergente: Acto de prender seres humanos
Eficiência: Estudo das propriedades da letra F
Conversão: Conversa prolongada
Halogéneo: Forma de cumprimentar pessoas muito inteligentes
Expedidor: Mendigo que mudou de classe social
Luz solar: Sapato que emite luz por baixo
Cleptomaníaco: Mania por Eric Clapton
Tripulante: Especialista em salto triplo
Contribuir: Ir para algum lugar com vários índios
Aspirado: Carta de baralho completamente maluca
Assaltante: Um 'A' que salta
Determine: Prender a namorada do Mickey Mouse
Vidente: Aquilo que o dentista diz ao paciente
Barbicha: Bar frequentado por gays
Ortográfico: Horta feita com letras
Destilado: do lado contrário a esse
Pornográfico: O mesmo que colocar no desenho
Coordenada: Que não tem cor
Presidiário: Aquele que é preso diariamente
Ratificar: Tornar-se um rato
Violentamente: Viu com lentidão
E… Língua "perteguesa"... PORQUE O SABER NÃO OCUPA LUGAR!
Prontus
Usar o mais possível. É só dar vontade e podemos sempre soltar um
'prontus'! Fica sempre bem.
Númaro
Também com a vertente 'númbaro'. Já está na Assembleia da República uma
proposta de lei para se deixar de utilizar a palavra NÚMERO, a qual
está em
claro desuso. Por mim, acho um bom númaro!
Pitaxio
Aperitivo da classe do 'mindoím'.
Aspergic
Medicamento português que mistura Aspegic com Aspirina
Alevantar
O acto de levantar com convicção, com o ar de 'a mim ninguém me come por
parvo!... alevantei-me e fui-me embora!'.
Amandar
O acto de atirar com força: 'O guarda-redes amandou a bola para bem
longe'
Assentar
O acto de sentar, só que com muita força, como fosse um tijolo a cair no
cimento.
Capom
Tampa de motor de carros que quando se fecha faz POM!
Destrocar
Trocar várias vezes a mesma nota até ficarmos com a mesma.
Disvorciada
Mulher que diz por aí que se vai divorciar.
É assim...
Talvez a maior evolução da língua portuguesa. Termo que não quer
dizer nada
e não serve para nada. Deve ser colocado no início de qualquer frase.
Entropeçar
Tropeçar duas vezes seguidas.
Êros
Moeda alternativa ao Euro, adotada por alguns portugueses.
Também conhecida por “aéreos”
Falastes, dissestes...
Articulação na 4ª pessoa do singular. Ex.: eu falei, tu falaste, ele
falou,
TU FALASTES...
Fracturação
O resultado da soma do consumo de clientes em qualquer casa
comercial. Casa
que não fratura... não predura.
Há-des
Verbo 'haver' na 2ª pessoa do singular: 'Eu hei-de cá vir um dia; tu
há-des
cá vir um dia...'
Inclusiver
Forma de expressar que percebemos de um assunto. E digo mais: eu
inclusiver
acho esta palavra muita gira. Também existe a variante 'Inclusivel'.
Mô
A forma mais prática de articular a palavra MEU e dar um ar afro à
língua
portuguesa, como 'bué' ou 'maning'. Ex.: Atão mô, tudo bem?
Nha
Assim como Mô, é a forma mais prática de articular a palavra MINHA. Para
quê perder tempo, não é? Fica sempre bem dizer 'Nha Mãe' e é uma
poupança
extraordinária.
Parteleira
Local ideal para guardar os livros de Protuguês do tempo da escola.
Perssunal
O contrário de amador. Muito utilizado por jogadores de futebol.
Ex.: 'Sou
perssunal de futebol'. Dica: deve ser articulada de forma rápida.
Prutugal
País ao lado da Espanha. Não é a Francia.
Quaise
Também é uma palavra muito apreciada pelos nossos pseudo-intelectuais...
Ainda não percebi muito bem o quer dizer, mas o problema deve ser meu.
Stander
Local de venda. A forma mais famosa é, sem dúvida, o 'stander' de
automóveis. O 'stander' é um dos grandes clássicos do 'português da
cromagem'...
