Ferveu o leite, fez o café, pôs manteiga nas torradas, e finalmente sentou-se em frente à avó. Comeram em silêncio, a jovem não se atrevia a dizer à idosa, o que tão bem planeara à noite. Quando acabaram, a avó colocou a sua enrugada mão sobre a dela, e disse com ternura:
- Vá lá filha, desembucha. Ou corres o risco de sofrer uma indigestão.
- Como é que sabes que te quero dizer alguma coisa?
- Olha, Isabel, eu sou velha, mas não sou cega. Sei que ficaste abalada com o que te contei ontem, sobre o Hélder. Também ainda conservo a minha memória e lembro-me bem como vocês foram inseparáveis noutros tempos. Depois não sei o que se passou, mas os dois fugiram. Tu levaste cinco anos sem voltares, ele levou dez.
-Nunca te perguntei nada, mas não é preciso ser muito esperta para saber que alguma coisa se passou entre vós. Talvez não saibas, mas sempre que estava por cá, ele vinha-me visitar, fazia-me um bocado de companhia ao serão e eu gostava de conversar com ele. Era como um neto. Esteve ausente, dez anos, voltou e não me veio ver, uma única vez. Pode ser que seja por amargura, por estar cego. Mas pode ser por algo mais que só vocês saberão. E então, agora já podes dizer à tua velha avó o que te atormenta?
- Ó avó, não se passou nada. Eu fiz uma coisa estúpida e ele ficou aborrecido, mas isso foi há tanto tempo que nem já se lembrará.
- E tu, esqueceste? – perguntou a avó perscrutando-a com o olhar.
-Claro avó, - mentiu e teve a certeza de ter corado. Mas a avó não disse nada. Ou não deu por isso ou fingiu que não viu.
E ela acrescentou:
- Sabes, gostava de tentar a vaga de secretária. Sem ele saber quem sou, mas para isso, não podias dizer nada a ninguém.
A avó sorriu ironicamente
-Queres dizer que trocas a tua carreira de advogada, pela de secretária dele? Pensava que tinhas sentido uma paixoneta de garota, mas vejo que é algo bem mais sério.
-Ó avó não é nada disso. É só que tenho pena dele, e como estou de férias…
- Olha Isabel, se há coisa que me aborrece é que me tomem por tola. Vai lá ver se consegues a vaga, eu não direi nada a ninguém, também o que poderia eu dizer? Que a minha neta, anda a apanhar lenha para se queimar, e eu não sei como protegê-la?
-Obrigado, avó. És um amor, - disse abraçando e beijando a idosa.
16 comentários:
Interessadíssima, aguardo o desenrolar dos acontecimentos.
Uma relação terna e bonita esta, entre a Isabel e a Avó.
Boa semana, um abraço, Elvira.
Está para nascer quem consiga enganar uma avó.
A passar para acompanha a história e desejar uma boa semana.
Isabel Sá
Brilhos da Moda
Lendo e recordando!
Um excelente capitulo.
Um abraço e boa semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros
Sempre tão lindo e adorto os detalhes perfeitos que narras! beijos, linda semana,chica
A Elvira sabe sempre como nos prender à narrativa.
Lindo capítulo, venha o próximo com o encontro dos dois amigos.
Beijo, boa semana.
Os idosos sabem mais do que mostram! Gostei!
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Já não escuto...
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Beijo, e uma excelente semana. :)
A idade e a experiência da vida. A avó de Isabel consegue perceber o que Isabel sente, sem que ela lho diga.
Boa semana com saúde, amiga Elvira. Um abraço.
a minha avo tambem sabia sempre tudo sobre mim nao conseguia lhe esconder nada linda historia bjs saude
Avó é sábia eheheheh
Boa tarde, Elvira
Estou a gostar... Vou ter que ler os capítulos que perdi!
Bjxxx
Ontem é só Memória | Facebook | Instagram | Youtube
Bom dia Elvira,
Um capítulo muito bonito
Gostei muito desta conversa entre avó e neta.
Beijinhos e ótimo dia com saúde.
Ailime
O último parágrafo é "delicioso" a vários níveis, por um lado fez-me sorrir, por outro é algo que em determinadas fases da nossa vida tendemos a fazer (não por maldade, talvez mais por falta de confiança) e que é "fazer dos mais velhos tontos" no sentido de evitar ser frontal em matérias que para eles, normalmente foram vividas da mesma forma (ou pior - sorrisos)
Mais dois capítulos e a história já me conquistou :)
Forte abraço, Elvira!
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