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26.3.21

CASAMENTO POR PROCURAÇÃO - PARTE XV



- Não eras totalmente um desconhecido. Conheço toda a tua família e lembrava-me de ti, embora estejas muito diferente daquela época, como é evidente. Mas tens razão, sim. Na verdade o meu maior sonho, era sair da aldeia. Queria conhecer outras pessoas, outros terras. O facto de ser filha única não me fez mais feliz do que as demais, antes pelo contrário, quase me tornou uma prisioneira, na minha própria casa. Desde que acabei os estudos, nunca mais saí da aldeia. Nunca tive um namorado, nem sequer um amigo. Meus pais não me deixavam ir trabalhar e eu sentia-me sufocar entre quatro paredes. 
Aceitar a tua proposta, foi o abrir da gaiola, e o meu voo para a liberdade.

- Um casamento nunca é um voo para a liberdade, Sofia! 


- Mas era a minha hipótese de ter outra vida, conhecer novos horizontes. Hás de convir, que não tem nada a ver esta casa, e esta cidade, com a nossa aldeia.
Até mesmo a tua mentalidade. Os homens da nossa aldeia, não falam com as mulheres ou com as filhas abertamente, nem lhes dão opção de escolha, como tu o fazes. Eles é que sabem tudo da vida e do mundo, as mulheres servem para lhes dar filhos e para cuidar da casa e da família. Pode ser que eu seja um pouco maluca, mas penso que o horizonte das mulheres na aldeia e talvez no país, não sei, é demasiado negro. Sonhava com uma vida diferente.

- E o amor, Sofia? Onde fica o amor?
- Minha mãe, sempre me disse que o amor vem com a convivência. Que só no dia a dia, enfrentando juntos, alegrias e tristezas, se pode chegar ao amor. 
-E tu, acreditas nisso?

-Não sei. Como te disse, nunca tive um namorado, só convivi com rapazes da minha idade, enquanto estudava, era uma miúda e nunca me senti atraída por nenhum deles. Ainda não tinha feito dezasseis anos, quando terminei o curso, e desde aí praticamente não saía de casa, a não ser para a igreja, e sempre com a minha mãe. Não tenho razões que me permitam acreditar ou não.

Quim levantou-se e aproximou-se da janela. Ficou olhando na escuridão durante alguns segundos.

- E se te disser que não pensava em me casar? E se te disser que os meus tios me pressionaram até ao limite, para que o fizesse?
A sua voz soou rouca, ao fazer a confissão.
- Não entendo. Estás a dizer que te obrigaram? Porque iriam fazê-lo? E porque o aceitaste? És um homem adulto.

- Desculpa, se de algum modo te vou magoar, mas não ficarei de bem com a minha consciência, se não for sincero contigo. Apaixonei-me por uma mulher que eles não consideram digna. No fundo, eu sei que estão certos, mas é como dizem, no coração não se manda. Daí que eles acharam que a maneira de me “meterem juízo na cabeça” seria casarem-me.

Porque é que lhe doeu aquela confissão? Não tinha razão para isso. Não estava apaixonada pelo marido.

- Continuo sem perceber, porque obedeceste. És maior de idade, e por muito que gostes deles, não têm o direito de mandar na tua vida. Nem sequer são teus pais.
- Não entendes. Seria mais fácil se fossem meus pais. Como viste estão velhos, e depositaram em mim todas as esperanças e o amor que teriam dado a um filho. Estou-lhes muito grato e devo-lhes respeito. 
 Se recusasse teria que deixá-los, procurar outra casa, outro emprego. O trabalho não me mete medo, sinto-me capacitado para trabalhar em qualquer lugar, mas  sei que ao fazê-lo,  os mataria de desgosto.
Sofia, levantou-se e caminhou até ele. Pôs-lhe a mão no ombro, e perguntou suavemente:
- E agora? Que pensas fazer?




10 comentários:

noname disse...

Xiiiii.... Que reviravolta :)

Boa noite, Elvira

Pedro Coimbra disse...

Coração aberto de um lado e de outro.
Bfds

Maria Dolores Garrido disse...

Olá, Elvira, bom dia!
Está complicado, mas assim é que tem piada. Estou para ver o que se passa no episódio seguinte.
Beijinhos

Maria João Brito de Sousa disse...

Fico pasmada com o sangue-frio da protagonista, ainda que saiba que não está apaixonada pelo marido.

Nem mesmo eu, que me considero extremamente calma e racional, teria reagido com tal serenidade...

Fico a aguardar. Quero ver como é que o protagonista "descalça essa bota".

Forte abraço, Elvira!

Emília Pinto disse...

Penso que a sinceridade dela vai ajudar no relacionameto; afinal os dois estão na mesma situação, a não ser que ele continue apaixonado pela outra. Vamos esperar para ver, não é Elvira? Espero que estejam todos de saúde e o problema dos teus olhos esteja a resolver-se. Beijinhos
Emilia

teresadias disse...

Uau, por esta eu não esperava.
Parabéns Elvira, pela escrita, pela trama bem urdida, pela sabedoria e delicadeza no tratamento do tema.
Segunda-feira, cá estarei.
Beijo, boa fim-de-semana.

Jaime Portela disse...

Pois é, o casamento nunca é um voo para a liberdade.
A história continua a surpreender o leitor. E isso não é por acaso, é devido ao talento da escritora.
Bom fim de semana, querida amiga Elvira.
Beijo.

Cidália Ferreira disse...

Está interessante! :))

-
Coisas de uma Vida.
-
Beijos e um excelente fim de semana.

Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Magnífico este capítulo, muito bem escrito de modo a deixar no leitor a expetativa do que virá a seguir.
Beijinhos e bom fim de semana, com saúde.
Ailime

lourdes disse...

Ai, que já se adivinha aqui qualquer coisa... Um apaixonado por outra e uma a querer uma mudança de vida? Hum, o que é que vai acontecer?
Fico à espera.
Bjs.