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31.12.22

PORQUE HOJE É SÁBADO




Andrea, Matteo & Virginia Bocelli - A Bocelli Family Christmas

NO último sábado do ano, trago-vos um vídeo de uma família que todos conhecem. É um pouquito longo mas vale a pena ver, seja pelas vozes, ou pelas paisagens de sonho.

FELIZ ANO NOVO  

30.12.22

FELIZ ANO NOVO



Infelizmente para todos nós, os últimos anos têm-se sucedido com a rapidez de um raio trazendo consigo, as guerras, as lutas pelo poder, as doenças, as tragédias climáticas e humanas que todos conhecemos.

Mas cada vez que um ano chega ao fim, os nossos corações enchem-se de esperança, de que o próximo seja melhor, não só para nós, mas também para toda a humanidade. Sonhamos com um mundo, onde a Paz substitua a Guerra, o Amor tome o lugar do Ódio, a Saúde prevaleça sobre todos os vírus, para toda a humanidade, a par dos nossos sonhos mais pessoais, um novo emprego, aquela viagem de sonho que adiamos há anos, os filhos, ou os netos que irão alargar a família e encher de alegria os nossos corações.

E  porque a esperança é a última a morrer, agora que este ano chega ao fim,  eu desejo para cada um de vós, que 2023 seja aquele ano mágico, com que sempre têm sonhado.

Aproveito para agradecer a todos a paciência e o carinho que me têm dedicado neste que tem sido um ano muito difícil a nível de saúde, não apenas meu, mas daqueles que trago no coração. 

Bem Hajam!

29.12.22

CONTOS DE NATAL - O PRESÉPIO

 



Havia quase um ano que estava na loja, mercearia num bairro escuro, em que mal entrava de esguelha, como espreitando a medo, um raio de sol, entre as casarias muito altas da rua tortuosa. Com doze anos, que saudades tinha da aldeia, da família, dos antigos companheiros de escola, dos cães amigos que ladravam de noite a vigiar a casa! 

Tudo lá tão longe! Ah! Se ele soubesse!... Pois nem uma lágrima lhe viera anuviar o último adeus, quando a diligência dera volta na estrada e ele vira sumirem-se os choupos da ribeira e o lenço que mão saudosa sacudia no alto do cabeço. É que o deslumbrava a ideia de Lisboa, de que tantas maravilhas grandes lhe contavam. Ainda agora partia, e já se via de volta na aldeia, de relógio e cadeia de ouro, a falar de alto, a puxar o bigode, a dar enchente, como o Januário, que lhe arranjara o lugar.

Com o seu examezinho de instrução primária, marçano de uma tenda... Não, que os pais não o queriam para cavador. Tinham sido consultados o mestre-escola, o prior, o senhor Freitas, lavrador muito importante que arrastava tudo nas eleições, o Custódio, velhote de muito bom conselho, e todos se tinham mostrado de acordo: não havia como Lisboa para fazer um homem. Era ver o Januário que tinha casado com a viúva do patrão. A loja era de um cunhado dele, bom homem, áspero mas bom homem.
 Os olhos baixos do Manuelzito, fitos no chão, viam no tijolo resplandecer aureolas, que giravam como o fogo de vistas pelas festas.

Ah estava, havia quase um ano; e no desvão da escada, onde às dez horas o mandavam deitar, a morrer de calor no Verão, no Inverno a morrer de frio, punha-se a rever os campos e a casa deixados sem as lágrimas, que lhe corriam agora em grossos fios pelas faces. Os primeiros dias tinham passado muito lentos. A conselho do Januário, um biscoito ou outro da mão papuda e oleosa do merceeiro tinham-no ajudado na tarefa. Assim é que ele havia de ser homem, um dia. Mas o patrão mostrava maior pressa. Pai, mãe e mestre-escola nunca lhe tinham batido. Atreveu-se uma vez a declará-lo. Foi pior. Chegou o Verão. As festas de São João e São Pedro aumentaram-lhe a tristeza. Reviu nesses dias mais intensamente a alegria da  aldeia, os bailes à noite em volta da fogueira, a ida à fonte pela manhã, o sino a tocar à missa, e ele a pensar que, quando fosse crescido, havia de ter uma namorada por quem queimasse uma alcachofra, a quem cantasse umas quadras falando de estrelas e de flores.

