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9.3.21

CASAMENTO POR PROCURAÇÃO - PARTE VII

 



- Aqui é a sala comum. É a maior divisão da casa. Daquele lado é a casa de jantar, deste como vês uma sala de estar. Estás muito calada. Que se passa Sofia? Se não tivesses falado no aeroporto diria que és muda.
- Desculpa. É que é tudo muito novo para mim. O medo do avião, o ver-me numa terra estranha, a falta dos meus pais, são muitas emoções juntas. Sinto-me cansada.
- Tem paciência só mais um pouco, já te deixo descansar, - disse sorrindo.

A sala, na parte onde se encontravam, tinha duas janelas com cortinas estampadas, um sofá em tons de azul, também estampado, coberto de almofadas coloridas, e um cadeirão estofado em cor-de-vinho. No chão uma carpete, muito parecida com as que a tia Ilda tecia com trapos, lá na aldeia. E em cima da carpete uma pequena mesa com tampo de vidro.

No outro lado da sala, a chamada casa de jantar com outra janela que iluminava a mesa retangular com cadeiras estufadas de amarelo.
Por todo o lado as cores vivas estavam presentes, como se os franceses quisessem celebrar a vida, depois do término da guerra que ocorrera há pouco mais de vinte anos.

Passaram depois à cozinha, decorada em tons de branco e verde água.
- Não sei se o meu pai te informou, eu trabalho no restaurante do meu tio, - informou Quim. Ele era o cozinheiro quando cheguei. Comecei a seu lado como aprendiz. Agora sou eu o cozinheiro e ele dirige o restaurante. Todavia hoje, para que  eu possa estar aqui, teve que voltar à cozinha. Quer isto dizer, que excetuando o dia de folga, em que o restaurante fecha, eu faço as refeições lá. Mas deixemos as explicações para mais tarde, como disseste estás muito cansada, é melhor que vás descansar, anda vamos ver os quartos.

Os quartos eram dois. Um mais pequeno, com uma cama de solteiro, e outro maior com cama de casal.
Quim foi buscar a mala dela para o quarto de casal, e disse:
- Fica à vontade. Podes trocar de roupa, e descansar. Eu vou até ao restaurante, dar uma ajuda ao tio na elaboração do jantar, e mais tarde venho buscar-te. Jantamos lá. Outra coisa, não sei se reparaste, na sala há um telefone, e ao lado num caderno está o número do telefone do restaurante. E o número do café da aldeia. Podes ligar e pedires para informar os teus pais que chegaste bem. Devem estar em cuidado.

Deu-lhe um breve beijo na face e saiu, deixando-a só, com os seus receios e o seu cansaço.



Relembro que esta não é apenas uma história de amor, mas uma história que fala da vida em Portugal, da falta de empregos, do analfabetismo, das ideias retrógradas, dos costumes, antes da revolução, da emigração, enfim de como viviam os portugueses cá e lá. Os mais velhos sabem que era assim.

12 comentários:

Emília Pinto disse...

Sim, Elvira, sei que era assim e muito pior ainda. O meu pai que era taxista da aldeia, levou muitos que " iam a monte " para o estrangeiro. O meu pai precisava de ganhar o sustento dos filhos e corria esse risco. Tempos dificeis, Amiga! Um beijinho e boa noite!
Emilia

noname disse...

Que coisa tão estranha mas, como ser diferente, não é? Nada nesse casamento é o que se espera de um casamento com noivos enamorados.
Curiosa, muito curiosa :)

Boa noite, Elvira

Pedro Coimbra disse...

O clima continua tenso e muito formal.
Boa semana

Maria João Brito de Sousa disse...

Realmente é tudo tão estranho, tão formal, tão distante da paixão arrebatadora que, a mim, me levou ao registo civil...

Continuo sem conseguir adivinhar como é que a sua mestria vai "dar a volta" a este casamento, Elvira.

Forte abraço!

Ailime disse...

Bom dia Elvira,
Uma bela história que nos relata memórias daqueles tempos vividos com muitas dificuldades.
Um beijinho e saúde.
Ailime

Joaquim Rosario disse...

Bom dia
Estou a recordar algumas cenas da historia que naturalmente já não me lembrava.

JR

chica disse...

Esse capítulo estava bem guardado em minha memória. Bom reler! beijos, lindo dia! chica

Tintinaine disse...

Pois era! E ter uma família por perto para dar uma ajuda era um verdadeiro milagre. Assim me safei eu, quando estive na Alemanha.
Bom dia, Elvira!

Cidália Ferreira disse...

Há sempre surpresas!
-
Vagueio em sonhos singelos
-
Beijos e um excelente dia :)

Beatriz Pin disse...

Casar por poderação era muito corrente naquiles tempos de emigração.
Lendo aprendo dos nomes que vocês dam a coisas que nós chamamos de diferente maneira, como casa do jantar, aquí, comedor, ou os tampetes...e tantas outras!
Estou a ler muito portugués istes tempos. Algum livro, os blogs...
Muito obrigada pela sua visita.
Abraço

teresadias disse...

Tudo tão estranho, formal, desapaixonado.
Que tempos aqueles!
A Elvira vai aos pormenores mais pequeninos. Eu gosto!
Beijo.

Lúcia Silva Poetisa do Sertão disse...

Muito bom este conto que nos mostra um pouco da riqueza cultural de Portugal.
Abraços fraternos!