Tipo
Juntamente com o 'É assim', faz parte das grandes evoluções da língua
portuguesa. Também sem querer dizer nada, e não servindo para nada, pode
ser usado quando se quiser, porque nunca está errado, nem certo. É
assim...
tipo, tás a ver?
Treuze
Palavras para quê? Todos nós conhecemos o númaro treuze.
Não sei bem se isto é para rir, ou chorar, mas hoje é o que há.
E feliz dia para todos os cavalheiros que me visitarem. Hoje é 19 de Novembro dia Internacional dos Homem
18.11.23
17.11.23
CICATRIZES DA ALMA - PARTE LVI
Enquanto Anabela passeava pela
quinta, na pequena salinha os dois amigos punham a conversa em dia.
-Bonita a tua enfermeira. Com uma enfermeira assim, também não me importava
estar doente - disse Peter dando uma amigável palmada no ombro do amigo.
- Não digas asneiras. Ser ferido de uma forma tão brutal, não é uma doença, é um acidente, que pode ferir mais do que o corpo. Pode fazer-nos descrer da humanidade, de Deus, dos nossos ideais.
Estive entre a vida e a morte e quando saí do
estado comatoso, tinha sofrido várias cirurgias e estava com os membros
inferiores paralisados. Todavia, mais do que as chagas físicas, são as da alma,
aquelas que mais custam a cicatrizar.
-Sei. Mantive correspondência com os teus pais. Sei que a tua noiva, rompeu
contigo no hospital e isso deve ter sido um golpe terrível. Lembro dos teus projetos de casamento para quando regressasses da missão.
-Curiosamente, não foi o rompimento dela o que mais me doeu. Sabes que a
explosão me atingiu a bacia até à virilha?
-Não! Pensava que tinhas sido atingido só nas costas.
-Bom, não sei o que aconteceu, não me recordo, mas ao ouvir o estrondo devo ter tentado virar o corpo, talvez para ver o que tinha acontecido, e a explosão apanhou-me não só as costas mas parte do lado esquerdo até à coxa. O braço protegeu o tórax, mas não a bacia.
Calou-se por momentos como se ainda lhe custasse falar do que lhe acontecera.
-Os médicos disseram-me que estavam convencidos que eu voltaria a
andar, mas não podiam garantir que eu pudesse voltar a funcionar como homem pois parte do ventre do lado esquerdo foi bastante atingido e a minha parte
genital e reprodutora podia ter sido afetada. Com esta
informação, eu sabia antes mesmo da visita da Sandra, que não podia manter o
noivado.
-Mas de qualquer modo foi cruel da parte dela, não esperar sequer que tivesses alta para terminar o noivado.
-Talvez, mas ao contrário do que os meus pais pensam, não foi isso que me
fez entrar em depressão e desejar a morte, mas a informação médica, e o facto
de que mesmo após ter tido alta hospitalar nunca mais ter sentido desejo, nem
conseguido uma ereção; (e olha que meu tio se esforçou bastante, em escolher as
mais belas enfermeiras que conhecia).
-Meu Deus, amigo, mas isso é terrível.
- Foi. De tal modo que desisti de viver. Corri com todas as
enfermeiras, que meu tio enviou, vivia num quarto às escuras, não queria falar
com ninguém, e quase não comia. Simplesmente tinha desistido de viver. E então
meu tio enviou a Anabela.
16.11.23
15.11.23
CICATRIZES DA ALMA - PARTE LV
Os dois homens, entraram na sala, enquanto Anabela se dirigia à cozinha
para avisar Isilda de que podia levar a merenda à salinha e perguntar se ela
precisaria de alguma ajuda para o jantar. Depois subiu ao seu quarto despiu a
bata, tomou um duche e vestiu um conjunto de lã cor-de-mel.
Como Isilda dissera que não precisava da sua ajuda, e o dia apesar do frio intenso, se apresentava bonito, resolveu dar uma volta pela quinta. Hesitou entre o casaco de fazenda grossa, castanho e o casaco parka verde-azeitona, acabando por escolher o último por ser mais quente. Calçou as botas e sentindo-se confortável, desceu as escadas e saiu.
Olhou o relógio. Quatro e meia da tarde.