A bulha nas ruas, nessas noites, não o deixara dormir. Cada bomba era uma pancada no coração. Um sol-e-dó que passou tocando arrancou-lhe lágrimas de imensa saudade. Pelos Santos, com a melancolia do tempo, ainda foi pior. Depois veio o Inverno, começaram os dias de chuva. O mau tempo irritava o patrão, porque lhe afugentava fregueses. Na loja, com recantos muito negros, acendiam-se muito cedo os candeeiros, e o Manuelzito tinha pena da sombra em que se acolhia com maior amor. Pasmava os olhos, fugia com o pensamento para muito longe. — Acorda, ralaço! — gritava-lhe o patrão. Estava a chegar o Natal. Que lindo era o Natal lá na aldeia!

Andavam na rua a abrir um cano; quase ninguém ali passava; os passeios eram cheios de lama. O patrão andava furioso. Então o pequeno teve uma ideia.
Lembrou-se de fazer muito misteriosamente um presépio. O segredo em que havia de trabalhar mais o animava na tarefa. Todos os dias, muito a medo, enquanto o patrão almoçava ou saía da loja algum instante, vinha à porta, se não havia freguês a servir, espreitava, corria, apanhava um nadinha de barro nas escavações do cano. Escondia-o, e debaixo do balcão, quase às apalpadelas, ia fazendo as figurinhas. Assim modelou o menino Jesus, que deitou num berço de caixa de fósforos, Nossa Senhora de mãos postas, São José de grandes barbas, os três Reis Magos a cavalo, e os pastores, um a tocar gaita de foles, outro com um cordeirinho às costas, e uma mulher com uma bilha. Não se pareceriam lá muito; mas ele deu provas de que sabia puxar pela imaginação. Sempre lhe faltava alguma coisa. Havia problemas difíceis de resolver.
 Um dia, engraxando as botas do patrão, lembrou-se de engraxar um dos reis, e pôs-lhe depois umas bolinhas brancas, de papel a fingir os olhos.
Aos anjos fez asas com as penas de uma galinha que depenou para um jantar de festa que não comeu. Moeu vidro para fingir as águas do rio, e no papel de embrulho recortou um moinho que só havia de armar à última hora. Levou nisso parte de Novembro e Dezembro todo, até ao Natal. Escondia os materiais debaixo da enxerga e, de vez em quando, revia-se na obra.

 O que mais o encantava era o menino Jesus, com a cabeça do tamanho de um grão de milho, com buraquinhos a fingirem olhos, ouvidos, nariz e boca. Tinha mãos com cinco dedos riscados a canivete e dois pezinhos que ele achava um encanto. Com tiras de papel azul havia de fazer o céu e, como o não tinha dourado onde recortasse a estrela, fez em papel branco uma meia Lua; vinha quase a dar na mesma Aquele mês passou correndo. Era a véspera do Natal. As dez e meia, o patrão mandou-o deitar e saiu. Que alegria estar só! 

Não lhe deixavam luz; mas que importava? Às escuras armaria o presépio. E logo começou. Enrolou o moinho, pôs-lhe as velas; esticou o papel azul que fingia o céu e pregou nele com um alfinete a meia Lua; espalhou o vidro moído, num S em volta das palhas; dispôs as figurinhas, suspendeu os anjos.
Depois fez uma carreira de fósforos de cera, que todos se tinham de acender ao mesmo tempo, num deslumbramento, quando desse meia noite. Deram onze e três quartos. Ajoelhou. Batia-lhe o coração, que lhe parecia que deviam de ser milagrosas as figurinhas, que delas lhe viria algum bem, consolação da sua vida triste. Que seria quando ele iluminasse o desvão da escada e os santinhos se pusessem todos a luzir quase tanto como os verdadeiros? Rezava-lhes...Rezava-lhes... 

