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11.7.17

ROSA - PARTE XV




Naquela manhã do dia 25 de Abril de 74, Rosa olhava-se no espelho e não se reconhecia. Apesar de não ter ainda cinquenta anos, Rosa estava cada dia mais velha, a face enrugada, os cabelos embranquecidos, o corpo magro e alquebrado, resultado de ser toda a vida, saco de pancada da própria vida. Pensava que já não tinha forças para se aguentar muito mais tempo. A sua família tinha-se desagregado.
Do marido, não sabia há muito, talvez estivesse preso, ou, quem sabe, tivesse morrido em qualquer prisão. As filhas casaram e embora não vivessem longe, estavam cada dia mais desligadas da casa materna, divididas entre o trabalho, o cuidarem da casa e dos filhos.
Dos dois rapazes mais novos, um conseguiu realizar o sonho de ser fuzileiro e encontrava-se num destacamento no Lungué-Bungo, no leste de Angola, enchendo de saudade e preocupação o seu coração de mãe. O outro, que era contra a guerra, fugira de salto para a França. Restava-lhe em casa um filho, cada dia mais doente, e uma filha adolescente.
Sacudiu a cabeça, como se quisesse abandonar todos os seus pesares, e dirigiu-se a casa do Sr. Doutor, onde ultimamente trabalhava a dias, sem sequer sonhar que no seu País estalara uma revolução que ia mudar toda a sua vida. Ela não sabia, mas a sua família não era muito diferente da maioria das famílias portuguesas pois, nessa altura, o País via-se sangrado da sua juventude. Uns partiam para a guerra do Ultramar, sem  nunca saber se voltavam, ou ficavam por lá, vítimas de uma mina ou de alguma bala emboscada. Outros fugiam para não serem obrigados a partir para uma guerra que não queriam nem entendiam.
Foi com surpresa e medo que Rosa ouviu da boca da patroa, a notícia da Revolução. Medo porque a "doutora"- era assim que ela gostava de ser tratada, embora o médico fosse o marido - lhe deu a entender que a revolução era muito má para o País e para eles, patrões, que talvez não pudessem continuar a dar-lhe trabalho. Rosa ficou muito preocupada. Se ficasse sem trabalho, como ia pôr comida na mesa? Mas quando chegou a casa, o filho explicou-lhe o que significava a revolução de uma maneira diferente. Falou-lhe do fim da guerra colonial, da abertura das prisões, do fim da PIDE, e do sonho dum País mais igualitário. E o seu coração sofrido encheu-se de esperança.
Dois dias mais tarde, quando Rosa chegou a casa, no fim de mais um dia de trabalho, teve uma grande surpresa ao encontrar o seu João. Muito magro, o cabelo todo branco e o ar macilento, em nada se parecia com o homem com quem casara. Apenas o brilho nos olhos encovados, lhe lembrava o João de antigamente. Apesar da alegria do reencontro, Rosa estava preocupada com a saúde do marido. E tinha razão, porque se ele recuperava aos poucos das mazelas físicas,  as psicológicas continuariam a persegui-lo durante muitos anos.
Dias depois, Rosa e João comemoravam pela primeira vez na sua vida o 1º de Maio em liberdade. E dois meses depois, podiam abraçar o filho António, que regressara da França, ao saber que o novo governo estava a negociar a independência das colónias e que, por isso, não teria que ir para a guerra.


Continua

12 comentários:

redonda disse...

Fiquei contente por o João e o filho António terem regressado, acompanhando a história é uma forma diferente de conseguir viver o 25 de Abril e o que terá significado para muitas famílias


um beijinho

Cantinho da Gaiata disse...

Que contente fiquei em saber do regresso do João, oxalá ainda tenham muita saúde para recuperar os anos perdidos.
Estou gostando muito da história.
Bjs

Andre Mansim disse...

Oi Elvirinha!
O bom de seus contos, é que mesmo que a gente não estiver seguindo a história, cada capítulo dá pra ler com alegria e satisfação.
Pena e ao mesmo tempo alegria, que você poste tanto assim!
Hahahahaha, menina, você é uma máquina de escrever!

Um abração!

Joaquim Rosario disse...

Bom dia
Uma rosa quase a ficar sem pétalas. não sei mesmo como conseguiu suportar tantas dificuldades na sua vida .
esperando para saber !
JAFR

Isa Sá disse...

A passar para acompanhar a história.

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Continuo a acompanhar esta interessante história.
Um abraço e boa semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros

Tintinaine disse...

Estou ansioso por saber o que de bom trouxe o 25 de Abril à Rosa. Em termos práticos, claro, pois em termos de afectos já vi que ganhou muito, embora esses não encham barriga.

Edum@nes disse...

A Revolução dos Cravos como ficou conhecida. Fez tremer os patrões, e porque é que os fez tremer? Porque eles sabiam de que não poderiam continuar a explorar quem para eles trabalhava. Concordo com a Revolução, só com os exageros é que não!

Tenha um bom dia amiga Elvira, um abraço,
Eduardo.

O meu pensamento viaja disse...

Um momento único na nossa história recente. Bj

Rui disse...

Bom ! ... Finalmente a esperada liberdade ! ... mas também o início de muitas confusões! Uma liberdade que não seria igual para todos e de que em pouco tempo, surgiram graves divisões que impediram um crescimento harmonizado e firme do nosso país !
Começou logo no 2º 1º de Maio (75) em que os socialistas já eram considerados fascistas.
Ao próprio Mário Soares, foi negada a entrada nos festejos no Estádio 1º de Maio. :(
Foram cerca um e mais uma dezena de anos de grandes contradições !

Taty disse...

Olá!!!!
Nossa quanto tempo que não passava por aqui, mas agora eu voltei!!! E estou mais do que feliz com isso!
Vou voltar a acompanhar tudinho!
Bjus
Taty
Na Casa dos Abrantes
Canal

Berço do Mundo disse...

O reencontro feliz. Que bom! Para esta família e toda uma geração