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Ao mesmo tempo que mandava um vigia avisar a
mulher do Manuel, o Capitão telefonou para o posto no Barreiro, para saber do
que era acusado, um homem que levava a vida a trabalhar, e não se metia em
escaramuças nem políticas. Foi então informado, de que a ordem viera de Lisboa,
com a acusação de que Manuel era um desertor.
Parece que à época, os mancebos aptos para a
tropa, não ficavam livres depois de ela acabar, mas passavam a uma situação de
reserva que só terminava aos 45 anos. Manuel fizera 44 em Abril. Ora todos os anos, eram vistos os processos, de todos os homens que cumpriram tropa e estavam
nessa idade. E encontraram a caderneta militar do Manuel, que lhe devia ter
sido entregue quando da passagem à reserva. Daí a investigarem o tempo de tropa
dele foi um passo. E logo descobriram a deserção. E em consequência disso, Manuel estava agora preso e ia ser
mandado para Lisboa. Precisamente para o quartel de Caçadores 5 em Campolide, de onde tinha desertado em 1941.
Uma vez no quartel,
foi-lhe dito que teria de cumprir os quase dois anos de tropa que lhe faltavam
quando desertou. Como porém em Abril de 63, faria 45 anos, e passava à reserva,
ficaria na tropa até essa data.
Dá para imaginar o sofrimento do Manuel? Os jovens militares, gozavam com ele, mal acabava a formatura. Não estava em
prisão no quartel. Estava na tropa, embora sem licença de saída.
Recebia a visita da mulher
no quartel, e mortificava-se com a situação da família, agora sem o seu
ordenado, que era o único na casa até à próxima safra, e ainda obrigada a
gastar dinheiro em viagens para as visitas. Chorava todos os dias. E tudo por
causa de umas malfadadas botas da tropa, que não pudera pagar ao estado.
Trabalhador humilde, sempre
pronto a qualquer trabalho, mesmo que nada tivesse a ver com o armazém da lenha, alegre e bem-disposto, apesar de todas as dificuldades, o Manuel granjeara
a simpatia, não só de todos na Seca, como do próprio patrão, que já por algumas
vezes tinha requisitado o Manuel para tratar do jardim de sua residência.
Boa pessoa, sabendo
reconhecer os méritos do Manuel, o patrão deu ordem ao gerente da Seca, o
Capitão Aníbal, para manter o ordenado do Manuel enquanto ele estivesse
ausente. Não satisfeito com isso, o patrão, usou de toda a sua influência, (e se
era influente a família Bensaúde) para retirar o Manuel daquela agonia. E foi
por isso que ele, voltou à liberdade no início de Setembro, bem a tempo de
dar um beijo à filha no dia dos seus 15 anos.
FIM
Nota:
Como disse no primeiro episódio, esta história é real.
O Manuel foi o meu pai, e a menina que nasceu depois duma noite de trovoada, sou eu. Tudo o que escrevi sobre a Seca é (era) real. A Seca foi desactivada em 30 de Dezembro de 1999. Hoje mantém-se aberta apenas para visitas de estudo. Parte do complexo, foi declarado património histórico. Para o restante foi projectado um condomínio de luxo, com campos de ténis, cavalariças e outras "coisitas" que fariam dele único na zona. Prestes a ser aprovado, eis que o projecto da nova ponte Barreiro Seixal, cai precisamente neste local. O condomínio ficou sem efeito, e por causa da crise, a ponte Barreiro Seixal, ficou em "águas de bacalhau". A antiga Seca, mantém-se aberta apenas a visitas de estudo.