Àquela hora, lá na aldeia, tocavam os sinos alegres e iam ranchos contentes a caminho da igreja. Lá dentro reluzia o trono, e o sacristão muito atarefado ia, vinha... Meia noite! Acendeu os fósforos e ficou embasbacado! Nunca assim vira coisa tão perfeita. Os anjos voavam deveras, os cavalos dos reis galopavam, o rio corria, as velas giravam no moinho e os pontinhos do Menino Jesus sorriam-lhe no rosto a São José e a Nossa Senhora! Pôs-se a cantar, como lá na aldeia:

 Andava nessas campinas, 
Esta noite, um querubim.

Tão enlevado cantava, que nem ouviu o patrão abrir a porta, entrar na loja, chegar ao desvão. Acordou-o do êxtase um pontapé. — Isso... Agora larga-me fogo à escada!... Varre-me já esse lixo! E ele, a chorar, levantou-se, foi buscar a vassoura. O bruto continuava aos pontapés. — Vá?... Vá! Mas quando se deitou, encontrou na enxerga uma figurinha. Apalpou-a, conheceu-a logo: era a do Menino Jesus. Beijou-a muito. Pior vida levara do que ele... Sentiu de repente um dó muito grande do patrão, que não vira nada, nem que era tão bonito aquele Menino, com um olhar tão meigo nos seus olhinhos picados.




 D. João da Câmara.

Contos tradicionais Portugueses

28.12.22

CONTOS DE NATAL - UM NATAL CHEIO DE TERNURA

 


Há já muitos anos que o ursinho se mantinha quieto na prateleira de madeira. A fita vermelha que trazia ao pescoço perdera a frescura de outrora e o pelo amarrotado e coberto de poeira começava a ficar cinzento. Os seus olhos, porém, continuavam a brilhar tanto como quando uma criança pegara nele ao colo pela primeira vez.

Naquela noite, o ursinho pôs-se a caminho. Saiu do quarto em silêncio e deixou a casa. O vento gelado que soprava na rua fê-lo estremecer, mas o pequeno urso apertou as pontas do laço e, com o passo acelerado, chegou ao armazém abandonado e esperou.
À semelhança dele, todos os ursinhos da cidade se tinham posto a caminho. Pé ante pé, tinham todos saído dos baús de brinquedos, das caminhas fofas, das caixas enfeitadas e das montras iluminadas para mergulhar na noite.
Foram chegando um a um: havia ursinhos elegantes, fofos, rechonchudos, magricelas, grandes, pequenos, e malandros com asas de anjo. Quando o último chegou, o sino da igreja bateu as doze badaladas.
O ursinho cumprimentou-os a todos e acenou com a cabeça. Era o sinal.
Centenas de patinhas de veludo atiraram-se ao trabalho: os ursinhos treparam a telhados, varandas, caleiras, chaminés, goteiras e correram para dentro das casas. Em seguida, aspiraram o ar com os seus delicados focinhos e foram direitos aos presentes que se encontravam debaixo dos pinheiros.
Começaram a abrir os embrulhos todos: em sacos muito grandes, guardaram frascos de perfume, lápis de cor, carrinhos e patins. Nada foi esquecido, nem sequer um lenço de seda ou uma gravata.
Depois, em cada caixa, em vez de prendas, deixaram um bilhete com frases escritas pelas suas patitas. Em seguida, foram esconder os verdadeiros presentes num local secreto. E, tão silenciosamente como tinham chegado, voltaram para as suas prateleiras, camas, caixas, montras e baús, como se nada tivesse acontecido.
No dia seguinte, as pessoas ficaram dececionadas com a partida que lhes fora pregada!
Ao encontrarem bilhetes escritos dentro dos embrulhos, as crianças desataram a chorar. Para onde teriam levado as prendas?
Mas, sentadas debaixo do pinheiro, a pouco e pouco começaram a reler os bilhetinhos, que diziam coisas como «Gosto muito de ti», «Penso em ti», «Em breve, irei visitar-te».
Foi então que todos pensaram nas pessoas que não podiam estar com eles naquela noite de festa e que deviam sentir-se ainda mais sós do que nos outros dias.
Decidiram vestir os casacos e pôr-se a caminho.
Foram ver a avó que vivia sozinha, uma tia que estava no hospital, um vizinho que tinha a família longe…
Ninguém ficou esquecido. Só depois se puderam ouvir risos nas casas iluminadas e uma cidade inteira a cantar “Feliz Natal!”
Depois da festa, as pessoas dormiram felizes e em paz, pois acabavam de viver um Natal maravilhoso. E, enquanto sonhavam, patinhas de veludo vieram repor os presentes debaixo dos pinheiros…
O ursinho de pelo desgrenhado e laço vermelho continua à espera na prateleira. Mas o pó do pelo cinzento desapareceu e os seus olhos brilham agora como nunca.
Bruno Hächler
Un Noël de tendresse
Zurich, Editions Nord-Sud, 2000
(Tradução e adaptação

