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26.5.16

MANEL DA LENHA - PARTE LXXVIII

       O Manuel e mulher, segurando a vela no baptizado da neta, ao colo da mãe


Nessa altura, a filha mais velha, trabalhava de novo na Seca do Bacalhau. A jovem que antes de ir para Angola, trabalhava na secretaria da Escola D. Fernando II em Sintra, e que durante os dois anos em que estivera em Luanda trabalhara como sabemos na secretaria do Colégio Marista, não conseguiu quando voltou a integração na escola. A prioridade de empregos era para os retornados, e ela não era retornada. Depois também havia o pormenor dos estudos. Ela tinha a prática de quase cinco anos de emprego em secretarias escolares. Sabia tudo sobre o trabalho, mas não tinha estudos. Havia entre os desempregados gente com toda a espécie de estudos, de modo que a jovem regressou ao trabalho na seca do Bacalhau onde fez a safra. Com menos esforço do que em outros tempos, (o trabalho estava muito mais mecanizado), mas também com muito menos alegria, pois havia menos gente, e  sobretudo gente mais velha. As jovens que em outros tempos trabalharam com ela, ou tinham arranjado outros empregos, ou tinham casado e dedicavam-se aos filhos e à lide doméstica.
Terminada que foi a safra, a jovem ficou em casa.
Depois das eleições para a Assembleia constituinte a 25 de Abril, realizaram-se a 27 de Junho as eleições para a Presidência da República, nas quais seria eleito Presidente o General Ramalho Eanes.
Naquele tempo, ir votar era uma alegria. O povo tinha bem presente o que tinham sido os anos do regime anterior e novos e velhos toda a gente ia exercer o seu dever de cidadania com vontade de que a democracia ainda bebé, ganhasse força e tivesse "pernas para andar"
 Em Julho o marido foi para o Algarve patrulhar as praias, e a jovem foi com ele. O marido era natural de Lagos tinha lá a família, e foi para lá que eles foram. 
O Manuel tinha um sonho desde há muitos anos. Havia de ir um ano às festas da Senhora da Agonia, em Viana do Castelo. Desde menino, ainda lá na aldeia, já ouvia falar nelas, mas a vida nunca lhe proporcionou ensejo para realizar esse sonho.E foi assim que aproveitando as férias, a que passou a ter direito depois do 25 de Abril, foi em Agosto desse ano às ditas festas. E foi lá que receberam o telegrama contando que eram avós de uma menina, e que mãe e filha estavam bem. 
Terminada a época balnear, o genro do Manuel regressa à base no Alfeite, e o casal retoma a vida ali perto da casa paterna onde a filha vai a toda a hora encantada com a sobrinha.
Dias depois do baptizado da menina, da qual os avós foram os orgulhosos padrinhos, a mãe da bebé perguntou à irmã mais velha:

-Queres tomar conta da menina, quando eu regressar ao trabalho?
-Claro que sim, - respondeu de imediato o coração pulando de alegria.
- É claro que te vou pagar.
- Não precisas. Não fico com ela por dinheiro.
- Eu sei. Mas a outra pessoa eu ia pagar, por isso vou saber quanto é que estão a levar, e o que pagaria a outra, é o que te pagarei. E ainda fico a ganhar, pois estou mais descansada, deixando-a contigo, que se a deixasse com uma estranha.
E foi assim que a menina passou dentro em pouco a ser cuidada pela tia. A jovem vivia encantada com a bebé. Sempre adorara crianças e o facto de não poder ter filhos, fez com que se agarrasse ainda mais à sobrinha.
Os navios retornaram,  a safra foi-se fazendo, agora com uma ou outra greve pelo meio, os tempos  eram outros, o povo já não admitia certas prepotências.

14 comentários:

AC disse...

As vicissitudes de uma família que, nas horas mais difíceis, sempre mostrou uma união invejável.
Creio que passa por aí, entre outras coisas, o legado do Manuel da Lenha.

Um beijinho, Elvira :)

Portuguesinha disse...

Mais uma vantagem dos «outros tempos»...
Hoje em dia os membros familiares ASSUMEM que uma pessoa com tempo disponível vai ficar a tomar conta de crianças com todo o prazer, decerto. Mas não se propõem a PAGAR-LHES por isso. Querem mais é o serviço gratuito, com alimentação e banho incluído. Eheh. Ironizo mas é uma grande verdade. Feia se formos a considerar que os pais de hoje trabalham mas recebem salários justos, na sua maioria.

PS: Parece-me injusto que uma pessoa que tenha trabalhado numa área se veja "forçada" a sair dela para dar lugar a outros, seja por que motivo for. Parece que este género de injustiça nunca acaba, apenas muda de origens e de preferências, perpetuando-se no tempo.

Portuguesinha disse...

Uma dúvida básica: Retornado não era todo aquele que teve de sair de uma ex-colónia? Não entendi se a filha do Manel só pelas circunstâncias de não ter casa própria e o emprego do marido ser na marinha portuguesa, não teve de sair à mesma do país, quer o desejasse ou não?

Edum@nes disse...

Alegria, não tristeza, haveria muita no rosto do Manuel, sua mulher e restante família presente, no dia do baptizado da neta. Quanto à palavra retornado, discordo, "Ela não era retornada". Pois, eu entendo tal como eu, ela era retornada, porque retornou ao país onde nasceu! Já quanto aos que nasceram em Angola, esses não eram retornados. Seria, talvez, mais correto utilizar a palavra "Refugiado"!

Tenha uma boa tarde de feriado, amiga Elvira, um abraço,
Eduardo.

Silenciosamente ouvindo... disse...

A vida narrada por si de uma família que viveu as alegrias
e tristezas, mas com muita honestidade e trabalho.
Uma família de respeito.
Desejo-lhe um bom feriado.
Bjs.
Irene Alves

Ana disse...

Olá Elvira.
naquela época votar era uma alegria porque sabiam o que tinha custado. Hoje em dia são poucas as pessoas que ligam e dão importância ao voto.
Bom feriado

Olinda Melo disse...


Olá, Elvira

Mais um pedaço de vida que nos oferece, cheio de amor e solidariedade familiar.

Continuação de um bom feriado.

Bj

Olinda

Gaja Maria disse...

Votar era uma alegria naquele tempo, sensação boa de liberdade :)

Rui disse...

Mais um "episódio" riquíssimo ! ... Algumas injustiças, excelente relato político, mas sobretudo a ressaltar o quanto é importante a família e a sua união !

Beijinhos, Elvira. :)

Tintinaine disse...

A nova geração que agora aparece na história já nada a liga a S. Pedro do Sul e ao vale do Vouga.

Odete Ferreira disse...

O meu irmão também demorou imenso tempo a arranjar um emprego (não quis seguir o ensino superior, ficou com o 7.º ano liceal, hoje 11.º ano), pois, de facto, era tudo para os retornados. Não foi um período fácil.
Muito bom a tia ficar a tomar conta da sobrinha... :)
Quanto ao voto, ainda hoje o faço com prazer.
Bjo, amiga

Pedro Coimbra disse...

Eanes, que foi eleito no meu dia de aniversário, que eu não apreciava, e que se veio a revelar um Senhor!
Bfds

madrugadas disse...

Bom dia
Episódios de vida pós 25 de Abril. Vidas construídas na vontade de vencer e construir dias melhores.
Recordo o drama do desemprego.

Elisa disse...

Continuando por aqui! Um beijinho