No fim do ano, os dias eram bem curtos e não tardaria a cair a noite. De
qualquer modo ela não sairia da quinta, precisava apenas esticar um pouco as
pernas e para ser sincera consigo mesma, também não se sentia muito à-vontade com os dois homens. Peter era
simpático, extrovertido e um pouco brincalhão, diferente de Tiago que era um
homem sério e muito intenso. Curioso como dois homens tão diferentes podiam ter
uma relação de amizade, tão forte. Talvez fosse verdade a história de que polos
opostos se atraem.
A bem da verdade, não era Peter quem a inibia, mas sim Tiago. Ela não sabia que se teria passado naqueles dois dias que esteve ausente, para as festas de Natal, mas embora Isilda, não se tivesse apercebido de nada especial, ela sabia que alguma coisa acontecera, e tinha de ter sido muito importante, porque o doente que ela deixara, não era o mesmo que encontrara.
A indiferença que ela lia nos olhos dele, tinha sido substituída por algo que ela juraria ser... desejo, talvez paixão. A rebeldia tão frequente anteriormente, tinha desaparecido. Tiago estava muito mais calmo, aceitava sem contestar e executava com entusiasmo todos os exercícios que ela lhe mandava fazer. Às vezes, Anabela tinha mesmo de se impor, a fim de que o entusiasmo masculino, não o levasse a cometer nenhum excesso que viesse a prejudicar o que já tinham conseguido.
Tinha de telefonar ao doutor Azevedo. A sua presença ali, já não se
justificava, embora Tiago ainda tivesse de fazer mais algum tempo de fisioterapia,
já podia fazê-lo em qualquer clínica, pois mesmo que ainda não pudesse conduzir,
Joaquim que era um verdadeiro faz-tudo na propriedade, podia conduzir por ele.
Afinal era ele que o fazia, sempre que era necessário ir às compras.
A noite caíra e com ela o frio intensificara-se. Anabela levantou o capuz, tentando proteger-se e iniciou o regresso a casa. Talvez Isilda precisasse de ajuda na
cozinha. Na quinta, o jantar era servido
mais cedo que na cidade, e eles tinha em casa um convidado.
14.11.23
POESIA ÀS TERÇAS - LUÍS RODRIGUES - SE FOSSES UM LIVRO
SE FOSSES UM LIVRO
Penso que
se fosses um livro
te desfolharia folha a folha
todos os dias faria uma cópia
de cada folha
que eras tu
juntaria a minha folha
com a tua folha
que eras tu
Assim passávamos a ser uma obra
toda igual mas toda diferente
repleta de palavras
umas comuns outras difíceis
que falaríamos num coro
com o rosado das nossas bocas
e viveríamos juntos
corpo com corpo
numa estante qualquer.
13.11.23
CICATRIZES DA ALMA - PARTE LIV
Nos dois dias que se seguiram, Tiago
entregou-se de corpo e alma, aos exercícios, silenciando todo e qualquer
comentário de origem pessoal. A sua recuperação era cada vez mais nítida, de tal
modo que no final do segundo dia, Anabela comentou com Isilda que
provavelmente no início do ano, iria embora, pois embora Tiago pudesse ter de
continuar a fisioterapia por mais algum tempo, poderia fazê-lo em qualquer
clínica sem precisar de ter uma fisioterapeuta em casa.
Na manhã, da antevéspera do Ano Novo, Anabela acabara a sessão de fisioterapia a Tiago quando após uma leve batida na porta, esta se abriu para dar passagem a um homem alto e magro, que devia andar perto dos quarenta anos, ruivo e de olhos cor de âmbar provável legado de algum antepassado escocês.
-Peter! - exclamou Tiago abrindo um
alegre sorriso e descendo da marquesa de tratamento, para se dirigir ao amigo.
-Desculpe enfermeira, interromper a
sessão, mas tinha um enorme desejo de ver este morto-vivo, - disse o recém-chegado.
-Ora, já tínhamos acabado, -
respondeu Anabela, estendendo o par das canadianas a Tiago
Os dois homens trocaram um apertado
abraço que emocionou a jovem. Ela sabia que o visitante era esperado pelo seu
paciente, com alguma ansiedade, e que os dois eram amigos, todavia não pensou
que houvesse uma tal ligação entre os dois. Não era apenas uma simples amizade,
era mais como se fossem dois irmãos, que se amavam e se reencontravam após longa separação.