FELIZ NATAL

27.12.22

POESIA ÀS TERÇAS - JOÃO COELHO DOS SANTOS - NATAL DE QUEM?

 



NATAL DE QUEM?



Mulheres atarefadas
Tratam do bacalhau,
Do perú, das rabanadas.

-- Não esqueças o colorau,
O azeite e o bolo-rei!

- Está bem, eu sei!

- E as garrafas de vinho?

- Já vão a caminho!

- Oh mãe, estou pr'a ver
Que prendas vou ter.
Que prendas terei?

- Não sei, não sei...

Num qualquer lado,
Esquecido, abandonado,
O Deus-Menino
Murmura baixinho:

- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?

Senta-se a família
À volta da mesa.
Não há sinal da cruz,
Nem oração ou reza.
Tilintam copos e talheres.
Crianças, homens e mulheres
Em eufórico ambiente.
Lá fora tão frio,
Cá dentro tão quente!

Algures esquecido,
Ouve-se Jesus dorido:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?

Rasgam-se embrulhos,
Admiram-se as prendas,
Aumentam os barulhos
Com mais oferendas.
Amontoam-se sacos e papeis
Sem regras nem leis.
E Cristo Menino
A fazer beicinho:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?

O sono está a chegar.
Tantos restos por mesa e chão!
Cada um vai transportar
Bem estar no coração.
A noite vai terminar
E o Menino, quase a chorar:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?
Foi a festa do Meu Natal
E, do princípio ao fim,
Quem se lembrou de Mim?
Não tive teto nem afeto!

Em tudo, tudo, eu medito
E pergunto no fechar da luz:

- Foi este o Natal de Jesus?!!!


João Coelho dos Santos
in Lágrima do Mar - 1996

26.12.22

CONTOS DE NATAL - O NATAL DAQUEL ANO

 



O Francisco frequentava o terceiro ano de escolaridade

 com muito bom aproveitamento. Era um miúdo admirável!

Já vivera razoavelmente mas, atualmente, sofria as 

consequências da quase indigência do pai por, no início 

daquele ano, ter perdido o emprego. Era um bom  

trabalhador, mas a oficina fechara.

Andava o miudinho muito triste e amargurado porque a 

fome, o frio e a tristeza eram o pão-nosso de cada dia 

naquela casa.Como habitualmente, ao aproximarem-se as

férias do Natal, a professora mandou que os alunos fizessem

uma redação sobre essa quadra festiva.

O Francisco debruça-se sobre o papel e, numa letra mais 

adulta que infantil, intitula a sua composição de APELO e 

escreve:

«Menino Jesus: não acredito no que tenho ouvido dizer a 

teu respeito, ou seja, que só dás a quem já tem, e nada dás

 a quem nada tem! Explico-te porquê: eu sei que são os pais

 a darem essas prendas e não tu, que tens mais que 

fazer; se fosses tu, de certeza que davas a todos e, se 

calhar, em primeiro lugar aos mais pobres.

