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30.11.17

MARIA - PARTE IV

RE-EDIÇÃO

 A mãe da Maria



Naquela noite custei a adormecer. O reencontro com Maria trouxe à tona sentimentos, que na azáfama diária, a gente até esquece. Em tempos houve entre nós uma grande amizade e uma certa cumplicidade. Eu via em Maria a filha que o destino não me quisera dar. Ela via em mim… bom, sei lá o que na verdade ela via em mim. Talvez uma irmã mais velha, talvez a mãe que ela gostaria de ter, talvez tão só, uma amiga muito especial, a quem se confiam segredos, que são só nossos.
Elisa, a mãe de Maria era a única rapariga dos sete filhos que seus pais tiveram. A última quando a sua mãe já desesperava com tanto rapaz. Naquele tempo, sabia-se pouco sobre controle de natalidade, 
os avós de Maria, praticavam o coito interrompido, razão porque a avó sempre dissera que a filha, nascera por um “descuido” do marido, porque a verdade é que na aldeia se dizia que sete filhos rapazes, o mais velho ou o mais novo seria lobisomem, e a pobre da mulher, levou os nove meses, até ao parto, a pedir a Deus que fosse uma menina. Fez até uma promessa de ir a Fátima a pé se obtivesse essa graça. Por isso quando Elisa nasceu foi uma alegria e um alívio sem tamanho.
A menina cresceu, sempre cercada dos cuidados dos irmãos, que a tratavam como se ela fosse uma jóia preciosa e a protegiam de tudo e todos, como se o simples aproximar de alguém lhe pudesse roubar o brilho. Nunca foi brincar com outras crianças, a não ser no pátio da escola, sempre debaixo do olhar protector de um dos irmãos. Já adolescente, não saía de casa, onde a mãe a ensinava a costurar, e a fazer lindos panos de renda, que haviam de ser para o seu enxoval. Aos poucos, os irmãos foram deixando a aldeia, rumo à capital em busca de uma vida diferente. Elisa também sonhava com esse dia, mas como deixar a aldeia? Os pais não deixavam, era o que faltava, uma mulher solta no mundo. Só se fosse casada. Porém os rapazes escasseavam na aldeia. Não foram apenas os seus irmãos, que foram em busca de nova vida. Quase todos os rapazes jovens, o fizeram. Alguns foram até para o Brasil. De modo que Elisa, foi ficando em casa dos pais, e as esperanças de uma vida diferente, iam-se desvanecendo com o passar dos anos.
Um dia, o pai de Elisa sofreu uma trombose e em poucas horas morreu. A mulher enlouqueceu. Os vizinhos diziam que fora do desgosto, os filhos também acreditavam nisso, mas a filha sabia bem, que há largos meses vinha notando, atitudes na mãe, que denotavam a caminhada rumo à demência. A morte do marido, fez com que a caminhada fosse mais rápida, e aquilo que até aí, só a filha notara, passou a ser visto por toda a aldeia.
Elisa cuidou da mãe até ao último momento. Se antes da morte do pai, ela não podia sair, nem ter amizades, porque lhe era proibido, depois ainda que o quisesse, também não o conseguiria. As pessoas olhavam-na com desconfiança e murmuravam entre dentes.
“Coitada, vai acabar louca também”
Depois do funeral da mãe, Elisa arrumou as suas poucas roupas, numa maleta e veio com os irmãos para Lisboa. Tinha vinte e nove  anos de uma vida de repressão e clausura e nenhuma experiência de vida.
Quando dois meses depois, o irmão lhe disse que um amigo queria casar com ela e que ela devia aproveitar, pois em breve envelheceria e já não teria oportunidade de arranjar marido, Elisa aceitou correndo, ansiosa por conhecer uma vida diferente, por ter a sua casa, a sua vida.
Alberto, era um homem bom, trabalhador, que a amou e lhe deu uma vida como ela nunca teve.
Ensinou-lhe a tirar partido da sua beleza, ensinando-lhe como se vestir, para realçar o seu corpo delgado, mas bem proporcionado. Levou-a a um salão, onde lhe cortaram a trança, fazendo-lhe um corte que a rejuvenesceu e lhe tirou aquele ar provinciano, que ostentava quando casou. Também lhe ensinaram como usar um batom e uma sombra para realçar a boca e os olhos, que já de si eram muito bonitos.
Em pouco tempo nada restava da Elisa que a aldeia conhecera. Pelo menos na aparência.
Alberto gostava de sair com a mulher, que exibia aos amigos com orgulho, e a quem fazia todas as vontades, especialmente quando Elisa lhe disse que ia ser mãe.
Porém Alberto não chegou a ver esse bebé nascer. Morreu uma tarde de Julho, quando regressava do trabalho, colhido por um comboio, na passagem de nível, sem guarda.
Elisa julgou enlouquecer de dor e raiva. Dor porque aprendera a amar o marido, e raiva contra o destino que parecia não querer que ela fosse feliz.



