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21.5.20

ISABEL - PARTE VII

                                              

Embrenhada nas suas recordações não se desviou a tempo do homem parado na sua frente, e, só não caiu, porque uns braços fortes a envolveram.
- Desculpe – murmurou quase sem voz
Os olhos cinzentos do homem cravaram-se nos seus. Era um olhar tão intenso e penetrante, que ela pensou que lhe rasgava as entranhas e a penetrava até à alma.  Porém a sua voz, ligeiramente rouca, soou gentil e educada ao perguntar:
-Sente-se bem?
Isabel assentiu com a cabeça, murmurou um obrigado e afastou-se apressada daquele homem que tanto a tinha desassossegado.
Chegou por  fim ao local onde tinha deixado o saco com as suas coisas. Guardou nele, o telemóvel e o porta-moedas, despiu os calções e a T-shirt, estendeu na areia a toalha colorida, e sentando-se nela começou a espalhar sobre o corpo, o protector solar. O telemóvel tocou e Isabel esboçou um gesto de aborrecimento mas não atendeu. Quando acabou guardou o frasco, voltou a colocar os óculos escuros e fitou o mar. A maré tinha subido um bom bocado desde que ela chegara, o sol aparecia a espaços entre as nuvens, e logo desaparecia como se estivesse a jogar às escondidas com aqueles que estavam cá em baixo esperando por ele. Mas o tempo tinha aquecido bastante e ali ao lado, havia muitas crianças brincando, vigiadas de perto por três mulheres. As crianças, mais ou menos da mesma idade, tinham todos chapéu igual.
 “Crianças de alguma creche” pensou Isabel.
O telemóvel voltou a tocar. Desta vez atendeu e durante breves minutos foi respondendo ao que lhe perguntavam do outro lado. Por fim disse:
- Depois de amanhã estou aí. Por favor Amélia vê se não estás sempre a ligar.
Calou-se e escutou o que lhe diziam do outro lado.
-Eu sei, mas amanhã vou para cima. E Segunda-feira já estou no escritório.  Portanto resolve só o que for mais urgente, eu vejo o resto depois.
Calou-se por momentos.
- Sim, claro. Já visionaste o vídeo da campanha, do novo dentífrico? Sim? Óptimo. 
Escutou de novo:
- O quê? Um novo director comercial? Mas o que aconteceu com o Paulo?
Voltou a escutar, retorquindo ainda antes de encerrar a chamada.
- Transferido? Por interesse dele? Bom, depois vejo isso. Oxalá o substituto esteja à sua altura.
Desligou a chamada no exacto momento em que uma bola lhe veio bater nas pernas.
Era uma bola pequena com desenhos do Super-homem. Agarrou-a e olhou em frente.
Um rapazinho de uns três anos de idade corria na sua direcção seguido de perto por uma das mulheres.
-Queres a bola? - perguntou-lhe Isabel sorrindo.
O miúdo fez um sinal afirmativo com a cabeça.
- Desculpe. Estamos sempre a avisar para terem cuidado mas sabe como é. São crianças – disse a mulher.
- Não tem importância – retorquiu ela atirando a bola para o menino.
Este reagiu de uma forma inusitada. Agarrou a bola, correu para Isabel, deu-lhe um beijo rápido na face e logo voltou para junto dos amiguinhos.
- Desculpe – murmurou a mulher, antes de seguir o rapazinho para junto da água.
Pela segunda vez naquela manhã, Isabel sentiu um estranho desassossego. Uma sensação desconhecida que lhe apertava o peito e a angustiava.
“Estou demasiado sensível hoje” pensou.
Sacudiu a cabeça, retirou o lenço e os óculos que guardou no saco, e pondo-se de pé dirigiu-se para o mar.
 Precisava dar um mergulho. Sentir a carícia das águas. E afastar de vez tristes recordações. Mas, será que o ia conseguir?
Um quarto de hora depois, regressava ao areal. Com gestos mecânicos enxugou-se,  vestiu-se, e preparou-se para regressar a casa
As nuvens tinham desaparecido, o sol brilhava radioso, cobrindo voluptuosamente toda a cidade. 