Sim, eu tenho certeza que davas a todos e, se calhar, em 

primeiro lugar aos mais pobres. Sim, eu tenho a certeza que

 seria assim, pois nunca te esqueces que também nasceste 

pobre e pobre morreste.

Não venho pedir nada para mim. Quero lembrar-me que 

o meu pai está há um ano sem trabalho e precisa de 

ganhar dinheiro para nos sustentar. Por isso, não te 

esqueças de lhe arranjar um emprego. 

Eu sei que Natal quer dizer nascimento e, olha, nós também 

nascemos e, com certeza, não foi para que morrêssemos já, 

sem dar testemunho sobre a terra. Se assim fosse, como é 

que poderíamos dar os parabéns pelo teu aniversário?! Já 

agora podes ficar a saber que eu nasci no mesmo dia: nasci 

no Natal»

Pouco antes de as férias começarem, a professora chamou 

o Francisco e disse-lhe que tinha arranjado trabalho para o 

seu pai e, que já poderia começar a trabalhar no princípio 

de Janeiro do próximo ano. Foi tal a alegria dele que 

chorou copiosamente e, então, passou a andar tão 

contente, que os pais não sabiam que dizer. No entanto ele 

não disse porque é que andava assim.

Na véspera de Natal todos se deitaram cedo, pois a 

consoada consistiria em sopa e pão, por o dono da 

mercearia, atendendo ao dia que era, ter condescendido 

em acrescentar ao rol do livro da dívidas.

O Francisco não adormeceu logo. Depois de ter verificado 

que toda a gente estava a dormir, foi colocar o seu 

sapatinho à porta do quarto dos pais, com um bilhete dentro.

No dia de Natal, a mãe, que era sempre a primeira a 

levantar-se, ao sair do quarto tropeçou no sapato do filho. 

Baixou-se, pegou nele, e leu o bilhete: "Pai, a partir de 

Janeiro vai ter trabalho. Foi a minha professora que lho 

arranjou, por causa da minha redação ao Menino Jesus. É 

a nossa prenda de Natal".

Com as lágrimas nos olhos, de contentamento já se vê, 

aquele casal entrou, pé ante pé, no quarto do filho. Ao vê-

lo profundamente adormecido e a sorrir, ambos disseram: 

eis aqui o nosso Menino Jesus!



Fonte AQUI

23.12.22

UM NATAL DE OUTROS TEMPOS




 Um Natal de outros tempos

Era o primeiro Natal que Clara passava na casa da avó depois que se formara. Em criança, vivera ali muitos anos. Na verdade, depois que o seu pai morrera, quando ela tinha apenas oito anos, fora a avó Emília quem cuidara dela, uma vez que a mãe tinha poucos instintos maternais e pouco se preocupava com ela.  Assim Clara vivera com a avó até entrar na Universidade. E depois que terminara o Curso de Direito, resolvera estabelecer-se na vila, a dez minutos da aldeia e da casa da avó

Os dias antes do Natal eram de grande azáfama na aldeia.  A terra estava em festa, pois as famílias estavam todas reunidas. Todas as casas tinham alguém de fora. Era um marido que chegara da França, um irmão que vinha do Canadá, uns sobrinhos da Alemanha. Nunca, nem mesmo em agosto, havia tantos emigrantes na aldeia. Até na Casa Grande, como toda a gente chamava a casa da sua avó, havia gente nova

Clara pensou com tristeza que gostaria de que essa gente fosse a sua mãe, mas não. A mãe ficara na sua casa com atual marido, a preparar a viagem a Paris que ele lhe oferecera de prenda de anos, dois dias atrás.

 A avó tinha dois empregados, António o caseiro, e Arminda a mulher que era simultaneamente a empregada e a melhor amiga da avó.

E as visitas em casa da avó, eram o Carlos e a mulher que vinham mostrar o seu rebento aos avós. O Carlos era o único filho do António e da Arminda, que estava emigrado em França e que há dois anos não vinha à terra.