Continua





29.11.17

MARIA - PARTE III

 RE-EDIÇÃO


Foto minha, tirada da minha varanda. Ao fundo, o pinhal donde se desce para o rio.


Uma velha amiga

-Boa tarde – saudei ao reconhecê-la. Não me diga que veio ver o pôr-do-sol.
-Olá amiga – respondeu enquanto nos cumprimentávamos. Nem a tinha visto. Estava aqui numa de recordar o passado.
- Às vezes recordar é viver. Veio sozinha? – Perguntei intrigada.
- Estou sozinha, amiga. A minha vida deu uma volta que às vezes nem eu própria acredito. Vamos andando que lhe conto tudo. Na verdade tinha vontade de passar por sua casa. Mas receava incomodar, e por isso vim para aqui.
- Incomodar? Isso nem parece seu. Vamos embora. E janta connosco.
No silêncio que se seguiu dei-lhe o braço e encetámos a caminhada até minha casa. Eu aguardava que ela falasse. Há quanto tempo não a via? Oito, dez anos, talvez. E admirava-me vê-la sozinha. E o marido? Porque não estava com ela?
- Estou divorciada.
Parei. Era surpreendente. Maria sempre tivera esse dom. Adivinhar os meus pensamentos. Quando criança, era uma espécie dum jogo, depois foi transformando-se num hábito. Quantas vezes pensei dizer-lhe alguma coisa, e ela me respondia antes que eu concretizasse a pergunta? Tantas que lhe perdi a conta. Era como se para ela os meus pensamentos estivessem escritos na testa. O contrário também acontecia por vezes. Mas era muito raro.
Naquele momento a minha surpresa era pelo teor da informação.
Conheci-a há quarenta anos atrás. Ela era uma menina e eu mulher feita e casada. Gostei dela assim que a vi, com aquele instinto maternal que nós mulheres temos e que nos faz olhar as crianças e pensar nelas como se fossem um pouco nossos filhos. Ela também se afeiçoou a mim e foi crescendo e alimentando a amizade que nos unia.
Maria não era uma mulher de grande beleza embora fosse considerada uma mulher bonita. Rondaria o metro e sessenta de altura, de corpo esbelto, rosto oval, olhos verdes rasgados e boca bem desenhada, que mostrava ao sorrir uma longa fileira de dentes alvos. Testa alta, cabelo curto e liso, escuro. O nariz, um pouco comprido, destoava e retirava grande parte da beleza do rosto.
Estava casada há quase quinze anos e ela e o marido formavam um dos casais mais apaixonados que eu conhecia. Por isso a sua informação me surpreendeu tanto. Caminhámos em silêncio, eu esperando a confidência, ela perdida nos tortuosos caminhos das suas recordações.
- Não sabe o quanto tenho sofrido. A minha vida desandou e eu fui caindo, caindo até bater no fundo. Agora estou tentando voltar a sentir gosto pela vida. Mas está difícil.
Chegámos a casa, onde o meu marido já me esperava para jantar. Também ele ficou surpreso com a presença da minha amiga, mas discreto não fez perguntas.
O jantar decorreu numa animação forçada. Maria esforçando-se por mostrar uma alegria que não tinha, e nós fingindo que acreditávamos. O serão decorreu sem qualquer confidência da sua parte, talvez pela presença do meu marido, e combinamos encontrar-nos no dia seguinte, para ela “lavar a alma” palavras suas, ditas baixinho, enquanto me abraçava na despedida.

Continua



28.11.17

MARIA - PARTE II

RE-EDIÇÃO


A Surpresa


A praia fica uns dois metros abaixo do nível da Quinta. Por isso as águas do rio, nunca iam até às oliveiras, mesmo nas marés vivas de Agosto, ou quando estava mau tempo no Inverno. O mesmo não se passa do outro lado da azinhaga onde começa a Seca que ali naquele sítio está ao nível do rio.Daí que um pouco mais à frente onde as cassas e armazéns da Seca começam, o arame farpado dê lugar a uma parede de cimento que nós chamávamos muralha.  Mas ali naquele canto, onde hoje apenas se vêm ervas, existia o grande barracão de madeira onde meus irmãos nasceram e onde habitámos durante toda a nossa infância. Por isso ele estava assente em pilares de cimento, com mais de mais de um metro de altura. Para que não acordássemos em dia de marés grandes, dentro de água.

