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14.12.22

CONTOS DE NATAL - RAMALHO ORTIGÃO - NATAL MINHOTO

 

 

É dia de Natal.

A cidade amanheceu alegre no céu fresco e azul. Os carrilhões das igrejas repicam festivamente. As salsicharias, os restaurantes, as pastelarias, ostentam em exposição os seus produtos mais apetitosos: os grandes porcos, de couro nitidamente barbeado, suspensos do teto com a cabeça para baixo; as salsichas e os chouriços de sangue pendentes em bambolim; as cabeças de vitela, de uma palidez linfática, rodeadas de agriões; os perus gordos como ventres de cónegos, com o papo recheado pela respetiva cabidela; as galantines marmoreadas; as louras perdizes postas em pirâmide; as costeletas; as geleias de reflexos cor de topázio; as verduras de salsa picada; os grossos molhos opulentos dos espargos; os bolos do Natal: os fartes, os sonhos, os morgados, as filhós, as queijadas, os christmas-kacks, os puddings, os bombons glacés.

E a profusão destas exposições dá às ruas o aspeto culinário da abundância, da plenitude. Os ramalhetes de violetas, com o seu colarinho feito de duas malvas, estendem-se de todos os lados para as casas dos paletós, e perfumam o ambiente com uma frescura orvalhada. Os cabazes das camélias cintilam como grandes esmaltes.

As lojas de bijutarias armaram o grande pinheiro do Natal, cujas hastes desabrocham em cartuchos de amêndoas, em cartonagens douradas, em animais de quase todas as espécies recolhidas na Arca, em cabriolets de lata, em cavalos de cartão, em palhaços vermelhos que tocam pratos, e em lindas bonecas vestidas de cetim com os seus piifs, os seus chignoiis e os seus regalos.

Lisboa inteira passeia na vasta alegria do sol. Os homens trazem os seus embrulhos, as mulheres levam os seus filhos pela mão. As meninas, vestidas de novo, em grande toilette, frescas como lilases, com os seus narizinhos rosados pelo nordeste, dirigem-se ao baile infantil, organizado no salão de um teatro por uma associação de senhoras, em favor de um estabelecimento de beneficência.

O piano, em alegres esfuziadas, chama à quadrilha as jovens damas de quatro anos e os pequenos cavalheiros seus pares. A árvore de Natal braceja as dádivas encantadoras sobre o grande baile em miniatura…

Ide, queridos amiguinhos, ide divertir-vos! Aquele que vos fala já foi em tempo — há bom tempo! — aquilo que vós hoje sois, e teve também a sua festa inteiramente desanuviada, absolutamente feliz como a vossa. A única diferença é que, nessa remota idade e no obscuro canto da província em que ele nasceu, a árvore do Natal era ainda uma instituição desconhecida. Era uma terra bárbara aquela em que este pai-avô veio à luz e que tantas vezes ele percorreu, já periclitante na imperial de trémulas e arrastadas diligências, já a cavalo debaixo de um amplo capote de cabeções, já a pé, só, com um bordão!

Ele conhecia-a nesse tempo como o seu próprio quarto, a essa terra; tinha de cor o número das covas no macadame das estradas, os buracos dos velhos muros por onde rompiam os musgos e as madressilvas, os brancos campanários das igrejas situadas no fundo dos vales, entre as nogueiras e os carvalhos, ao cabo dos longos tapetes formados pela superfície variegada dos campos de trevo.

CONTINUA

3 comentários:

Pedro Coimbra disse...

E eu vou continuar a acompanhar.

chica disse...

Muito lindo e vamos seguir...
Como estás? Um pouco melhor? beijos, chica

Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Gostei imenso desta narrativa relativa ao Natal minhoto.
Muito linda.
Beijinhos e boas melhoras.
Ailime