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17.3.21

CASAMENTO POR PROCURAÇÃO - PARTE XI

 



O empregado aproximou-se com a lista. Sem a abrir, Quim fez o pedido e ela ia pedir o mesmo, quando ele disse:
- Dá uma olhada na lista e escolhe o que mais gostas. Não tens que comer o mesmo que eu, a menos que seja realmente aquilo que preferes.
-Mas pediste “Bacalhau à Brás”,  e eu gosto imenso desse prato - respondeu
- Então está bem. Só quero que saibas, que tens liberdade de escolha.  Divides comigo uma garrafa de vinho?
- Não estou habituada a beber.
- Curioso ! Se bem me lembro, quando vivia na aldeia, toda a gente bebia, incluindo as crianças, rapazes ou raparigas.
-Ainda hoje é assim. Mas nunca me habituei às bebidas alcoólicas e  os meus pais nunca me obrigaram a fazê-lo.

Feito o pedido, ele respondeu por fim à pergunta sobre seus tios.
- Voltando aos meus tios. Não, eles não têm filhos. Casaram-se já tarde, e a saúde da tia nunca foi muito boa. Sinceramente não sei, se os não tiveram por opção ou porque não os pudessem ter. O tio Joaquim é o irmão mais velho do meu pai, e é também o meu padrinho. Ele é o responsável por todos me chamarem Quim. 

-Quando vim para cá, cada vez que ouvia chamar por ele, eu acorria julgando que era comigo. Então para evitar confusões, começaram a chamar-me Quim. Cheguei aqui com quinze anos e eles cuidaram de mim como se fosse filho deles. Deram-me casa, uma profissão e o mais importante de tudo, amor. Tudo o que sou, devo-o a eles.

Enquanto ele falava, Sofia apercebeu-se que nas mesas em redor só se falava francês.  
- Pensava que o restaurante era frequentado por portugueses, mas parece que me enganei.
Quim sorriu.
- Se o restaurante fosse para portugueses, estaria como se diz em Portugal, "às moscas", embora estejamos perto de Champigny-sur-Marne,  o "bidonville" onde existe a maior concentração de portugueses. "Bidonville", é aquilo que no nosso país, chamam “bairro de lata”. Eles não têm água, nem luz, nem habitações decentes. Eles não têm nada, a não ser o sonho de uma vida melhor no futuro. Vieram para a França, para fugirem da guerra, do desemprego, do regime político, da miséria. Muitos deles são clandestinos, fizeram a pé mais de dois mil quilómetros, quase sempre de noite para fugirem às forças policiais.

- Talvez se observares as condições em que vivem, te perguntes. Mas haverá maior miséria do que esta? Eles sabem que sim. Há a miséria que não permite sonhos. Que não permite sequer a liberdade de expressar uma ideia.
Aqui têm trabalho. As crianças vão à escola e apesar de esta não ser mais do que uma barraca, eles aprendem.  E contam com o senhor  Louis Talamoni, (1)  Maire de Champigny-sur-Marne, que está a fazer tudo para lhes dar melhores condições de vida, que já mandou instalar alguns pontos de água, luz e esgotos. Que manda distribuir agasalhos no inverno. E que luta por eles, ouve-os e procura ajudá-los. 

-E eles sabem que podem falar livremente das suas vidas e das dificuldades que enfrentam, sem correrem o risco de ir presos. E que os seus filhos não vão acabar mortos numa guerra estúpida. O trabalho diário, o saber que vão ter todos os dias o pão na mesa, e o sonho de uma vida melhor, tornam a miséria atual, mais suportável. 
Acredito piamente que muitos dos que hoje vivem no "bidonville", serão gente de sucesso dentro de vinte, trinta anos. 



1) Quase cinquenta anos depois, emigrantes portugueses e luso descendentes unir-se-iam para mandar  erigir no local deste "bidonville" um monumento ao antigo  Maire Louis Talamoni, que tanto lutou para melhorar as suas condições de vida, naquele local




                                         Monumento a Louis Talamoni



7 comentários:

Pedro Coimbra disse...

A realidade da mala de cartão.
Não é nada bonita, nada romanceada.

Joaquim Rosario disse...

Bom dia
Confesso que não me recordava deste monumento.

JR

Tintinaine disse...

Não conhecia a história de Monsieur Talamoni e gostei de saber que há, em Paris, um monumento que merece ser visitado. Se lá voltar, um dia, não falharei a visita.

noname disse...

Gosto das suas histórias, como as embrulha em verdades do quotidiano e da vida em geral.

Bom dia, Elvira

Maria João Brito de Sousa disse...

Caramba, amiga! O seu Quim, com essas sábias palavras, já me conseguiu conquistar a mim! Não que me quisesse já casar com ele, claro, mas que teria conquistado o meu interesse e a minha empatia, teria. E olhe que não seria pouco.

Vamos lá ver se a sua protagonista também se deixa cativar...

Foi muito, muito interessante, este capítulo que adorei ler.

Forte abraço.

teresadias disse...

Elvira, tenho de lhe dar os parabéns por este capítulo poderoso.
Gostei muito, aprendi muito.
Beijo.

Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Como era difícil a vida dos portugueses naqueles tempos!
Gostei do diálogo entre os dois.
Beijinhos e saúde.
Ailime