Atravessei a azinhaga e mergulhei os pés na faixa de areia, agora bem pequena, e transportada para lá por camiões da Câmara, já que a areia original da praia, desapareceu toda com o empurrar do rio para o lado de cá pelos aterros da Siderurgia Nacional. Fui caminhando lentamente. As águas de tão calmas pareciam artificiais. O sol estava prestes a desaparecer no horizonte e deixava nelas um rasto avermelhado, como uma estrada de fogo.
Sentei-me na areia entre dois tufos de junco, e perdi-me nas minhas recordações. Lembrei-me daquela vez em que saí de casa para apanhar amoras naquelas silvas do outro lado da cerca, e fiquei presa nelas sem conseguir desenvencilhar-me dos picos que me prenderam a saia. Não me recordo que idade tinha, mas era muito pequenina. Chorei tanto com medo que ninguém me encontrasse. E os meus pais aflitos percorrendo a margem do rio pensando que eu teria ido para lá e quem sabe estaria afogada.

“Vi” o meu irmão, brincando sozinho com a areia, abrindo poços e fazendo construções, e a minha irmã escondendo-se com medo dos GNR, que vinham de vez em quando a cavalo até à Seca, onde se reuniam com a Guarda-fiscal, cujo posto ficava no topo norte da malta das mulheres. “Vi” o grande barracão lá bem no cantinho, encostado à cerca, e o portão que aí havia e que a minha mãe abria todas as manhãs para o pessoal que vinha do Barreiro a pé pela Caldeira do Alemão para trabalhar na Seca. Quando passava a última pessoa, a minha mãe fechava o portão e ia com ela para o trabalho na Seca. À noite saía um pouco mais cedo e vinha na frente para abrir o portão.

Lembrei do quintal enorme que meu pai cultivava, do feijão verde, que nós comíamos cru sempre que alguma vagem nos chamava a atenção, ou quando tínhamos fome e os pais ainda não tinham vindo do trabalho, os tomates as cenouras, e até as cebolas que comíamos, com um pouco de sal.

“Vi” o meu pai encostando uma escada de madeira ao barracão, subir ao telhado e colocar lá a bandeira do seu clube, naquele ano em que o Porto foi campeão na década de 50. Era tão raro naquela altura o F.C.P. ganhar alguma coisa.

O sol desaparecera no horizonte, o dia prestava-se para dar lugar à noite, e decidi regressar a casa.

Ao chegar à Quinta quedei-me surpreendida. Na minha frente levantava-se a mulher que me intrigara uma hora antes. E era afinal uma velha conhecida…


Continua

27.11.17

MARIA - PARTE I


 RE-EDIÇÃO
                                              foto minha


Regresso ao passado

Foi num fim de tarde de Setembro, quando o Verão caminha já ao encontro do Outono. O dia estivera bonito, um sol radioso, mas já sem aquele calor abrasador do pino do Verão.
Aí pelas seis da tarde, a saudade invadiu-me o peito e aos poucos foi-se instalando, qual erva daninha, alastrando na horta. Saudade dos meus tempos de menina, vivendo à beira-rio, do pôr-do-sol tingindo de vermelho as calmas águas, do cheiro a limo, do bater dos remos dos pescadores.
Eu não sou mulher de ficar remoendo a saudade, quando estou numa situação privilegiada para ir até lá passear um pouco na praia, molhar os pés na água, e quem sabe encetar uma viagem ao passado das minhas recordações e aos meus tempos de menina.
Peguei nas chaves, e num livro. Não porque estivesse a pensar ir ler para a beira-rio, quando o entardecer se apressava, mas porque sempre considerei um livro como um amigo, e ter um amigo por perto sempre foi um amparo para as minhas emoções.
Desci os dois lances de escada, atravessei a estrada, e entrei na quinta que me ia levar à margem do rio Coina, uns metros adiante. Enquanto caminhava pela quinta, que de quinta apenas tem o nome, pois se trata de um descampado de uns quatrocentos  metros ao fundo do qual um pinhal dava inicio à descida acentuada que terminava lá bem na margem do rio, uns trezentos metros adiante.
Desci quase correndo levada pela urgência das recordações.
No fundo a todo o comprimento da quinta, uma fileira de oliveiras que as pessoas utilizavam como sombra, quando no Verão procuravam a praia. Em tempos, aquela quinta era chamada a Quinta do Xavier, e da parte de cima das oliveiras, havia imensas figueiras, com cujos frutos os meus irmãos, e todas as outras crianças pobres do sítio se deliciavam. Porque aquela quinta sempre foi pública. Uma azinhaga servia de caminho para quem descia da Telha para a praia. E no Verão aquela praia ficava tão povoada como a melhor praia da actualidade. A extensa fieira de oliveiras, e as imensas figueiras serviam de sombra para as pessoas acamparem por baixo e fazerem belos piqueniques sob a sua sombra. Claro que isto foi há muitos anos atrás,  antes da Siderurgia Nacional se ter instalado no Seixal, o que empurrou o rio para a Quinta do Xavier e roubou a bela margem de areia da praia. Também o progressivo desenvolvimento do Barreiro, com o consequente aumento de esgotos para o rio, transformou a ótima qualidade de água, em qualquer coisa, imprópria para o banho.
Do outro lado da azinhaga, a cerca de marcos com arame farpado, que delimita a antiga Seca do Bacalhau da Azinheira Velha. Mesmo junto à cerca, ficava o barracão onde vivi a minha meninice, e onde nasceram meus irmãos. Parei ali por momentos, olhando para o passado, ouvindo o som da briga dos meus irmãos, o barulho da corrente do cão, correndo pelo arame, quando ele corria, dum lado ao outro do barracão.
De súbito, voltei ao presente com um leve som, e fiquei surpresa ao notar que não estava sozinha. Ali ao lado debaixo de uma oliveira, sentada no chão, uma mulher que me pareceu ainda jovem, mas que escondia a cara nos joelhos fletidos. Parecia que não tinha dado por mim e como eu também não estava interessada noutra coisa que não aquele regresso ao passado, resolvi afastar-me em direcção à água, não sem antes ter lançado um novo olhar à figura e me ter parecido achar-lhe qualquer coisa de familiar.


