A mãe da Maria
Naquela noite custei a adormecer. O reencontro com Maria trouxe à tona sentimentos, que na azáfama diária, a gente até esquece. Em tempos houve entre nós uma grande amizade e uma certa cumplicidade. Eu via em Maria a filha que o destino não me quisera dar. Ela via em mim… bom, sei lá o que na verdade ela via em mim. Talvez uma irmã mais velha, talvez a mãe que ela gostaria de ter, talvez tão só, uma amiga muito especial, a quem se confiam segredos, que são só nossos.
Elisa, a mãe de Maria era a única rapariga dos sete filhos que seus pais tiveram. A última quando a sua mãe já desesperava com tanto rapaz. Naquele tempo, sabia-se pouco sobre controle de natalidade, os avós de Maria, praticavam o coito interrompido, razão porque a avó sempre dissera que a filha, nascera por um “descuido” do marido, porque a verdade é que na aldeia se dizia que sete filhos rapazes, o mais velho ou o mais novo seria lobisomem, e a pobre da mulher, levou os nove meses, até ao parto, a pedir a Deus que fosse uma menina. Fez até uma promessa de ir a Fátima a pé se obtivesse essa graça. Por isso quando Elisa nasceu foi uma alegria e um alívio sem tamanho.
A menina cresceu, sempre cercada dos cuidados dos irmãos, que a tratavam como se ela fosse uma jóia preciosa e a protegiam de tudo e todos, como se o simples aproximar de alguém lhe pudesse roubar o brilho. Nunca foi brincar com outras crianças, a não ser no pátio da escola, sempre debaixo do olhar protector de um dos irmãos. Já adolescente, não saía de casa, onde a mãe a ensinava a costurar, e a fazer lindos panos de renda, que haviam de ser para o seu enxoval. Aos poucos, os irmãos foram deixando a aldeia, rumo à capital em busca de uma vida diferente. Elisa também sonhava com esse dia, mas como deixar a aldeia? Os pais não deixavam, era o que faltava, uma mulher solta no mundo. Só se fosse casada. Porém os rapazes escasseavam na aldeia. Não foram apenas os seus irmãos, que foram em busca de nova vida. Quase todos os rapazes jovens, o fizeram. Alguns foram até para o Brasil. De modo que Elisa, foi ficando em casa dos pais, e as esperanças de uma vida diferente, iam-se desvanecendo com o passar dos anos.
Um dia, o pai de Elisa sofreu uma trombose e em poucas horas morreu. A mulher enlouqueceu. Os vizinhos diziam que fora do desgosto, os filhos também acreditavam nisso, mas a filha sabia bem, que há largos meses vinha notando, atitudes na mãe, que denotavam a caminhada rumo à demência. A morte do marido, fez com que a caminhada fosse mais rápida, e aquilo que até aí, só a filha notara, passou a ser visto por toda a aldeia.
Elisa cuidou da mãe até ao último momento. Se antes da morte do pai, ela não podia sair, nem ter amizades, porque lhe era proibido, depois ainda que o quisesse, também não o conseguiria. As pessoas olhavam-na com desconfiança e murmuravam entre dentes.
“Coitada, vai acabar louca também”
Depois do funeral da mãe, Elisa arrumou as suas poucas roupas, numa maleta e veio com os irmãos para Lisboa. Tinha vinte e nove anos de uma vida de repressão e clausura e nenhuma experiência de vida.
Quando dois meses depois, o irmão lhe disse que um amigo queria casar com ela e que ela devia aproveitar, pois em breve envelheceria e já não teria oportunidade de arranjar marido, Elisa aceitou correndo, ansiosa por conhecer uma vida diferente, por ter a sua casa, a sua vida.
Alberto, era um homem bom, trabalhador, que a amou e lhe deu uma vida como ela nunca teve.
Ensinou-lhe a tirar partido da sua beleza, ensinando-lhe como se vestir, para realçar o seu corpo delgado, mas bem proporcionado. Levou-a a um salão, onde lhe cortaram a trança, fazendo-lhe um corte que a rejuvenesceu e lhe tirou aquele ar provinciano, que ostentava quando casou. Também lhe ensinaram como usar um batom e uma sombra para realçar a boca e os olhos, que já de si eram muito bonitos.
Em pouco tempo nada restava da Elisa que a aldeia conhecera. Pelo menos na aparência.
Alberto gostava de sair com a mulher, que exibia aos amigos com orgulho, e a quem fazia todas as vontades, especialmente quando Elisa lhe disse que ia ser mãe.
Porém Alberto não chegou a ver esse bebé nascer. Morreu uma tarde de Julho, quando regressava do trabalho, colhido por um comboio, na passagem de nível, sem guarda.
Elisa julgou enlouquecer de dor e raiva. Dor porque aprendera a amar o marido, e raiva contra o destino que parecia não querer que ela fosse feliz.
Continua