E a verdade é que os dois tinham
desenvolvido esse sentimento único, que une duas pessoas solitárias e com os
mesmos ideais.
- Foi com uma enorme emoção que
soube que estavas vivo. Quando o helicóptero levantou voo, do acampamento, ninguém
tinha esperança de que chegasses ao hospital de Bangui, vivo. Mais tarde,
soubemos que não só tinhas resistido, como após dois dias em que se fez tudo o
que era possível para te manter vivo, te tinham enviado para um hospital alemão. A partir daí nunca mais tivemos notícias e só soube que estavas vivo quando acabamos a comissão, e telefonei aos teus pais. Rapaz, isso é que foi
dar um pontapé na morte.
Nesse momento, tendo arrumado a sala
de tratamento, e querendo dar privacidade aos dois amigos, Anabela, despediu-se
dizendo a Tiago que levasse o seu amigo até à salinha, onde Isilda lhes iria
servir o lanche.
Com as alterações que a casa
sofrera, para que Tiago tivesse o seu quarto no rés -do-chão e a sala de
tratamentos, a antiga sala de estar, tinha sido transferida para o piso de cima, o que era
difícil para Tiago, apesar dele já se movimentar com uma certa facilidade com
as canadianas. Mas subir uma escada era ainda uma enorme dificuldade. Assim,
sabendo da próxima visita, Anabela, Isilda e Joaquim, uns dias antes esvaziaram o
quarto de arrumos, que a antiga dona tinha entre a sala e a cozinha, e trouxeram
alguns moveis e sofás, que Tiago mandara guardar na garagem, quando herdou a casa, e renovou a decoração, transformando o quarto numa pequena, mas agradável e confortável salinha.
12.11.23
DOMINGO COM HUMOR
Um médico recém-formado abre um consultório. Na sala de espera, já se encontra um homem sentado. Para não dar o ar de que se está a estrear, finge um telefonema com um suposto paciente. Minutos depois desliga e vira-se para o homem e pergunta:
- Então o meu amigo do que se queixa?
E responde o homem:
- Eu não me queixo de nada doutor. Sou da PT e venho ligar o telefone à rede…
*********************************
No Alentejo, dizia uma vizinha:
- O meu marido foi à caça e trouxe para casa dez lebres e sete perdizes!
Diz a outra:
- O mê Zéi também andou por esses campos e apanhou quatro couves galegas, oito repolhos e seis molhos de espinafre… Lá em casa somos todos vegetarianos!
******************************
Numa conversa entre velhotes, pergunta um:
- Conheces os Açores?
O outro:
- Conheço. Estive em S. Miguel.
O primeiro:
- E a Terceira?
O outro:
- Ainda tentei várias vezes, mas já não consigo…
11.11.23
10.11.23
CICATRIZES DA ALMA - PARTE LIII
Sem dúvida que Tiago era um belo homem. Especialmente agora que o seu corpo
tinha ganhado peso e massa muscular devido ao intenso tratamento no ginásio. Mas
que podia ele querer com ela? Profissionalmente era seu superior e no momento
era um doente e ela a sua fisioterapeuta. Nada podia haver entre eles, mesmo
que ela estivesse interessada numa nova relação, coisa que depois de Óscar e do
que sofrera com ele, não sabia se algum dia voltaria a desejar.
Anabela reconhecia que desde o
primeiro momento em que conhecera Tiago e soubera das suas ideias em relação ao
mundo que o rodeava, sentira uma grande admiração por ele, mas quem não sentiria
o mesmo perante os ideais do homem e a maneira como se tinha entregado a eles?
O que tinha a fazer, era intensificar os exercícios de marcha de modo a
poder sair, logo após o Ano Novo. Depois talvez ainda conseguisse uma vaga para
o Hospital inglês, ou quem sabe, o doutor Azevedo lhe oferecesse um contrato de
trabalho na sua clinica. De uma coisa estava certa, de momento não estava preparada para
voltar ao hospital, onde todos a conheciam e sabiam do seu passado. Não queria
a piedade de ninguém.
