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22.2.21

CASAMENTO POR PROCURAÇÃO - PARTE I

 


À LAIA DE PRÓLOGO

Uma explicação para os leitores mais jovens, e também para aqueles que do outro lado do Atlântico me visitam. Nos anos cinquenta e sessenta do ano passado , os casamentos por procuração eram comuns em Portugal. A vida em Portugal, não oferecia situações de emprego para a maioria de um povo iletrado, que lhes permitisse sonhar com uma vida melhor.

 A saída era a emigração. Por outro lado a Europa saíra de uma guerra que a deixara semiarruinada e necessitava muita mão de obra para a reconstrução. Para quem queria trabalhar nas obras de reconstrução, a França era a principal saída. Os salários, eram principescos quando comparados com os salários em Portugal, não se exigiam habilitações literárias e fechavam-se os olhos à ilegalidade.  Isso fez com que milhares de portugueses inundassem Paris e outras cidades. Por outro lado no início dos anos sessenta, com a guerra no Ultramar, muitos jovens para fugirem dela, foram juntar-se aos seus familiares já emigrados.

 E de tal modo a emigração aumentou, que a determinada altura, foi publicada uma lei que proibia os jovens do sexo masculino de emigrarem, mesmo os mais jovens. Isso não os travou, apenas aumentou a emigração ilegal. Porque ficar em Portugal só tinha duas saídas. A ida para a Guerra nas Colónias, ou embarcar nos navios de pesca bacalhoeira durante vários anos, já que esses pescadores ficavam livres de irem para a tropa. A escolha era terrível em qualquer delas, a luta pela vida era difícil e a morte podia estar à espreita.

Acontece que os jovens que conseguiam emigrar, antes de terem cumprido o serviço militar, não podiam voltar a Portugal,  sob pena de terem que ir para a tropa e para a guerra, mesmo que a idade normal desse dever já tivesse passado. Na verdade um mancebo tinha que estar sempre pronto a ser chamado para defender a pátria desde os 18 anos até aos 44, altura em que realmente passavam à reserva. 

Por isso quando decidiam casar, pediam à família na terra, pais ou irmãos,  que lhes arranjassem uma boa rapariga, trabalhadora e que nunca tivesse namorado. E sabem porquê? Porque se já tivesse namorado podia não ser virgem, e naquela época, a virgindade era a joia mais preciosa de uma jovem. Raros eram os homens que se atreviam a casar com uma jovem que a tivesse perdido, pois estava sempre sujeito aos chistes dos seus amigos. Será que os jovens de hoje acreditam nisto? Podem crer. Perguntem aos vossos pais, ou avós.

Mas também havia aqueles que acabavam a tropa e só viam como futuro imediato a emigração. Muitos deles tinham na aldeia as suas prometidas, e fazia-lhes falta uma companheira para amenizar as agruras do trabalho e as saudades da terra. E foi assim que nasceram os casamentos por procuração.


                                                                  I



A década de sessenta chegava ao fim. Estávamos em Setembro, e o dia apresentava-se radioso.
Daqueles dias de sol, quando o calor ainda é forte, mas já não tem o ardor dos meses anteriores. Quando ao cheiro a maresia, se sobrepõe o cheiro das uvas maduras, e as idas à praia se tornam mais raras, na azáfama do regresso às aulas, e aos empregos na cidade. Nos campos fazem-se as colheitas do milho, feijão e batata, que mais tarde, acompanhados de um naco de carne, se transformarão em saborosas refeições. Nos lagares procede-se à limpeza e preparação dos mesmos, que na vinha a uva já se apronta para ser colhida.

Naquele dia, quando ela abriu os olhos, já o sol iluminava o quarto, num luminoso grito.
 “Acorda. Hoje é o teu dia. Um grande dia!”
O seu rosto iluminou-se num sorriso de saudação. Sorria para o sol, para a vida, para o passarinho que naquele momento veio poisar no parapeito da janela do seu quarto, encantando-a com o seu trinado.

Saltou da cama, e esticando os braços espreguiçou-se com prazer. Depois, foi até à janela, e abriu-a, deixando que o sol lhe beijasse o rosto moreno, de pele tersa e macia, como são as peles das jovens aos dezanove anos.
Inspirou profundamente, sentindo o cheiro dos goivos e frésias, existentes em quase todos os quintais da aldeia, e caminhos da aldeia, enquanto observava as galinhas que ciscavam no terreno em frente. 