14.5.20

ISABEL - PARTE II


Igreja de Santa Maria  Foto minha
  
Depois de umas breves orações, mais pensadas que murmuradas, saiu e atravessando o largo, do Infante, passou para o outro lado da Avenida dos Descobrimentos, que os locais chamavam simplesmente de  "a marginal," como ela descobrira quando chegara.  Pensou que talvez o pequeno barco, que costumava atravessar o canal que separava a marginal, da Meia-Praia, poderia não estar lá com aquele dia, que parecia tão pouco propício a uma ida à praia. Mas logo o avistou mais à frente, junto às escadinhas que lhe davam acesso.  Apressou o passo e dirigiu-se para lá. A maré estava vazia, notava-se pelas pedras à mostra junto à muralha, ou paredão como lhe chamavam na cidade.
No barco, apenas se encontravam os dois tripulantes.
- Bom dia! Fazem a travessia com uma só pessoa? - perguntou.
- Claro. Um bom freguês vale por muitos, - respondeu com um sotaque brasileiro, o jovem que cobrava a passagem.
Isabel desceu as escadas, e entrou para o barco recusando com um sorriso, a mão do jovem, estendida para a ajudar.
Sentou-se e logo o outro jovem pôs o motor a trabalhar e o barco começou a afastar-se rumo à outra margem.
-"Com este tempo, devem pensar que sou maluca", pensou olhando a ondulação formada pelo movimento do barco. Poucos minutos depois, o barco encostava às escadas no lado contrário. 
-Vão cá estar mais logo quando quiser regressar? - perguntou
-Até às sete da tarde - responderam em uníssono. depois o mais velho acrescentou:
-Não pense que o tempo se vai manter assim. Dentro de duas, três horas no máximo,  o sol estará a brilhar sobre as águas e a queimar os corpos no areal.
Pouco convencida, Isabel despediu-se com um sorridente até logo, subiu as escadas e entrou pelo carreiro entre as dunas em direção à praia.
Quando chegou ao areal a tal chuvinha tinha desaparecido. A avó chamava-lhe “morrinha” o avô “molha-parvos” lembrou com um sorriso. Quando sorria, surgiam-lhe duas pequenas covas no rosto, que a tornavam ainda mais atraente. Mas apesar disso, o sorriso não conseguia apagar a tristeza que lhe habitava no olhar. 
A cidade estava quase totalmente rodeada de praias, e quando chegou percorreu-as todas. A maioria, praias pequenas, entre as falésias, muito bonitas para olhar, mas demasiado concorridas para o seu gosto. Das duas que mais gostou, escolheu a Meia-Praia, por lhe permitir o passeio a pé até ao barco, e, não precisar conduzir numa cidade em que a maioria das ruas, se  encontram vedadas ao trânsito automóvel.   
Mas não deixou de se surpreender, com o nome de Meia-Praia,  quando se trata de uma praia de alguns quilómetros de comprimento, dividida em várias zonas de banho, com salva-vidas, toldos e restaurantes. 
Até onde a vista alcançava a praia estava quase deserta, já que em algumas zonas se via uma ou outra pessoa. Mais à frente, da parte de cima, um pouco depois das dunas, um bairro de pequenas casas brancas. “Os índios da Meia-Praia”, que Zeca Afonso, o poeta cantor imortalizou, - pensou Isabel. Na água, mesmo à babujem, algumas pessoas numa espécie de dança, logo seguida de agachamento. A maré-vazia propiciava a apanha de conquilhas. Condelipas, murmurou ao lembrar-se que em Lagos era assim que as conquilhas se chamavam. Isabel, era curiosa, gostava de saber o porquê das coisas, e por isso, dias depois de ter chegado, ao ver as conquilhas no mercado rebatizadas, procurara saber  o porquê daquele nome que lhe pareceu um tanto estranho. Disseram-lhe, que no século XVIII, estivera em Lagos, um certo Conde de Lippe, que viera  reorganizar a defesa da cidade e se instalara na fortaleza, Pau da Bandeira, que ainda hoje se encontra junto à entrada da praia da Batata. Grande apreciador de conquilhas, o conde mandou vir sacos delas e ordenou que os soldados as espalhassem na praia.O povo que até aí nunca vira aqueles bivalves, e sabendo que fora o tal conde de Lippe  quem as mandara espalhar pela praia, achou que Condelipas, era o nome mais adequado, e  ainda hoje são assim chamadas.

                                            

2.12.15

AMANHECER TARDIO - PARTE II


Igreja de Santa Maria  Foto minha
  
Depois de umas breves orações mais pensadas que murmuradas, saiu e atravessando o largo, passou para o outro lado da Avenida pensando se o barco que costumava atravessar as pessoas para a Meia-Praia, estaria lá com aquele dia que parecia tão pouco propício à praia. Mas logo o avistou mais à frente, junto às escadinhas por onde as pessoas desciam. Apressou o passo e dirigiu-se para lá. A maré estava vazia, notava-se pelas pedras à mostra junto à muralha, ou paredão como diziam as pessoas da terra.   No barco, apenas os dois tripulantes que faziam a travessia se encontravam lá.
- Bom dia. Fazem a travessia com uma só pessoa?
- Claro. Um bom freguês vale por muitos, - respondeu com um sotaque brasileiro, o jovem que cobrava a passagem.
Isabel desceu as escadas, e entrou para o barco recusando com um sorriso, a mão estendida do jovem para a ajudar.
Sentou-se e logo o outro jovem pôs o motor a trabalhar e o barco começou a afastar-se rumo à outra margem.
-"Com este tempo, devem pensar que sou maluca", pensou ela olhando as águas.
Quando chegou ao areal a tal chuvinha tinha desaparecida. A avó chamava-lhe “morrinha” o avô “molha-parvos” lembrou com um sorriso. Quando sorria, surgiam-lhe duas pequenas covas no rosto, que a tornavam ainda mais atraente. Mas apesar disso o sorriso não conseguia apagar a tristeza que habitava no seu olhar.  
Quem conhece a Meia-Praia, sabe que apesar do nome, se trata de uma praia de alguns quilómetros de comprimento, dividida em várias zonas de banho, com salva-vidas, toldos e restaurantes. 
Até onde a vista alcançava a praia estava semi-deserta, já que em algumas zonas se via uma ou outra pessoa. Mais à frente, da parte de cima, um pouco depois das dunas, um bairro de pequenas casas brancas. “Os índios da Meia-Praia”, que o poeta cantor imortalizou, - pensou Isabel. Na água, mesmo à babujem, algumas pessoas numa espécie de dança, logo seguida de agachamento. A maré-vazia propiciava a apanha de conquilhas. Condelipas, como as pessoas da terra chamavam. Isabel, era curiosa, gostava de saber o porquê das coisas, e por isso, dias depois de ter chegado procurara saber porque é que em Lagos as conquilhas, se chamavam condelipas. Disseram-lhe, que em tempos remotos estivera em Lagos, um certo conde de Lippe, que viera  reorganizar a defesa da cidade e se instalara na fortaleza, Pau da Bandeira que ainda hoje se encontra junto à entrada da praia da Batata. Grande apreciador de conquilhas, o conde mandou vir sacos delas e ordenou que os soldados as espalhassem na praia. Daí que o povo lhe tenha começado a chamar Condelipas, nome que perdura até hoje na terra.