É dia de Natal.
A cidade amanheceu alegre no céu fresco e azul. Os
carrilhões das igrejas repicam festivamente. As salsicharias, os restaurantes,
as pastelarias, ostentam em exposição os seus produtos mais apetitosos: os
grandes porcos, de couro nitidamente barbeado, suspensos do teto com a cabeça
para baixo; as salsichas e os chouriços de sangue pendentes em bambolim; as
cabeças de vitela, de uma palidez linfática, rodeadas de agriões; os perus
gordos como ventres de cónegos, com o papo recheado pela respetiva cabidela; as
galantines marmoreadas; as louras perdizes postas em pirâmide; as costeletas;
as geleias de reflexos cor de topázio; as verduras de salsa picada; os grossos
molhos opulentos dos espargos; os bolos do Natal: os fartes, os sonhos, os
morgados, as filhós, as queijadas, os christmas-kacks, os puddings, os bombons
glacés.
E a profusão destas exposições dá às ruas o aspeto culinário
da abundância, da plenitude. Os ramalhetes de violetas, com o seu colarinho
feito de duas malvas, estendem-se de todos os lados para as casas dos paletós,
e perfumam o ambiente com uma frescura orvalhada. Os cabazes das camélias
cintilam como grandes esmaltes.
As lojas de bijutarias armaram o grande pinheiro do Natal,
cujas hastes desabrocham em cartuchos de amêndoas, em cartonagens douradas, em
animais de quase todas as espécies recolhidas na Arca, em cabriolets de lata,
em cavalos de cartão, em palhaços vermelhos que tocam pratos, e em lindas
bonecas vestidas de cetim com os seus piifs, os seus chignoiis e os seus
regalos.
Lisboa inteira passeia na vasta alegria do sol. Os homens
trazem os seus embrulhos, as mulheres levam os seus filhos pela mão. As meninas,
vestidas de novo, em grande toilette, frescas como lilases, com os seus
narizinhos rosados pelo nordeste, dirigem-se ao baile infantil, organizado no
salão de um teatro por uma associação de senhoras, em favor de um
estabelecimento de beneficência.
O piano, em alegres esfuziadas, chama à quadrilha as jovens
damas de quatro anos e os pequenos cavalheiros seus pares. A árvore de Natal
braceja as dádivas encantadoras sobre o grande baile em miniatura…
Ide, queridos amiguinhos, ide divertir-vos! Aquele que vos
fala já foi em tempo — há bom tempo! — aquilo que vós hoje sois, e teve também
a sua festa inteiramente desanuviada, absolutamente feliz como a vossa. A única
diferença é que, nessa remota idade e no obscuro canto da província em que ele
nasceu, a árvore do Natal era ainda uma instituição desconhecida. Era uma terra
bárbara aquela em que este pai-avô veio à luz e que tantas vezes ele percorreu,
já periclitante na imperial de trémulas e arrastadas diligências, já a cavalo
debaixo de um amplo capote de cabeções, já a pé, só, com um bordão!
Ele conhecia-a nesse tempo como o seu próprio quarto, a essa
terra; tinha de cor o número das covas no macadame das estradas, os buracos dos
velhos muros por onde rompiam os musgos e as madressilvas, os brancos campanários
das igrejas situadas no fundo dos vales, entre as nogueiras e os carvalhos, ao
cabo dos longos tapetes formados pela superfície variegada dos campos de trevo.
3 comentários:
E eu vou continuar a acompanhar.
Muito lindo e vamos seguir...
Como estás? Um pouco melhor? beijos, chica
Boa noite Elvira,
Gostei imenso desta narrativa relativa ao Natal minhoto.
Muito linda.
Beijinhos e boas melhoras.
Ailime
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