Postos os seus pensamentos em ordem, desceu e entreteve-se na cozinha ajudando Isilda, com o jantar e ouvindo as muitas e engraçadas histórias sobre os “velhos tempos”, na quinta e na vila.
Em dezembro os dias acabam depressa e
as noites são longas. Anabela, preferia a companhia da cozinheira e do marido,
à televisão que tinha no seu quarto. Na verdade, nunca ligara muito à TV.
Gostava de ler um bom livro, ou de uma ida ao cinema. E sobretudo gostava de
conviver com a sua amiga Paula e família. De resto, ela sempre tivera por
companhia habitual a solidão. Primeiro com a mãe a quem o álcool tirara toda a
capacidade de ser verdadeiramente uma mãe, depois com a velha senhora que a
recolhera, que fora sem dúvida, melhor do que o orfanato, ou mesmo do que a sua mãe, mas a quem os muitos anos, e o seu grande desgosto com a morte do
companheiro de toda a vida, não permitiam dar à pequena Anabela, mais do que o conforto dum teto e do alimento físico. A alma de Anabela, sempre fora descuidada e desde muito cedo
aprendera a viver na solidão.
9.11.23
8.11.23
CICATRIZES DA ALMA - PARTE LII
Nessa mesma tarde, ao entrar na sala de tratamentos, Tiago dirigiu a cadeira para junto da passadeira a fim de tentar andar, mas Anabela virou a cadeira dizendo-lhe:
-Primeiro vamos fazer alguns exercícios com os elásticos num pequeno
aquecimento a fim de preparar os músculos para então tentar caminhar.
Então depois de estar deitado na marquesa, entregou-lhe os elásticos.
Durante dez minutos deixou-o executar os exercícios a que estava habituado,
depois disse:
-Pode parar e vamos então tentar o treino de marcha. O doutor já consegue
estar de pé, mas aguenta o peso do corpo nos braços. Então quero que me oiça
com atenção e siga a minha orientação, - disse enquanto o doente dirigia a
cadeira até à passadeira para tentar iniciar a marcha.
Primeiro fique de pé, colocando as mãos na barra e fazendo todo o peso do corpo sobre os braços. Depois respire fundo e vá soltando o peso do corpo lentamente sobre as pernas. Sinta o chão debaixo dos pés. Se sentir dores avise-me se estiver tudo bem, deixe de fazer força nos braços por completo, Mantendo-os na barra de apoio prontos a segurá-lo se sentir dores fortes ou se perder o equilíbrio.
Se
continuar bem levante um pé e tente balançá-lo para a frente, sustentando o
corpo no pé que está apoiado e nos braços. Não se preocupe se sentir o tronco
impulsionado para a frente, pois é normal, mas pare e avise se sentir dores
fortes. Caso contrário, pouse o pé no chão e embora mantenha as mãos na barras
de apoio, tente deixar o peso do corpo apenas nas pernas. Se continuar bem experimente
fazer o mesmo com o outro pé. Isso, assim, muito bem. Acaba de dar um primeiro passo. Como se sente?
-Bem.
-Então vamos continuar. Hoje apenas cinco minutos. Não quero que se esforce
em demasia. Iremos aumentar gradualmente o tempo até que esteja bem.
Cinco minutos depois, Anabela trouxe a cadeira para junto da passadeira.
-Parabéns. O pior já passou. As pernas recuperaram o movimento, acredito
que mais duas semanas e poderei dar o meu trabalho por concluído.
-Obrigado. É um milagre, e devo-o a si - disse ao mesmo tempo, que em
vez de rodar o corpo para se sentar na cadeira, deu apenas meia-volta estendeu
os braços e abraçou Anabela.
Não foi um abraço, apertado, ele continuava dentro da passadeira e Anabela
ao lado desta pelo que entre ambos havia as barras de apoio, mas ainda assim,
Anabela sentiu o corpo tremer, e uma emoção estranha.
