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27.11.17

MARIA - PARTE I


 RE-EDIÇÃO
                                              foto minha


Regresso ao passado

Foi num fim de tarde de Setembro, quando o Verão caminha já ao encontro do Outono. O dia estivera bonito, um sol radioso, mas já sem aquele calor abrasador do pino do Verão.
Aí pelas seis da tarde, a saudade invadiu-me o peito e aos poucos foi-se instalando, qual erva daninha, alastrando na horta. Saudade dos meus tempos de menina, vivendo à beira-rio, do pôr-do-sol tingindo de vermelho as calmas águas, do cheiro a limo, do bater dos remos dos pescadores.
Eu não sou mulher de ficar remoendo a saudade, quando estou numa situação privilegiada para ir até lá passear um pouco na praia, molhar os pés na água, e quem sabe encetar uma viagem ao passado das minhas recordações e aos meus tempos de menina.
Peguei nas chaves, e num livro. Não porque estivesse a pensar ir ler para a beira-rio, quando o entardecer se apressava, mas porque sempre considerei um livro como um amigo, e ter um amigo por perto sempre foi um amparo para as minhas emoções.
Desci os dois lances de escada, atravessei a estrada, e entrei na quinta que me ia levar à margem do rio Coina, uns metros adiante. Enquanto caminhava pela quinta, que de quinta apenas tem o nome, pois se trata de um descampado de uns quatrocentos  metros ao fundo do qual um pinhal dava inicio à descida acentuada que terminava lá bem na margem do rio, uns trezentos metros adiante.
Desci quase correndo levada pela urgência das recordações.
No fundo a todo o comprimento da quinta, uma fileira de oliveiras que as pessoas utilizavam como sombra, quando no Verão procuravam a praia. Em tempos, aquela quinta era chamada a Quinta do Xavier, e da parte de cima das oliveiras, havia imensas figueiras, com cujos frutos os meus irmãos, e todas as outras crianças pobres do sítio se deliciavam. Porque aquela quinta sempre foi pública. Uma azinhaga servia de caminho para quem descia da Telha para a praia. E no Verão aquela praia ficava tão povoada como a melhor praia da actualidade. A extensa fieira de oliveiras, e as imensas figueiras serviam de sombra para as pessoas acamparem por baixo e fazerem belos piqueniques sob a sua sombra. Claro que isto foi há muitos anos atrás,  antes da Siderurgia Nacional se ter instalado no Seixal, o que empurrou o rio para a Quinta do Xavier e roubou a bela margem de areia da praia. Também o progressivo desenvolvimento do Barreiro, com o consequente aumento de esgotos para o rio, transformou a ótima qualidade de água, em qualquer coisa, imprópria para o banho.
Do outro lado da azinhaga, a cerca de marcos com arame farpado, que delimita a antiga Seca do Bacalhau da Azinheira Velha. Mesmo junto à cerca, ficava o barracão onde vivi a minha meninice, e onde nasceram meus irmãos. Parei ali por momentos, olhando para o passado, ouvindo o som da briga dos meus irmãos, o barulho da corrente do cão, correndo pelo arame, quando ele corria, dum lado ao outro do barracão.
De súbito, voltei ao presente com um leve som, e fiquei surpresa ao notar que não estava sozinha. Ali ao lado debaixo de uma oliveira, sentada no chão, uma mulher que me pareceu ainda jovem, mas que escondia a cara nos joelhos fletidos. Parecia que não tinha dado por mim e como eu também não estava interessada noutra coisa que não aquele regresso ao passado, resolvi afastar-me em direcção à água, não sem antes ter lançado um novo olhar à figura e me ter parecido achar-lhe qualquer coisa de familiar.


Continua

AVISO AOS LEITORES:


Nesta história, tudo o que escrevo na primeira pessoa, é verdade, faz parte da história da minha vida.
A Maria não existe , é a parte de ficção da história. 
O engraçado é que quando publiquei a história, há quase quatro anos, recebi um e-mail de alguém que me perguntava se eu a conhecia, porque me garantia que a sua história era igualzinha à que eu descrevera. Espero que essa pessoa esteja bem.

