Tudo bailava em chulas populares, em velhas danças
mouriscas, em bailados à la moda ou à meia volta, em ingénuas gaivotas, em
finos minuetes de anquinhas e de bico de pé afiambrado.
Tudo ria, tudo cantava nesses deliciosos magotes de
festivais romeiros de todas as idades, de todas as profissões, de todos os
países, de todos os tempos! Os cegos tocando as suas sanfonas; os pretos
pulando uma sarabanda; os galegos com com o peru, com o vitelo ou com o
bacorinho às costas; o aguadeiro com o a sua gaite-de-fole dançando a munem; a
saloia de carapuça de bico e de saiote encarnado, trazendo o cesto com ovos; o
saloio eu barril novo; o ceifeiro com a sua fouce e o seu feixe de trigo; o
lenheiro carregando o cepo sagrado para a fogueira da Missa do Galo; o pequeno
saboiano com a sua marmota; o tocador de realejo dando à manivela do seu
instrumento; o pastor com um borrego ou um chibo debaixo do
braço; o passarinheiro com as suas esparrelas e o seu alçapão com um melro
dentro; a manola com o seu leque e a sua mantilha sevilhana traçada na cinta; o
maioral tocando a guitarra sentado no garrido albardão da sua mula; os gitanos
entoando a seguidilha; numerosos rebanhos, de perus, de patos, de anhos, de
porcos e de cabritos; e muitas personagens, de variegados trajos exóticos,
tangendo pandeiros, adufes e castanhetas, como nos autos pastoris, nos
colóquios e nos vilancicos, antigamente representados diante das lapinhas nas
catedrais da Idade Média.
Alguns — os mais ricos presépios — tinham corda interior
fazendo piar passarinhos que voavam de um lado para o outro, mexiam as asas e
davam bicadas nas fontes de vidros, em que caía uma água também de vidro,
fingida com um cilindro que andava à roda por efeito de misterioso maquinismo.
Todas essas figuras do antigo presépio da minha infância tinham uma ingénua
alegria primitiva, patriarcal, como devia ser a de David dançando na presença
de Saul. Dessas boas caras de páscoas, algumas modeladas por inspirados
artistas obscuros, cuja tradição se perdeu, exalava -se um júbilo comunicativo
como de uma grande aleluia.
Um outro menino — não o do tabernáculo, que esse estava
seguro ao berço com um parafuso —, um menino maior, sobre uma toalha bordada,
era trazido em roda e recebia sobre os seus diminutos pés polpudos, saudáveis,
rubenescos, a enfiada de beijos de todas as pequenas bocas inocentes,
vermelhas, afiladas em bico, gulosas dos refeguinhos daquele pequenino Deus tão
louro, tão manso, tão lindo! Depois celebrava-se a ceia, o mais solene banquete
da família minhota.
Tinham vindo os filhos, as noras, os genros, os netos.
Acrescentava-se a mesa.
Punha-se a toalha grande, os talheres de cerimónia, os copos
de pé, as velhas garrafas douradas. Acendiam mil luzes nos castiçais de prata.
As criadas, de roupinhas novas, iam e vinham ativamente com as rimas de pratos,
contando os talheres, partindo o pão, colocando a fruta, desrolhando as
garrafas.
Os que tinham chegado de longe nessa mesma noite davam
abraços, recebiam beijos, pediam novidades, contavam histórias, acidentes da
viagem; os caminhos estavam uns barrocais medonhos; e falavam da saraivada, da
neve, do frio da noite, esfregando as mãos de satisfação por se acharem
enxutos, agasalhados, confortados, quentes, na expectativa de uma boa ceia,
sentados no velho canapé da família.
E o nordeste assobiava pelas fisgas das janelas; ouvia-se ao
longe bramir o mar ou zoar a carvalheira, enquanto da cozinha, onde ardia no
lar a grande fogueira, chegava num respiro tépido o aroma do vinho quente
fervido com mel, com passas de Alicante e com canela. Finalmente o bacalhau guisado,
como a brandade da Provença, dava a última fervura, as frituras de
abóbora-menina, as rabanadas, as orelhas-deabade tinham saído da frigideira e
acabavam de ser empilhadas em pirâmide nas travessas grandes.
Uma voz dizia:
— Para a mesa! Para a mesa!
6 comentários:
Não sendo minhotos os meus avós paternos era muito isso que tinham em casa nesta época do ano.
Bfds
Confesso que esta época de Natal já não me diz grande coisa...preferia avançar os dias...
Isabel Sá
Brilhos da Moda
Gostei bastante!
Beijos e um bom dia
Contos, lendas, têm sempre algo de verdadeiro. Gostei de ler.
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FELIZ NATAL … BOAS FESTAS
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Que bonito!! :))
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Quero, abraçar a vida com benevolência...
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Beijo, bom fim-de-semana
Boa noite Elvira,
Dá gosto ler esta descrição do Natal de tempos idos.
Vivia-se mais a essência do Natal em comunhão com a família.
Um beijinho e saúde.
Ailime
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