 A avó tinha o hábito, de fazer a Ceia de Natal com os empregados, como se todos formassem uma só família. Tinha sido um hábito instituído pelo seu falecido marido, há mais de quarenta anos. E quando ele morreu a viúva manteve a tradição.

Clara adorava a avó, e achava muito interessante a maneira como ela vivia o Natal. Uma das coisas que para a avó era sagrada, era deixar a mesa posta, com as rabanadas, o arroz-doce, as broas, o bolo-rei, enfim todos os doces tradicionais do Natal, toda a Santa Noite. Dizia a avó, que na noite de Natal, os espíritos tinham autorização para visitarem os seus familiares que ainda estavam na terra. Por isso a mesa ficava posta para os receber.

 Depois da ceia foram todos à Missa do Galo. Clara nunca tinha visto a pequena igreja tão cheia. A um canto os meninos do coro, todos vestidos de branco, entoavam lindos cânticos. Na homilia, o Padre Miguel, lembrou a história do nascimento de Jesus, chamando a atenção para o bonito presépio montado num dos lados do altar, e regozijou-se com a presença dos emigrantes presentes.

No adro da igreja, ardia um enorme madeiro, junto da qual estavam vários homens a conversar. Para eles a Missa tinha sido um pretexto para conviverem, enquanto as mulheres lá dentro oravam ao Criador.

O dia de Natal, começou com a missa matinal, no fim da qual, cumpriu-se o ritual do beijo ao Menino Jesus, que o Padre Miguel retirou do presépio e passou entre os presentes.

Terminada a cerimónia, Clara e a avó, Carlos e os pais, regressaram a casa, onde a sua mulher ficara com o bebé.

Depois do almoço em família, cansada a avó foi deitar-se um pouco, enquanto Clara ajudava a arrumar a cozinha e António e o filho saíam até ao único café da aldeia.

Mais tarde, regressaram enregelados e juntaram-se às mulheres na sala, onde a lareira acesa fazia esquecer o frio que se fazia na rua.

 

 Elvira Carvalho in Lugares e Palavras de Natal, editora Lugar da Palavra.

22.12.22

CONTOS DE NATAL - UM CONTO DE DOIS NATAIS

 




UM CONTO DE DOIS NATAIS



E o Grinch cismou como é que aquilo podia ser?
Viera sem fitas. Viera sem rótulos. Viera sem embalagens, caixas ou sacos.
Cismou tanto que a sua máquina de cismar ficou cansada.
Então, o Grinch pensou em algo que nunca tinha pensado antes.
E se o Natal não viesse de uma loja.
E se o Natal significasse um pouco mais…

Dr. Seuss






Tenho muitas memórias felizes do Natal de quando era criança, mas há duas em particular que se destacam das outras. A primeira ocorreu quando eu estava no sexto ano; a segunda, um ano mais tarde.

Depois de termos ido para a cama na véspera de Natal, o meu pai alinhou cinco cadeiras da cozinha na sala, uma para cada um dos filhos. De cabides de roupa fez ganchos e pendurou-os nas costas de cada cadeira; em cada um, pendurou as grandes meias de Natal vermelhas e verdes que a minha mãe tinha tricotado para cada um de nós. Os presentes demasiado grandes para caber nas meias foram colocados em cima ou por baixo das cadeiras.

Nessa manhã de Natal em particular, os meus pais estavam sentados no sofá, numa das extremidades da sala de estar, a ver-nos arrancar os embrulhos. Gritos entusiasmados de “Vejam o que eu recebi!” juntavam-se à balbúrdia que fazíamos, enquanto brincávamos com cada brinquedo por breves momentos, antes de o largar e atacar outro presente. Não me lembro dos presentes que recebi, mas não foram eles que tornaram aquele Natal memorável.

Tínhamos acabado de abrir o último presente quando o John, o meu irmão mais novo, e eu, olhámos por acaso para os nossos pais, que estavam ainda sentados no sofá. As caras de ambos estavam iluminadas por sorrisos radiantes.
— Mãe e Pai, porque estão a sorrir? — perguntou, confuso, o meu irmão. — Vocês não receberam nada.

