Embrenhada nas suas recordações não se desviou a tempo do homem parado na sua frente, e, só não caiu, porque uns braços fortes a envolveram.
- Desculpe – murmurou quase sem voz
Os olhos cinzentos do homem cravaram-se nos seus. Era um olhar tão intenso e penetrante, que ela pensou que lhe rasgava as entranhas e a penetrava até à alma. Porém a sua voz, ligeiramente rouca, soou gentil e educada ao perguntar:
-Sente-se bem?
Isabel assentiu com a cabeça, murmurou um obrigado e afastou-se apressada daquele homem que tanto a tinha desassossegado.
Chegou por fim ao local onde tinha deixado o saco com as suas coisas. Guardou nele, o telemóvel e o porta-moedas, despiu os calções e a T-shirt, estendeu na areia a toalha colorida, e sentando-se nela começou a espalhar sobre o corpo, o protector solar. O telemóvel tocou e Isabel esboçou um gesto de aborrecimento mas não atendeu. Quando acabou guardou o frasco, voltou a colocar os óculos escuros e fitou o mar. A maré tinha subido um bom bocado desde que ela chegara, o sol aparecia a espaços entre as nuvens, e logo desaparecia como se estivesse a jogar às escondidas com aqueles que estavam cá em baixo esperando por ele. Mas o tempo tinha aquecido bastante e ali ao lado, havia muitas crianças brincando, vigiadas de perto por três mulheres. As crianças, mais ou menos da mesma idade, tinham todos chapéu igual.
“Crianças de alguma creche” pensou Isabel.
Um rapazinho de uns três anos de idade corria na sua direcção seguido de perto por uma das mulheres.
“Crianças de alguma creche” pensou Isabel.
O telemóvel voltou a tocar. Desta vez atendeu e durante breves minutos foi respondendo ao que lhe perguntavam do outro lado. Por fim disse:
- Depois de amanhã estou aí. Por favor Amélia vê se não estás sempre a ligar.
Calou-se e escutou o que lhe diziam do outro lado.
-Eu sei, mas amanhã vou para cima. E Segunda-feira já estou no escritório. Portanto resolve só o que for mais urgente, eu vejo o resto depois.
Calou-se por momentos.
- Sim, claro. Já visionaste o vídeo da campanha, do novo dentífrico? Sim? Óptimo.
Escutou de novo:
- Sim, claro. Já visionaste o vídeo da campanha, do novo dentífrico? Sim? Óptimo.
Escutou de novo:
- O quê? Um novo director comercial? Mas o que aconteceu com o Paulo?
Voltou a escutar, retorquindo ainda antes de encerrar a chamada.
- Transferido? Por interesse dele? Bom, depois vejo isso. Oxalá o substituto esteja à sua altura.
Desligou a chamada no exacto momento em que uma bola lhe veio bater nas pernas.
Era uma bola pequena com desenhos do Super-homem. Agarrou-a e olhou em frente.Um rapazinho de uns três anos de idade corria na sua direcção seguido de perto por uma das mulheres.
-Queres a bola? - perguntou-lhe Isabel sorrindo.
O miúdo fez um sinal afirmativo com a cabeça.
- Desculpe. Estamos sempre a avisar para terem cuidado mas sabe como é. São crianças – disse a mulher.
- Não tem importância – retorquiu ela atirando a bola para o menino.
Este reagiu de uma forma inusitada. Agarrou a bola, correu para Isabel, deu-lhe um beijo rápido na face e logo voltou para junto dos amiguinhos.
- Desculpe – murmurou a mulher, antes de seguir o rapazinho para junto da água.
Pela segunda vez naquela manhã, Isabel sentiu um estranho desassossego. Uma sensação desconhecida que lhe apertava o peito e a angustiava.
“Estou demasiado sensível hoje” pensou.
Sacudiu a cabeça, retirou o lenço e os óculos que guardou no saco, e pondo-se de pé dirigiu-se para o mar.
Precisava dar um mergulho. Sentir a carícia das águas. E afastar de vez tristes recordações. Mas, será que o ia conseguir?
Um quarto de hora depois, regressava ao areal. Com gestos mecânicos enxugou-se, vestiu-se, e preparou-se para regressar a casa
As nuvens tinham desaparecido, o sol brilhava radioso, cobrindo voluptuosamente toda a cidade.