25.2.16

MANEL DA LENHA - PARTE XIV


                                    foto do google

Um mês depois, da bomba atómica ter deflagrado em Hiroxima, num domingo, de Setembro, o Manuel encontrou no Terreiro do Paço o seu amigo Varandas. Foi uma festa, e ele ficou a saber que o amigo estava a trabalhar na Seca de bacalhau do Seixal, com duas das suas cinco irmãs. E logo combinaram um encontro lá no Seixal, no próximo Domingo, para conversarem sobre as suas vidas, desde que deixaram de se ver quando Varandas fora para os Açores.
Assim no domingo seguinte, Manuel foi como combinado, até à Seca do Picado no Seixal para se encontrar com o Varandas. E aí conheceu duas das irmãs do amigo. E embora elas fossem tão semelhantes fisicamente, que quase pareciam gémeas, o seu coração logo se enfeitiçou por uma delas e não houve parecenças que o baralhassem.
Logo nesse dia falou ao amigo que gostaria de namorar a Gravelina.
O Manuel, não era um homem bonito. De estatura média, era magro, o rosto moreno, testa alta, olhos pequenos e vivazes, e usava um pequeno bigode, muito à moda na época, que mais tarde ficaria associado ao ditador alemão.
Contudo, não foi por isso que ela não ficou nada entusiasmada com a ideia. Naquele tempo não havia o culto à beleza que hoje temos, e depois sempre se ouviu dizer que "quem o feio ama bonito lhe parece". E se Manuel não era um homem bonito, também não se podia dizer que fosse feio.
Algumas das colegas de trabalho, da jovem, que já conheciam o Manuel das safras no outro lado do rio, na Azinheira, falavam do rapaz como sendo dado à borga e às saias. E depois era mais velho, tinha quase 9 anos a mais que ela. Foram esses os factos, que contribuíram para que não lhe agradasse a ideia, de um possível namoro.
O rapaz porém era teimoso, e contava com a amizade do Varandas, que era o irmão mais velho da jovem. E naquela época, as jovens ouviam o irmão mais velho com o mesmo respeito que dedicavam ao pai. E assim depois de alguma insistência, o Manuel começou a namorar a Gravelina, no Natal de 1945.
Ele estava perdidamente apaixonado. Tinha esquecido as idas a Lisboa, e tudo o que isso implicava. Todos os tempos livres, lhe serviam para ir ver a amada. Na verdade a Seca da Azinheira, (era conhecida por este nome, por ter nascido numa localidade chamada Azinheira Velha, embora o verdadeiro nome fosse Parceria Geral de Pescarias,) e a Sociedade Lisbonense de Pesca de Bacalhau, conhecida por Seca do Picado, situada na Ponta dos Corvos, ficavam praticamente em frente uma da outra, apenas separadas pelo rio Coina. Para ir ver a jovem, Manuel tinha que atravessar o rio e na Seca havia sempre um bote e um par de remos disponíveis para o fazer. Mas às vezes o mau tempo fazia perigar as visitas. Como naquele dia, 20 de Janeiro de 1946, noite de chuva forte, e ventos intensos, em que ao regressar com o Aires, que também tinha ido ver a namorada, perderam os remos, e Manuel mergulhou várias vezes, perante o terror do amigo, até os conseguir apanhar e regressarem assim com dificuldade, mas sãos e salvos. 
E a Primavera chegou, e partiu, e o Verão, seguiu-lhe os passos, e na Azinheira, Manuel achava que o tempo tinha parado. Faltavam menos de dois meses para o casamento e ele só pensava nesse dia. O bote e os remos não tinham descanso um só dia, e todos os dias faziam a travessia entre a Seca da Azinheira e a Seca do Seixal.