Na altura, não dei muita atenção à pergunta do meu irmão ou às reações dos meus pais. Afinal de contas, eu tinha recebido o que queria. Tudo estava bem no mundo, e eu esperava que os futuros Natais — por causa dos presentes que iria receber — me trouxessem ainda mais alegrias.

A quadra festiva seguinte começou como todas as outras. Os meus amigos e eu recordávamos uns aos outros, diariamente, quanto tempo ainda faltava para o Natal. As semanas transformaram-se em dias, até que por fim chegou a véspera de Natal. Era o dia antes do “Grande Dia.” Nessa noite, fui para a cama empolgado como nunca. O pensamento de todas as preciosidades que iria receber em breve enchia-me totalmente a cabeça. No entanto, lá consegui forçar-me a dormir.

Por fim, chegou a manhã de Natal. Sendo o mais velho, senti que era minha obrigação solene liderar a correria até aos presentes — e assim fiz. O rasgar dos papéis era pontuado pelos habituais guinchos excitados de felicidade e os gritos de “Vejam o que eu tive!”, enquanto os meus irmãos e irmãs exibiam com algazarra os seus presentes novos acabadinhos de abrir.

 

Estava eu a rasgar o embrulho do meu segundo presente, quando senti que algo estava errado. Fiz uma pausa e dei-me conta de que a minha excitação febril da noite passada tinha desaparecido. Afinal de contas, o primeiro presente tinha sido a habitual lata de amendoins dada pelo meu pai. Talvez o presente que estava a abrir agora trouxesse de volta o meu entusiasmo.

Encorajado por esse pensamento, acabei de abrir o embrulho. Lá dentro estava um foguetão de plástico. Podia-se encher parcialmente com água, pressurizar com a bomba de plástico já incluída, depois lançá-lo ao ar a cerca de 9 metros. O John, o meu irmão mais novo, estava praticamente a salivar de inveja, mas eu nem sequer queria aquilo…

Um terceiro e último presente provou ser igualmente desinteressante. Aborrecido, peguei nos meus brinquedos e levei-os para a mesa da sala de jantar.

Os meus pais aperceberam-se do meu olhar cabisbaixo.
— Terry — disse o meu pai — falta-te ver um presente. Está debaixo da tua cadeira.

Sem qualquer entusiasmo, abri uma caixinha branca, quadrada, de cerca de cinco centímetros. Dentro estava um relógio de bolso da marca Westclox. Embora nunca tivesse tido um relógio antes, continuei muito desapontado.
Estava a tentar aceitar este vazio inexplicável quando, de repente, me lembrei da pergunta que o meu irmão tinha feito aos meus pais no Natal anterior: “Porque é que estão a sorrir? Vocês não receberam nada.”

Então algo aconteceu dentro de mim. Olhei de relance os meus pais, que continuavam sentados no sofá. O mesmo sorriso radioso de antes mantinha-se nas suas caras. Talvez eles soubessem algo que eu desconhecia. Caminhei até ao sofá e sentei-me ao lado deles.
E observei.

Naquele momento, um tipo diferente de Natal começou para mim. Dei por mim a sorrir pelo encanto que um dos meus irmãos ou uma das minhas irmãs mostravam ao abrir um presente. Senti-me particularmente satisfeito quando uma pequena prenda que eu tinha comprado para um deles era mais apreciada do que efetivamente merecia. Senti orgulho quando um deles se aproximou a pedir-me ajuda para montar um brinquedo ou um jogo.

Naquele ano, tal como o Grinch do Dr. Seuss, descobri que o Natal nem sempre vem dentro de uma caixa. Naquele ano, o Natal chegou para mim através dos olhos brilhantes e dos sorrisos felizes dos meus irmãos e irmãs mais novos. A minha única pena era que eles não pudessem ver o que eu estava a ver da minha posição no sofá.

Eles nem imaginavam o espetáculo que estavam a perder!

Terry Tippets


Fonte A