Na casa ia uma grande azáfama. Escutou as vozes da mãe, das tias e das primas. Todas preocupadas com a cerimonia. Pareciam muito nervosas. Sorriu.
Ela sim, devia estar nervosa, e no entanto estava calma e relaxada. Como se o casamento que se realizava nesse dia não fosse o dela.

Nesse momento, a mãe entrou no quarto. Era uma mulher de estatura média, de figura roliça, cabelos e olhos castanhos, e cabelo apanhado num carrapito.
- Ainda nem tomaste banho. Já viste as horas?
A jovem sorriu:
- Não te preocupes, despacho-me rapidamente. E depois não é hábito, a noiva atrasar-se?
E dizendo isto dirigiu-se à casa de banho.



19 comentários:

Pedro Coimbra disse...

Desta lembro-me bem.
Até porque me fez recordar o "casamento" da minha tia com o meu pai.
Boa semana

Ailime disse...

Bom dia Elvira,
Lembro-me de já ter lido esta história, mas de momento, não me recordo do enredo.
Por isso vai ser ótimo segui-la de novo.
Beijinhos e ótimo dia com saúde.
Ailime

A Paixão da Isa disse...

que bonito eu tambem conheci o meu marido aqui em frança e me casei e tive o meu filho e por aqui vou ficar pois adoro estar aqui a minha vida ja é aqui ehheeh adorei ler bjs saude

Isa Sá disse...

A passar por cá para acompanhar mais uma história!
Boa semana!

Isabel Sá  
Brilhos da Moda

Tintinaine disse...

Bom dia e boa semana! Continuo a passar por aqui para saber as novidades e ler o que houver, velho ou novo!

Joaquim Rosario disse...

Bom dia
A minha irmã mais velha casou dessa forma .pois o marido veio a Portugal e teve que abalar para a Venezuela precisamente para não cumprir o serviço militar.
O mais caricato disto tudo foi que quem fez de marido na cerimónia foi precisamente o meu irmão mais velho. Na altura tinha eu nove anos e este caso foi para mim tambem uma situação muito estranha.
Mas vamos seguir a historia que tambem vou recordar com todo o interesse.

JR

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Vou acompanhar esta história.
Um abraço e boa semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros

teresadias disse...

Em Moçambique, algumas das amigas da minha mãe tinham casado por procuração. Casamentos felizes!
Elvira, esta história eu vou ler pela primeira vez.
Beijo.

chica disse...

Essa hitória ainda lembro bem, mesmo assim, de vez em quando passarei! beijos, chica

Maria Dolores Garrido disse...

Bom dia, Elvira
Lembro-me bem destes casamentos por procuração. Tenho um caso na minha família. Ele estava em África e ela cá. Não se conheciam e o 'encontro' foi através de um anúncio numa revista. Casaram-se por procuração e ela foi ter com ele a África, donde voltaram alguns anos depois do casamento há mais de cinquenta anos.
Um beijinho e boa semana.

Maria João Brito de Sousa disse...

Ainda me recordo desses casamentos por procuração, embora nunca tivesse conhecido pessoalmente alguém que tivesse passado por isso.

Cá estarei sempre que me for possível, Elvira.

Forte abraço

" R y k @ r d o " disse...

Tenho vários familiares que casaram por procuração. Nem todos tiveram um fim feliz, mas alguns até tiveram e têm.
.
Saudação poética.
Domingo feliz
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.

Janita disse...

Deste conto lembro-me eu que o li, ainda que muitas partes já se me tenham evaporado da memória, pelo que irei continuando por cá a ler.
O que não é tema da minha predileção é a malfadada Guerra no Ultramar e, sinceramente, já nem me lembro se ela vai ser tema principal do enredo ou não.

Boa semana, Elvira.
Um abraço

Gracita disse...

Oi Elvira
Quero acompanhar este conto. Espero não perder nenhum capítulo.
Como sou distraída... é provável que algum me escape
Beijinhos

Teresa Isabel Silva disse...

Gostei deste começo!

Bjxxx
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Lua Singular disse...

Oi Elvira,
Que lindo conto verídico!
Eu ouvi falar e não é que era verdade?
Adorei
Beijos
Lua Singular

redonda disse...

Para já não me estou a lembrar e gostei mesmo muito de como começa

Rosemildo Sales Furtado disse...

Lembro-me de já ter lido este conto, mas, como é muito bom, vale a pena ler de novo.

Abraços,

Furtado

Lúcia Silva Poetisa do Sertão disse...

Acho que não li este conto! O início maravilhoso, promete ser uma ótima história.
Beijos no coração!