Continua

AVISO AOS LEITORES:


Nesta história, tudo o que escrevo na primeira pessoa, é verdade, faz parte da história da minha vida.
A Maria não existe , é a parte de ficção da história. 
O engraçado é que quando publiquei a história, há quase quatro anos, recebi um e-mail de alguém que me perguntava se eu a conhecia, porque me garantia que a sua história era igualzinha à que eu descrevera. Espero que essa pessoa esteja bem.

26.11.17

CONVERSANDO CONVOSCO.




Ontem chegou ao fim mais uma das minhas histórias. Foi a décima terceira escrita este ano.  De momento não tenho nenhuma outra escrita. Começaram as aulas e as atividades da Universidade Sénior, e o tempo escasseia, até porque dia 10 do próximo mês volto para o Algarve e lá não tenho internet. 
De modo que pensei reeditar um dos contos mais antigos. Tenho alguns leitores fiéis que me acompanham há anos e para esses pode ser aborrecido, se ainda se lembrarem da história, mas também tenho muitos novos leitores que decerto gostarão de ter uma outra história para ler. Depois daqui a pouco começam os post natalícios e uma história nova só chegará em Janeiro
Assim sendo aí vai a pergunta:
Quem quer a reedição?
Termino com um muito obrigada pelo vosso carinho e companhia.

Ainda se lembram das histórias deste ano?


UMA HISTÓRIA DE AMOR
UMA NOITE DE INVERNO
LONGA TRAVESSIA
CASAMENTO POR PROCURAÇÃO
OS CAMINHOS DO DESTINO
JOGO PERIGOSO, 
NA HORA EM QUE O GALO CANTOU
SONHO AO LUAR
SINFONIA DA MEMÓRIA
 DIVIDA DE JOGO
À MÉDIA LUZ
A RODA DO DESTINO
ARMADILHAS DO DESTINO


NÃO VOU REEDITAR NENHUM DESTES QUE SÃO MUITO RECENTES . MAS UM COM TRÊS OU QUATRO ANOS.


PARA TODOS VÓS UMA EXCELENTE SEMANA

2.11.17

CONVERSANDO CONVOSCO.






Bom dia. 
Com esta última história ultrapassaram-se os 28.000 comentários, como podem verificar no contador, aqui no lado esquerdo. Mais do que as 400.000 mil visualizações, são os comentários que me dão a conhecer o interesse das histórias que vos conto. Todos podem entrar num blogue e sair sem perder um minuto, e isso conta nas visualizações, mas ninguém comenta sem ler. 28034 comentários para 1478 postagens dá uma média de 18,9 comentários por textos. Para alguém como eu, que pouco mais sei, que ler e escrever, é motivo de grande alegria.
Como sempre que ultrapasso um milhar, eu costumo enviar à pessoa cujo comentário o fez um dos meus contos por email. Desta vez porém o leitor que o fez, com o comentário do dia 31 de Outubro às 7.57 h não tem blogue e não tenho o seu endereço eletrónico. Trata-se do amigo Roaquim Rosa, pelo que lhe peço que se estiver interessado em receber o conto, poderá entrar em contato comigo para elviracarvalho328@gmail.com
Muito obrigada a todos. Vocês são fantásticos.Para todos vós, o meu carinho e ... espero que as rosas cheguem para todos.