-Então, que é isso? Compreendo que se sinta feliz, mas não precisa
agradecer. Não fiz nada mais que fazer-lhe os tratamentos que seu tio
prescreveu. É a minha profissão. A sua força de vontade é que fez o resto, -
disse tirando-lhe os braços do seu corpo e apoiando-os barra. E por favor
sente-se. Não quero que regrida por ter abusado no primeiro dia, - concluiu
Ele assim fez e enquanto se movimentava para o quarto disse:
-Até amanhã. Um dia, quando eu tiver recuperado totalmente, conversaremos sobre isso.
7.11.23
POESIA ÀS TERÇAS - MIA COUTO - SEM DEPOIS
SEM DEPOIS
Todas as vidas gastei
para morrer contigo.E agora
esfumou-se o tempo
e perdi o teu passo
para além da curva do rio.
Rasguei as cartas.
Em vão: o papel restou intacto.
Só meus dedos murcharam, decepados.
Queimei as fotos.
Em vão: as imagens restaram incólumes
e só meus olhos
se desfizeram, redondas cinzas.
Com que roupa
vestirei minha alma
agora que já não há domingos?
Quero morrer, não consigo.
Depois de te viver
não há poente
nem o enfim de um fim.
Todas as mortes gastei
para viver contigo.
6.11.23
CICATRIZES DA ALMA - PARTE LI
(RECORDANDO O ÚLTIMO CAPÍTULO)
Intrigada, Anabela arrumou a sala, guardou a ficha do doente, e dirigiu-se à cozinha, onde encontrou a empregada, pondo a mesa para o almoço.
- Bom dia, Isilda. Aconteceu alguma coisa especial nestes dois dias que estive ausente?
- Bom dia, Anabela. Bom foi Natal, e os pais do menino Tiago vieram passar o Natal. Porquê?
- O doutor Tiago, parece bem melhor, mais animado, mais conversador…
-Bem, isso está. Há dias que o meu Joaquim me dizia que ele estava bem melhor, já a movimentar a cadeira sozinho, e a tornar-se mais independente. Mas como sabe eu só entro no quarto quando vou fazer limpeza e isso é sempre pela manhã, ou quando está no banho ou nos exercícios de modo que nunca o vejo. Porém nestes dois dias ele veio comer à mesa com os pais, e realmente parecia outra pessoa, muito diferente de há um mês. Conversou bastante com os pais e eles estavam muito esperançosos, de que em breve o filho voltasse a andar. Por que pergunta?
-Porque anteontem quando fui embora, ele continuava com mau humor, e precisou da minha ajuda para sair da maca para a cadeira. E hoje, não só não precisou dessa ajuda, como estava bem-humorado e conversador.
- Ele soube ontem notícias de outro doutor que estava com ele, lá em África e ficou bastante contente. Mas penso que não foi esse o milagre pois ele já se mostrou simpático e bem-disposto na véspera, durante a consoada.
- Bom, vou até ao quarto, preciso mudar de roupa, e já volto para lhe ajudar.
Despejou a mochila em cima da cama, pôs de lado os dois embrulhos e guardou na cómoda a roupa que trouxera. Depois de ter lavado a cara e o rosto, pegou nos dois embrulhos e desceu.
-Já na cozinha, entregou a Isilda um dos embrulhos, pôs o outro na cadeira onde Joaquim costumava sentar-se dizendo:
-É uma pequena lembrança de Natal.
-Obrigada. Mas não carecia de estar a gastar dinheiro connosco. E demais não comprámos nada para si.
- Mas que mais me podiam dar, se já me deram tanta atenção e carinho durante estas semanas? De resto como disse é apenas uma lembrança.
A empregada rasgou o embrulho e retirou uma bonita camisola de lã, cor de salmão.
- Obrigada. É tão bonita. E macia – disse encostando a malha ao rosto.
Nesse momento entrou Joaquim e a conversa repetiu-se. E depois de rasgar o seu embrulho, retirou um belo pulôver de lã castanho, que ele agradeceu. De seguida perguntou à mulher.
- Tens o almoço pronto para levar ao doutor?
- Tenho. É só preparar o tabuleiro.
Pouco depois ele levava o almoço ao patrão.
Nota: Amigos vou tentar acabar esta história, mas não sei se o conseguirei fazer pois os problemas que tenho enfrentado desde abril, têm-me deixado sem inspiração para nada.